AMÉLIA E O
CANGACEIRO SERROTE
Autor –
Rostand Medeiros
As primeiras
décadas do século XX foram tempos bem difíceis para qualquer mulher no Brasil.
Era um período estranho, insatisfatório, cheio de aspirações ingratas em meio a
uma sociedade dominada pelos homens.
Amélia
Era um tempo
onde a mulher era vista como uma criatura diferente, onde se ofuscou suas
qualidades e habilidades, onde o padrão duplo de moralidade privilegiava os
homens no que se referia a absolutamente tudo[1].
O cangaceiro Serrote
Quem ainda
tinha pais que se esmeravam em dar as suas filhas alguma educação,
proporcionada por uma melhor condição financeira e social, poderia fazer esta
jovem sonhar em ser uma professora, praticamente a única profissão aceita para
as moças ditas de boa família.
Já quando uma
mulher vinha de uma classe menos abastarda e a educação e os recursos eram
limitados, ela poderia almejar ser uma empregada doméstica, trabalhando em
condições desprezíveis e com salários miseráveis. Isso quando recebiam salário![2]
Permanecer
solteira era considerado uma verdadeira desgraça e aos trinta anos uma mulher
que não fosse casada já era chamada de velha solteirona.
Foto
ilustrativa que mostra a diferença do padrão de vestuários entre homens e
mulheres no início do século XX no Brasil. Percebemos que até na vestimenta as
mulheres seguiam rígidas normas – Fonte – José Valdir Nogueira, de Belmonte-PE
E estando
nesta condição, como essas mulheres sobreviviam depois que seus pais morriam? O
que elas podiam fazer? Para onde poderiam ir?
Se tivessem um
irmão, ou uma irmã com um cunhado benevolente poderia viver em suas casas, como
hóspedes permanentes e indesejados. Ou então se tornavam freiras, o que às
vezes nem era tão simples.
A típica filha
de “boa família” – Fonte – – Fonte – Enciclopédia Nosso Século, Livro 1 –
1900/1910, Editora Abril, 1980, pág. 29.
Diante da
pouca importância social dada as mulheres naquela sociedade arcaica, cedo as
jovens brasileiras compreendiam que a instituição do casamento era única porta
aberta para uma vida que fosse respeitável, pretensamente mais segura e menos
difícil.
Seguindo essa
linha de pensamento, muitos pais acreditavam que uma educação séria para suas
filhas era algo supérfluo. Sendo assim os bons modos, prendas domésticas e saber
cuidar dos filhos e do marido seriam o suficiente para elas. Este era um
pensamento comum, onde aprender aritmética não ajudava as filhas a encontrar um
bom partido[3].
O cotidiano
dessas mulheres então se baseava quase que totalmente nos afazeres domésticos.
Muitas delas não tinham interesse para a instrução e a consciência de mudança
através do conhecimento era quase inexistente.
Prostituta do
início do século XX no Brasil – Fonte – Enciclopédia Nosso Século, Livro 1 –
1900/1910, Editora Abril, 1980, pág. 29.
Mas está
casada por si só não era garantia alguma de estabilidade e uma vida sem
privações. Neste contexto certamente não poderia haver nada de pior, de mais
terrível, se algumas destas mulheres casadas fossem abandonadas pelos seus
companheiros[4].
Nesse caso, se
a mulher abandonada não tivesse uma estrutura familiar preparada para lhe
apoiar, ficaria exposta à miséria. Mas é bom lembrar que naquela época a
maioria das mulheres abandonadas pelos companheiros era terrivelmente
discriminada pela família e pela sociedade.
Em 1912 o
fotógrafo americano John Ernest Joseph Bellocq se aventurou por Storyville, o
distrito da “luz vermelha” de New Orleans. Mas ele estava lá apenas pelo
trabalho. Bellocq nunca conseguiu publicar as imagens, que só foram descobertas
muito tempo após a sua morte. Lee Friedlander foi quem as encontrou em uma
pasta empoeirada no velho estúdio do fotógrafo. Ele cuidou para que eles fossem
impressos e liberados ao público – Fonte
-https://www.ideafixa.com/as-prostitutas-de-new-orleans-em-1900/
Para muitas
mulheres então a única maneira de não passar fome naqueles tempos duros era a
prostituição (do latim “prostituere”: “colocar diante”, “à frente”, “expor aos
olhos”)[5].
