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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

A INVENÇÃO DO SUPÉRFLUO

*Rangel Alves da Costa

Vem da Bíblia a primeira afirmativa da rejeição ao supérfluo, ao dizer que Adão e Eva viviam nus, mesmo na presença de Deus. Somente após o pecado é que procuraram encobrir suas vergonhas com folhas de figueira e mais adiante com um tipo de avental de couro. Continuavam descalços e sem quaisquer outros objetos. Quer dizer, usava-se o mínimo possível de vestimenta e ainda assim vestindo o suficiente para toda e qualquer situação.

E o que dizer do homem da caverna com suas tiras de couro sobre o corpo? Mas nada igual ao índio, principalmente o nativo brasileiro, que sempre viu na nudez sua melhor roupa. Diferente era andar vestido, feio era querer encobrir aquilo que era tão natural ao ser humano, pois o seu próprio corpo. E ainda hoje muitos povos da floresta preservam o hábito da nudez em todos os instantes de vida. Certa feita perguntaram a um velho cacique por que viver assim, com as partes íntimas à vista de todos. Ao que ele respondeu: Usar roupa é ter vergonha do próprio corpo.

E por muito tempo foi defendida a ideia de o homem viver em estado natural, ou em estado de natureza. Em alguns pensadores acentua-se a defesa da premissa de que ao homem bastaria o suprimento de suas necessidades, sem a preocupação com posse, poder, propriedade ou paixões. Essa falta de senso materialista torna-se fundamental para o convívio harmonioso, baseado na igualdade e na fraternidade. Ao quebrar este estado, será o individualismo e a competição que passam a impor as regras sociais.

Nas observações acima, uma sucinta demonstração de que o ser humano bem poderia viver sem tanto lançar mão de usos e acessórios, de quinquilharias e bugigangas por cima do corpo e sem o afã de expressar imponência e riqueza. Fugindo do apenas necessário, logo buscou além da necessidade para depois chegar ao supérfluo. E a existência inteira foi se transformando numa intensa procura de futilidades. Coisas sem serventia, inutilidades, tudo isso fazendo parte dos anseios consumistas arraigados nos povos.


O supérfluo, porém, não é tão supérfluo assim. Ao menos nas suas imposições. Impôs suas regras, costumes e até leis. É passível de tipificação como atentado violento ao poder aquele que andar nu ou mostrar suas partes íntimas. É socialmente inaceitável a pessoa conviver usando somente tanga de folhas para encobrir as vergonhas. Tem-se como feia a roupa rasgada, carcomida e desbotada pelo uso. A pobreza e a miséria são desprezíveis a muitos, a pouca comida ou o nada ter é inaceitável a tantos. E assim porque o esbanjamento tomou o lugar da medida e da necessidade.

Ante tamanha valorização do desnecessário e do acúmulo de inutilidades, não há outra coisa a afirmar senão que a vida do ser humano passou a ser totalmente conduzida e mantida através de supérfluos, até mesmo perante classes empobrecidas. Comer o que geralmente se come é supérfluo, andar vestido é supérfluo, a maioria das moradias é supérflua, o casamento é supérfluo, a lei é, em muitos casos, é supérflua. Além de que todo luxo, modismo e materialismo do mundo pode ser visto como dispensável à vida.

Mas por que supérfluo, logo vem a indagação. O primeiro entendimento se revelará através dos conceitos e definições. Segundo os livros e dicionários, supérfluo é o desnecessário, o que é inútil ou pode ser descartado. É o que se mostra demasiado, que ultrapassa a necessidade, que é mais do que se necessita. Ou mesmo aquilo que nunca se necessita mas que a pessoa insiste em ter por vaidade ou luxo. Além do diamante, também o rubi, as joias de mais puro quilate. Não se viveria sem tais luxos?

Qual essencialidade há na vida, sobrevivência e subsistência, uma roupa de marca, uma bijuteria de grife, um prato de cardápio refinado, um carro importado, uma caneta de ouro e uma gravata caríssima? Qual a real necessidade de o ser humano gastar uma fortuna em passeios ao exterior, utilizar somente vinhos e iguarias importadas, viver de etiquetas e não do conforto, colocar cifras espantosas na sola de um sapato?

Contudo, são tais supérfluos que alimentam a vida de muitos. As vaidades e os egoísmos são tantos e tão exagerados que se renega até tudo que é nacional, de fabricação brasileira, para privilegiar somente o importado. Torna-se feio tomar um café em botequim, comer um pão com salame, experimentar um cachorro quente de rua, pedir um pacote de pipoca. Daí os shoppings, as importadoras, as lojas especializadas em estrangeirismos. Mas qual a necessidade de ser assim?

Há um conceito econômico denominado consumo supérfluo. E este seria o consumo de bens e serviços dispensáveis. No mundo consumista, as pessoas gastam enormes quantias em produtos que não são essenciais e poderiam muito bem deixar de serem adquiridos. Mas assim fazem porque o vizinho faz, a televisão mostra, a sociedade exige. O dinheiro, que hoje se tem como necessário, até que falta, mas o consumismo supérfluo jamais. Endivida-se pelo nada, pelo absolutamente desnecessário.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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