*Rangel Alves
da Costa
Vem da Bíblia
a primeira afirmativa da rejeição ao supérfluo, ao dizer que Adão e Eva viviam
nus, mesmo na presença de Deus. Somente após o pecado é que procuraram encobrir
suas vergonhas com folhas de figueira e mais adiante com um tipo de avental de
couro. Continuavam descalços e sem quaisquer outros objetos. Quer dizer,
usava-se o mínimo possível de vestimenta e ainda assim vestindo o suficiente
para toda e qualquer situação.
E o que dizer
do homem da caverna com suas tiras de couro sobre o corpo? Mas nada igual ao
índio, principalmente o nativo brasileiro, que sempre viu na nudez sua melhor
roupa. Diferente era andar vestido, feio era querer encobrir aquilo que era tão
natural ao ser humano, pois o seu próprio corpo. E ainda hoje muitos povos da
floresta preservam o hábito da nudez em todos os instantes de vida. Certa feita
perguntaram a um velho cacique por que viver assim, com as partes íntimas à
vista de todos. Ao que ele respondeu: Usar roupa é ter vergonha do próprio
corpo.
E por muito
tempo foi defendida a ideia de o homem viver em estado natural, ou em estado de
natureza. Em alguns pensadores acentua-se a defesa da premissa de que ao homem
bastaria o suprimento de suas necessidades, sem a preocupação com posse, poder,
propriedade ou paixões. Essa falta de senso materialista torna-se fundamental
para o convívio harmonioso, baseado na igualdade e na fraternidade. Ao quebrar
este estado, será o individualismo e a competição que passam a impor as regras
sociais.
Nas
observações acima, uma sucinta demonstração de que o ser humano bem poderia
viver sem tanto lançar mão de usos e acessórios, de quinquilharias e bugigangas
por cima do corpo e sem o afã de expressar imponência e riqueza. Fugindo do
apenas necessário, logo buscou além da necessidade para depois chegar ao
supérfluo. E a existência inteira foi se transformando numa intensa procura de
futilidades. Coisas sem serventia, inutilidades, tudo isso fazendo parte dos
anseios consumistas arraigados nos povos.
O supérfluo,
porém, não é tão supérfluo assim. Ao menos nas suas imposições. Impôs suas
regras, costumes e até leis. É passível de tipificação como atentado violento
ao poder aquele que andar nu ou mostrar suas partes íntimas. É socialmente
inaceitável a pessoa conviver usando somente tanga de folhas para encobrir as
vergonhas. Tem-se como feia a roupa rasgada, carcomida e desbotada pelo uso. A
pobreza e a miséria são desprezíveis a muitos, a pouca comida ou o nada ter é
inaceitável a tantos. E assim porque o esbanjamento tomou o lugar da medida e
da necessidade.
Ante tamanha
valorização do desnecessário e do acúmulo de inutilidades, não há outra coisa a
afirmar senão que a vida do ser humano passou a ser totalmente conduzida e
mantida através de supérfluos, até mesmo perante classes empobrecidas. Comer o
que geralmente se come é supérfluo, andar vestido é supérfluo, a maioria das
moradias é supérflua, o casamento é supérfluo, a lei é, em muitos casos, é
supérflua. Além de que todo luxo, modismo e materialismo do mundo pode ser
visto como dispensável à vida.
Mas por que
supérfluo, logo vem a indagação. O primeiro entendimento se revelará através
dos conceitos e definições. Segundo os livros e dicionários, supérfluo é o
desnecessário, o que é inútil ou pode ser descartado. É o que se mostra
demasiado, que ultrapassa a necessidade, que é mais do que se necessita. Ou
mesmo aquilo que nunca se necessita mas que a pessoa insiste em ter por vaidade
ou luxo. Além do diamante, também o rubi, as joias de mais puro quilate. Não se
viveria sem tais luxos?
Qual
essencialidade há na vida, sobrevivência e subsistência, uma roupa de marca,
uma bijuteria de grife, um prato de cardápio refinado, um carro importado, uma
caneta de ouro e uma gravata caríssima? Qual a real necessidade de o ser humano
gastar uma fortuna em passeios ao exterior, utilizar somente vinhos e iguarias
importadas, viver de etiquetas e não do conforto, colocar cifras espantosas na
sola de um sapato?
Contudo, são
tais supérfluos que alimentam a vida de muitos. As vaidades e os egoísmos são
tantos e tão exagerados que se renega até tudo que é nacional, de fabricação
brasileira, para privilegiar somente o importado. Torna-se feio tomar um café
em botequim, comer um pão com salame, experimentar um cachorro quente de rua,
pedir um pacote de pipoca. Daí os shoppings, as importadoras, as lojas
especializadas em estrangeirismos. Mas qual a necessidade de ser assim?
Há um conceito
econômico denominado consumo supérfluo. E este seria o consumo de bens e
serviços dispensáveis. No mundo consumista, as pessoas gastam enormes quantias
em produtos que não são essenciais e poderiam muito bem deixar de serem
adquiridos. Mas assim fazem porque o vizinho faz, a televisão mostra, a
sociedade exige. O dinheiro, que hoje se tem como necessário, até que falta,
mas o consumismo supérfluo jamais. Endivida-se pelo nada, pelo absolutamente
desnecessário.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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