Os homens
acreditavam (e muitos ainda acreditam) que as prostitutas vendiam seus corpos
em um ato livre de busca pelo prazer, apenas para satisfazer seus desejos
carnais, suas taras. Esquecendo que estas mulheres eram (e ainda são na maioria
dos casos), impulsionadas à prostituição devido a elementos de diversas ordens.
Marinheiros
norte-americanos negociando com prostitutas em um prostíbulo do Rio de Janeiro
no início do século XX – Fonte – Fonte – Enciclopédia Nosso Século, Livro 1 –
1900/1910, Editora Abril, 1980, pág. 28.
Entre outras
causas estavam as deficiências no meio familiar (era comum o fato de muitas
mulheres terem sido violentadas pelos membros da sua própria família), ou uma
gravidez inesperada com a consequente expulsão de casa e a falta de capacitação
para desenvolver uma profissão que lhe sustentasse. Assim a prostituição em
troca de favores, de sobrevivência, revelou-se uma opção[6].
A Mulher Livre
de Campina Grande
Estudiosos e
pesquisadores acreditam que as características de como se apresenta nos dias
atuais aquela que é considerada “a profissão mais antiga do mundo”, é um
resultado direto do desenvolvimento urbano. E o Brasil do início do século XX,
não obstante ainda possuir sua economia atrelada basicamente a produção rural,
começou a viver uma nova fase de sua história econômica.
Décadas antes
havia sido extinta a estrutura escravista e as primeiras práticas capitalistas
tornavam-se presentes no meio econômico do país. Logo essas mudanças
ocasionavam profundas alterações nas relações sociais em algumas regiões do
Brasil, modificando substancialmente muitos núcleos urbanos[7].
Luz elétrica
em Campina Grande no ano de 1912 – Fonte –http://karinamariahistoria.blogspot.com.br/2012/05/luz-eletrica-na-paraiba.html
É uma cidade
chamada Campina Grande, localizada no interior da Paraíba, aproveitou
soberbamente as mudanças que surgiram no horizonte econômico do país e mudou
para sempre a sua história, tornando-se uma referência no Nordeste do Brasil.
A história
desta urbe possui características similares a criação de muitas localidades
nordestinas no final do século XVII – Uma pequena propriedade agropecuária que
gradativamente vai ampliando sua população na medida em que ocorre o seu
desenvolvimento econômico. Mas no caso de Campina Grande a sua criação
certamente foi acompanhada de uma interessante percepção geográfica dos seus
criadores, pois o lugarejo estava fadado a se tornar um grande entreposto
comercial da região.
Conforme o
lugarejo crescia ele tornou-se um ótimo ponto de apoio para pessoas que se
deslocavam entre o litoral e o interior da província, além de ser um bom ponto
de parada para aqueles que negociavam produtos como carne, roupas de algodão e
farinha. Campina Grande começou a ter em 1790 um governo formal, constituído
por um conselho da cidade e um cartório.
Imagem de
Procissão em 1912 na Rua Maciel Pinheiro, em Campina Grande – Fonte – Acervo do
Museu Histórico e Geográfico de Campina Grande /http://www.ufcg.edu.br/~historia/ppgh/index.php/processo-seletivo/category/14-dissertacoes-2012?download=109:joao-paulo-franca-cidade-e-imagens-cronicas-visuais-das-ruas-de-campina-grande-pb-1900-1950
Embora
existisse muita atividade comercial, havia muito pouca construção real de casas
e prédios do governo, tanto que no final do século XIX a cidade só possuía
cerca de 500 habitações. O desenvolvimento da localidade foi estimulado pelo
crescimento da indústria regional de algodão e a introdução da ferrovia, tanto
como via de escoamento deste produto agrícola, como via de chegada de produtos
manufaturados mais baratos e variados que impactaram a economia local de forma
radical. Isso tudo causou a transformação de uma pequena aldeia com cerca de
2.800 pessoas em 1872, para uma movimentada cidade com 38.303 habitantes em
1900[8].
E é em meio a
essa cidade pulsante, em franco crescimento em uma região pobre, onde o
dinheiro é presente e circulante, que vamos encontrar no ano de 1915 a jovem
Amélia Mendes da Silva.
Esta é uma
mulher que naquele ano tinha 28 anos de idade, nasceu na localidade de
Serraria, a cerca de 80 quilômetros ao norte de Campina Grande, e para
sobreviver proporcionava prazer aos homens da terra com seu corpo e seus
atributos sexuais[9].
Atacada Por Um
Cangaceiro
Sabemos que
Amélia era separada de João Bento da Silva, mas não sabemos a razão de sua
separação e nem a razão da sua entrada no ramo da prostituição. Mas em 1915 ela
aparentemente estava conseguindo tocar sua vida naquela atividade com certa
garantia de sobrevivência.
Isso fica um
tanto claro na única foto existente de Amélia. Ela mostra uma mulher com traços
faciais interessantes e proporcionais, com belos lábios carnudos, utilizando um
chapéu típico das mulheres urbanizadas da época. Vemos igualmente Amélia
utilizando uma roupa com um interessante bordado e dois grandes colares em
volta do pescoço. Sendo estes colares de ouro (o que infelizmente não consegui
nenhuma indicação), apontaria claramente que Amélia não fazia seu trabalho em
um prostíbulo, os populares cabarés. A jovem paraibana era uma prostituta
independente, ou isolada, aparentemente sem ter a sombra de um cafetão para
ditar regras, que habitava na sua própria casa, escolhia com quem teria as suas
relações sexuais, quanto ganharia por cada programa. Assim ela poderia atender
um menor número de homens e consequentemente ter uma renda melhor.
Assim Amélia
evitava viver em uma casa normalmente com sérios problemas de higiene, onde as
mulheres que ali trabalhavam eram obrigadas a receber todos aqueles que
frequentavam o bordel e tinham pouco repouso proporcionado pelas donas dos
prostíbulos. Além de estarem mais próximas da violência devido à alta
rotatividade dos clientes.
Prostituta em
1900 – Foto de John Ernest Joseph Bellocq – Fonte –https://www.ideafixa.com/as-prostitutas-de-new-orleans-em-1900/ Mesmo assim a
forma como Amélia praticava a sua profissão não lhe isentava de sofrer alguma
violência. E foi isso que lhe aconteceu de forma contundente em maio de 1915,
quando dois homens lhe aplicaram uma terrível surra em sua casa e lhe
estupraram com extrema violência.
Esse ataque
bestial teria sido realizado, segundo comentaram seus algozes, a mando de um
cliente enciumado com a prostituta paraibana. Existe outra versão que afirma
que a violência teria sido realizada a mando de uma rica senhora da sociedade
de Campina Grande, que percebeu que seu marido se afastava cada vez mais em
direção a cama de Amélia e direcionava seus carinhos a uma mulher que era tida
como “descaída”.
O problema
para Amélia é que um dos homens, o que comandava a dupla, prometeu que onde a
encontrasse em outra ocasião lhe mataria[10].
Antônio
Silvino
E o homem em
questão não era alguém de promessas vazias. Ele havia sido um cangaceiro do
bando de Antônio Silvino.
Um Cabra
Complicado Até Para Outros Cangaceiros
Seu nome era
José Maria de Oliveira, sua alcunha Serrote e teria nascido em algum local na
Paraíba. Era conhecido por já ter praticado diversos crimes, entre estes
assassinatos. Sempre agindo com requintada malvadeza na região do interior do
estado onde nasceu. Ele foi descrito pelos jornais da época como tendo
“estatura regular, preto, cabellos carapinhos, olhos grandes, nariz chato,
orelhas grandes, pés e mãos pequenas, dentadura perfeita”.
Um jornal
recifense aponta que em agosto de 1909, após Antônio Silvino retornar do Ceará,
ele e seus homens foram vistos na região rural da cidade paraibana de
Cabaceiras e na mesma nota é informado que Serrote estava com um pequeno bando
de quatro membros, um “subgrupo” de Silvino, agindo de forma independente para
atrair a atenção das volantes da polícia[11].
Entretanto
outro periódico mostra que Serrote não havia deixado o bando de Silvino
comandando um subgrupo, ele havia sido expulso pelo chefe, com mais outros
cabras da sua laia, por Silvino não confiar nessa gente. Nesta nota ele foi
tido como “Trahidor” e “perverso ao extremo” pelos seus próprios companheiros
de cangaço.
Ainda em
relação às andanças de Serrote como chefe de bando em 1909, ele parece não ter
ido muito longe nesta função que requeria astúcia, companheirismo, uma boa rede
de apoiadores e enorme capacidade de combate. Pois uma nota na segunda página
do Jornal do Recife, edição do dia 4 novembro de 1909, aponta que Serrote havia
sido preso no lugar denominado Bonita, próximo a Cabaceiras, ficando lá
recolhido. É desta época a foto que trago deste cangaceiro[12].
Sobre o hiato
de sete anos entre a prisão de Serrote a o ataque contra Amélia em Campina
Grande eu não consegui nenhuma informação. Mas se este cabra safado, que
possuía tão terrível fama e uma extensa ficha criminal, estava vivendo
tranquilamente na rica cidade do interior da Paraíba, é que certamente era
protegido de alguém muito poderoso. Onde provavelmente Serrote era utilizado,
junto com outros de sua estirpe, para variados serviços violentos, como a surra
e o estrupo cometidos contra Amélia.
Para esse
bandido, que um dia se ombreou com Antônio Silvino, certamente a cidade de
Campina Grande, com sua larga circulação monetária, proporcionava uma condição
de ação muito mais facilitada do que andar de arma na mão no meio da caatinga.
Além disso,
diante das sempre comuns querelas politicas e dos muitos conflitos sociais, um
elemento com o seu nível de “expertise” não era de todo descartável e poderia
ser sempre útil para abonados de baixo caráter. E certamente que sua fama de
antigo companheiro do chefe cangaceiro Antônio Silvino só lhe ajudava nestas
nefandas atividades em Campina Grande.
Luta na Noite
de Campina Grande
Não tenho
dúvida que diante das lesões provocadas em seu corpo e igualmente pelo medo
daquele homem perverso e do seu companheiro de atividades criminais, Amélia
passou um tempo escondida. Para não dizer acuada[13].
Mas ela não
tinha ninguém para lhe proteger e precisava sair para se sustentar. Fugir
certamente não estava nos seus planos, pois tinha seu local de repouso em
Campina Grande, tinha clientela e ir embora significava viver em algum
fedorento cabaré perdido no interior do Nordeste, com todas as incertezas que
esta decisão acarretaria.
Foi então que
Amélia passou a andar com um punhal e foi para rua para sua triste e dura luta
de vender o seu corpo para sobreviver.
A imagem de
violências praticadas contra as mulheres era muito comum no início do século XX
– Fonte – http://www.pinterest.com
Mas o seu
encontro com o antigo cangaceiro não demorou.
Eram por volta
das seis da noite de uma terça-feira, 11 de maio de 1915, quando a jovem Amélia
seguia por um beco que desembocava em uma avenida denominada Lauritzen. Neste
momento, na esquina, ficou frente a frente com seu algoz[14].
Logo Serrote
partiu para o ataque e desferiu pesada cacetada com um porrete na cabeça da
mulher, que baqueou, mas suportou a pancada. Nesse momento, quando Serrote se
preparava para desferir o segundo golpe, para sua total surpresa Amélia
cravou-lhe com coragem e segurança o punhal no peito do cangaceiro.
Através da
dissertação de Mestrado em História “Cidade e Imagens: Crônicas visuais das
Ruas de Campina Grande? PB (1900-1950)”, do historiador João Paulo França,
descobri a obra “Abrindo o livro do passado”, publicada em 1956, e de autoria
do escritor e historiador campinense Cristino Pimentel. Ele afirmou em seu
livro que o ferimento no cangaceiro foi embaixo do peito esquerdo e nem sangue
saiu. Para o falecido cronista Pimentel o conflito se deu em um beco que
era conhecido pelo sugestivo nome de “Beco dos Paus Grandes”, atual Rua João
Alves de Oliveira[15].
O antigo “Beco
dos Paus Grandes”, local da luta – Fonte –http://www.ufcg.edu.br/~historia/ppgh/index.php/processo-seletivo/category/14-dissertacoes-2012?download=109:joao-paulo-franca-cidade-e-imagens-cronicas-visuais-das-ruas-de-campina-grande-pb-1900-1950
Segundo os
jornais da época o perigoso Serrote saiu cambaleando e não fez uso de um
revólver carregado com seis munições que trazia na cintura e que depois foi
encontrado com ele. O violento ex-cangaceiro andou um pouco mais e foi cair na
calçada, defronte ao comércio de Elias Montenegro[16].
Amélia por sua
vez, ao ver que Serrote se afastava cambaleando e por não ver seu inimigo
sangrando, decidiu sair discretamente do palco dos acontecimentos. Certamente
acreditava que espantara aquele verdadeiro “encosto” de sua vida.
Dali seguiu
tranquilamente para um hotel onde jantava com frequência. Lá soube por algumas
pessoas que nas proximidades o temido cangaceiro estava morto na calçada e
entendeu que aquilo foi o resultado de sua certeira estocada.
Do jeito que
ela estava no hotel, ela continuou e não se abalou. Certamente com uma sensação
positiva, ela não fez a mínima ação de evadir-se do local e jantou
tranquilamente aguardando o seu destino. Ainda bem tranquila ela comentou com
todos os presentes no hotel que ela era a responsável pela morte do cangaceiro
e explicou a causa do assassinato.
Após encerrar
seu jantar Amélia Mendes da Silva, certamente acompanhada de muitos curiosos e
quero crer de cabeça erguida, se dirigiu para se entregar a polícia de Campina
Grande. Junto à autoridade policial ela relatou o ocorrido e as razões do seu
ato. Ficou presa.
No outro dia
os jornais comentam que a cidade entrou em transe com os acontecimentos,
exultando a morte deste perigoso elemento. Muitos foram ver o cadáver do homem
que um dia andou junto a Antônio Silvino e depois seguiram para cadeia ver a
mulher que o matou.
Mesmo sem
haver encontrado nenhuma outra referência sobre violências praticadas pelo
antigo cangaceiro Serrote em Campina Grande e região, é perceptível pelos
jornais a descrição de um certo alívio pela morte do celerado.
Clementino
Gomes Procópio, que ajudou na defesa de Amélia – Fonte –http://digitalizacao.fundaj.gov.br/fundaj2/modules/visualizador/i/ult_frame.php?cod=5412
Diante do que
ocorreu Amélia recebeu apoios. O ilustre educador Clementino Gomes Procópio se
prontificou a patrocinar a causa pela defesa da prostituta[17].
Fugindo Para
Sobreviver
Segundo bem
observou o historiador João Paulo França em sua tese de Mestrado, os códigos de
comportamento da sociedade campinense de então reconheceram a “legítima defesa”
de Amélia e a absorveram por unanimidade “aquela mulher da vida”. É plausível
que o passado de “cangaço”, e os espancamentos feitos por Serrote, muito
contribuíram para que seu assassinato fosse visto como um “alívio” para a
sociedade. Todavia, Amélia a partir de então “deixava” de ser “Amélia Mendes da
Silva”, para carregar pelo resto da vida a alcunha de “Amélia de Serrote”.
O historiador
nos traz em seu trabalho acadêmico as palavras do cronista Cristino Pimentel,
que em seu livro de 1956 comentou sobre o destino de Amélia de Serrote –
“vítima da má sorte e dos homens, perseguida pelo destino, tomou o caminho dos
ignorados, pois não se sabe como, nem onde foi ficar depois de absolvida pelo
crime”.
Estando
correta a afirmação do ilustre Cristino Pimentel, mesmo com a absolvição do seu
crime, mesmo com toda a repercussão positiva em relação ao caso, é provável que
Amélia de Serrote tenha decidido deixar Campina Grande pelas ligações que o
antigo cangaceiro possuía junto a poderosos da cidade. Isso provavelmente fazia
dela um elemento de risco para alguém. Enfim ela já tinha levado uma baita
surra ordenada por alguém poderoso e algo pior poderia advir contra ela a
qualquer momento.
O certo é que
nenhuma referência mais eu encontrei sobre esta valente mulher paraibana, que
um dia matou um cangaceiro.
Em tempo – E
porque não pensar em um final feliz?
Talvez diante
do feito de Amélia ao matar o cangaceiro, quem sabe se algum homem não lhe
propôs uma união estável?
Ela então
deixou a prostituição, saiu de cena e viveu uma vida tranquila e feliz!
NOTAS
[1] Sobre as mudanças nas relações de
gênero na passagem do século XIX para o século XX, ver “A MULHER URUGUAIA E A
MULHER BRASILEIRA NO INÍCIO DO SÉCULO XX”, de Marcos Emílio Ekman Faber –http://www.historialivre.com/contemporanea/amemulher.htm
[2] Ver “A CONSTRUÇÃO DO PAPEL SOCIAL DA
MULHER NA PRIMEIRA REPÚBLICA”, de Aline Tosta dos Santos –http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300669106_ARQUIVO_TEXTOOLIVIAANPUH.pdf
[3] Sobre a problemática do processo de
escolarização que se realizou no Brasil desde a chegada dos jesuítas até a
Revolução de 1930, sob a ótica do gênero ver “UM OLHAR NA HISTORIA: A MULHER NA
ESCOLA (BRASIL: 1549 – 1910)”, de Maria Inês Sucupira Stamatto, do Programa de
Pós-Graduação em Educação – UFRN –http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema5/0539.pdf Ver
també “MULHER E EDUCAÇÃO CATÓLICA NO BRASIL (1889-1930): DO LAR PARA A ESCOLA
OU A ESCOLA DO LAR?”, de Michelle Pereira Silva, Geraldo Inácio Filho,
Universidade Federal de Uberlândia –http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/revis/revis15/art14_15.pdf
[4] Sobre o cotidiano das mulheres neste
período ver “MULHER, MÃE, TRABALHADORA, CIDADÃ…: CONDIÇÃO FEMININA NAS TRÊS
PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX”, de Simone da Silva Costa, Doutora em História
e Professora da Prefeitura Municipal de Santa Rita – PB –
file:///C:/Users/Isa%20Bezerra/Downloads/23811-47870-2-PB.pdf
[5] Ver “PROSTITUIÇÃO – CORPO COMO
MERCADORIA”, dePaulo Roberto Ceccarelli,
Psicólogo / Psicanalista, in: Mente & Cérebro – Sexo, v. 4 (edição
especial), dez. 2008 –http://ceccarelli.psc.br/pt/?page_id=157
[6] Ver “O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA
PATRIMONIAL CONTRA A MULHER: PERCEPÇÕES DAS VÍTIMAS”, de Rita de Cássia Bhering
Ramos Pereira, Maria das Dores Saraiva de Loreto, Karla Maria Damiano Teixeira,
Junia Marise Matos de Sousa –http://www.seer.ufv.br/seer/oikos/index.php/httpwwwseerufvbrseeroikos/article/viewFile/89/156
[7] Ver “ANÁLISE DA PRIMEIRA FASE DO
PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES SOBRE A ECONOMIA DO NORDESTE”, de
Alessandro Alves dos Santos Silva (PPGECON-UFPE) e Adelson Santos Silva
(UAST/UFRPE) –http://www.bnb.gov.br/documents/160445/781488/3M3_art_1.pdf/72c361f4-5f4c-420d-9c72-039d1fcdf1a5
[8] Sobre a história de Campina Grande ver
“CAMPINA GRANDE A CIDADE SE CONSOLIDA NO SÉCULO XX”, de Júlio César Mélo de
Oliveira –http://www.geociencias.ufpb.br/~paulorosa/gema/images/stories/monografias/2007/mono_julio e
“CIVILIZANDO OS FILHOS DA “RAINHA”, CAMPINA GRANDE: MODERNIZAÇÃO, URBANIZAÇÃO E
GRUPOS ESCOLARES (1935 A 1945)” de Maria Raquel Silva –http://www.cchla.ufpb.br/ppgh/2011_mest_maria_silva.pdf
[9] Ver “AS DECAÍDAS: PROSTITUIÇÃO EM
FLORIANÓPOLIS (1900 – 1940)”, de Silvia Maria Fávero Arend –
file:///C:/Users/Isa%20Bezerra/Downloads/6175-18860-1-SM.pdf
[10] Ver “JORNAL DE RECIFE”, Recife-PE,
edição de quinta-feira, 1 de julho de 1915, pág. 3.
[11] Essa tática de criar subgrupos entre
os integrantes de Antônio Silvino não era novidade, sendo um dos mais famosos
era o subgrupo do cangaceiro Cocada, cujo nome verdadeiro, segundo o cangaceiro
Rio Preto, era Manoel Marinho, sendo natural de Guarita, vila localizada a
menos de dez quilômetros da cidade paraibana de Itabaiana e teria cerca de 40
anos em 1906. Mário Souto Maior comenta, sem informa datas, que Cocada
morreu em combate no lugar chamado Serrinha, na Paraíba. No seu local de morte,
o povo ergueu um cruzeiro. O folclorista Evandro Rabelo, ao passar pelo local,
viu depositado na base da cruz, alguns ex-votos de pessoas que obtiveram graças
por intermédio deste cangaceiro. Verhttps://tokdehistoria.com.br/2011/12/04/a-saga-do-cangaceiro-rio-preto/
[12] Ver “JORNAL DE RECIFE”, Recife-PE,
edição de quinta-feira, 1 de julho de 1915, pág. 3.
[13] Eu não consegui nenhuma informação sobre
que era o homem que ajudou Serrote na violência contra a prostituta Amélia.
[14] Essa suposta avenida, da qual não
encontrei referências, seria alusiva a figura de Christian “Cristiano”
Lauritzen. Este foi um imigrante dinamarquês nascido em 1847 e que chegou ao
Brasil, mais precisamente em Recife, aos 21 anos de idade. Por volta de 1880 se
estabeleceu em Campina Grande, quando a cidade tinha pouco mais de três mil
habitantes. Em 1883 casou-se com a senhora Elvira Cavalcanti, filha do
comerciante Alexandrino Cavalcanti, então Presidente da Câmara Municipal de
Vereadores, com quem teve dez filhos. Lauritzen foi prefeito municipal
durante 19 anos ininterruptos e durante sua longa gestão ocorreu a chegada do
primeiro trem na cidade, marco histórico para o desenvolvimento econômico da
região. Em 1922 fundou o Jornal Correio de Campina Grande e faleceu no ano
seguinte, ainda exercendo o mandato de prefeito.
[15] Ver PIMENTEL, Cristino. Abrindo o
livro do passado. 1ª Edição. Campina Grande: Editora Teone, 1956, p. 46. Sobre
a dissertação de mestrado “Cidade e Imagens: Crônicas visuais das Ruas de
Campina Grande? PB (1900-1950)”, do historiador João Paulo França acessehttp://www.ufcg.edu.br/~historia/ppgh/index.php/processo-seletivo/category/14-dissertacoes-2012?download=109:joao-paulo-franca-cidade-e-imagens-cronicas-visuais-das-ruas-de-campina-grande-pb-1900-1950
[16] Já para Cristino Pimentel, em seu
atualmente raro livro, o cangaceiro Serrote não sentiu que estava ferido e foi
tombar, para morrer, no “Beco de seu Lindolfo”. Ainda sobre Elias Montenegro eu
descobri que naquele mesmo ano de 1915, poucos meses antes da morte de Serrote,
mais precisamente no dia 12 de abril, o comerciante havia sido um dos sócios
fundadores do time de futebol Campinense Clube, uma das mais tradicionais
equipes de futebol da Paraíba e conhecido como o “aristocrático”. Ver –http://cgretalhos.blogspot.com.br/2009/09/campinense-clube-1-parte.html#.V-B_1_ArLIU
[17] Nascido na fazenda Chéus, no município
pernambucano de Bom Jardim, em 1855, Clementino Gomes Procópio foi seminarista
aos quinze anos, mas não concluiu os estudos para ser padre. Depois de uma
breve passagem pela cidade de Batalhão, hoje Taperoá, na Paraíba, onde fundou
uma escola, seguiu para Campina Grande em 1877. Foi político, jornalista e fez
da educação seu ofício maior. Fundou o Instituto São José, uma escola
particular que funcionava como internato e externato, no bairro de São José.
Consta que a caridade era um traço forte de sua personalidade, talvez aí se
explique se colocar ao lado de Amélia na sua defesa jurídica no caso do
assassinato de Serrote. Faleceu aos 80 anos, em 1935. Verhttp://cafecomresenhas.blogspot.com.br/2013_08_01_archive.html
Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
https://tokdehistoria.com.br/2016/09/20/o-drama-de-sangue-entre-a-prostituta-e-o-cangaceiro-em-campina-grande/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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