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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A MORTE DE ANTÔNIO CANELA

Por Alcino Alves Costa

Certa vez, por e-mail, Alcino Alves Costa me disse que gostaria de ser lembrado através desta foto
José Mendes Pereira

O sertão está alegre. A chuva tem caído com abundância. O inverno é bom e farto. Tudo é bonança e grandeza. O mimoso se espalha belamente pelas caatingas, balouçando, daqui pra ali, ao sabor gostoso do vento. O capim, a beldroega, o feijão brabo, a jitirana e a marmelada cobrem os loros das selas e as barrigas dos animais. Vaqueiros, animados e felizes, todos os dias ficam mudando a gadama, de uma fazenda pra outra, nos trabalhos de apartação.

Nas serras do Curralinho uma pequena fazenda – Camarões – está em festa. Alguns vaqueiros (Chiquinho de Aninha, Flávio, seu Alves, Libéu, Angelino, João Cirilo) ajuntam o rebanho para apartação. A ideia é levar o gado de Juvêncio Rodrigues para a Pedrata.

A cachaça rola e a chuva cai.

Lá, no início da malhada, desponta Antônio Canela. O caboclo está caçando um jumento. Soube do ajuntamento que ali estava acontecendo e com vontade de beber uma cachacinha seguiu para a fazendinha de Juvêncio.

Canela era um galho familiar da Caldeira. Nascido e criado nas Alagoas, num lugarzinho chamado Bonito. Carregava uma provação em sua vida. Um dia acompanhou alguns amigos que foram até o povoado “Entre Montes” esperar Lampião com o intuito de enfrenta-lo. O cangaceiro não apareceu mais a notícia dos preparativos para a reação contra ele se espalhou.

Tempo depois o rapaz se muda para Sergipe, indo residir no Curralinho. Jamais poderia imaginar que aquela sua aventura com as armas iria lhe trazer tão trágico dano. Mas, um mensageiro da desgraça assim não pensava, era ele “Zuza de Invenção”, cabra ruim e mal-intencionado que, levado pela maldade e vontade de agradar os bandidos, conta a história de Canela a eles.

O moço não sabia que estava na mira dos bandoleiros. Sem nenhum temor caminha por todos os arredores, mesmo sabendo que aquelas redondezas estão infestadas de cangaceiros.

Na fazenda do ajuntamento os vaqueiros aboiam e bebem. A chuva não para e cai com vontade. Grossas bátegas se esparramam pelo barro vermelho daquelas serras. Os grotões e riachos estão empanzinados e roncando. O sertão mais parece um paraíso.

Antônio Canela se demora. Gosta da farra e da cachaça. A chuva é forte e demorada. O melhor é esperar e beber.

A chuva diminuiu e foi embora. João Cirilo abre uma das janelas. Surpreso exclama:

 - Ói Cuma vem genti ali, e só podi ser cangaceiro.

A malhada está coalhada de cangaceiro. O grupo é chefiado por Mané Moreno. Todos estão com as roupas encharcadas. Chegam ao telheiro. Os presentes são saudados com um aperto de mão. Quando chega a vez do rapaz de Alagoas, Mané Moreno é que pega na sua mão e para espanto de todos diz:

O cangaceiro Mané Moreno

- Você tá preso!

A afronta a Lampião iria ser vingada.

Angelino e João Cirilo tentam pedir pelo condenado. A sentença já estava consumada.

Mané Moreno encerra a conversa dizendo:

- Não adianta pidido ninhum pra este cabra Ele vai morrer pruque merece.

Canela era um homem destemido. Mesmo não desconhecendo o seu fim tem forças para perguntar:

- E o qui foi qui eu fiz?

Pancada é quem responde:

- Se esqueceu qui andava armado pra atirá im Lampião?

- Foi mesmo. Só tivi pena porque ele num apareceu.

Alecrim cabra perverso, arranca um canivete e com desmedida fúria enfia a arma várias vezes no corpo do prisioneiro. Um outro bandido – Cravo Roxo -  não deixa por menos, com o coice de seu mosquetão bate com furor desmedido no rosto de Canela. A cabroeira está irritada com a ousadia do rapaz.

Os cangaceiros Áurea,  (errado Gorgulho) é Cravo Roxo e Mané Moreno

O cangaceiro era a personificação da desgraça e da morte. A fazendinha e os vaqueiros agora estavam envoltos num manto de tristeza e dor. Acabara-se a festa e a alegria. Agora tudo havia se transformado em horror e agonia. O povo sertanejo não pode ser feliz enquanto aqueles malsinados bandoleiros dominarem o seu sertão. Impossível se ter paz e sossego naquele mundo dominado pelo cangaceiro e pelas volantes.

Antônio Canela estava sendo supliciado. Amarram-no na garupa do animal e alecrim e viajam. Canela pergunta a Áurea, companheira de Mané Moreno e filha de Antonio Nicácio, se os cangaceiros vão mata-lo. A bandida acena com a cabeça que sim. Desesperado, ao receber a confirmação de seu fim, o rapaz, num ato extremado, tenta escapulir. Consegue pular do animal e corre loucamente serra abaixo. É perseguido pelo bando e rapidamente alcançado.

Mané Moreno está possesso. Obriga o infeliz abria a boca e comprovando o monstro que era puxa sua arma e atira. Canela teve tempo apenas de virar sua cabeça para um lado e, então, em vez de atirar na boca, atirou no ouvido do moço.

Canela não caiu e recebe o segundo tiro. Este no rosto. Desaba por cima das macambiras. É ainda sangrado por Pancada.  Acontece, então, a grande prova do negrume daqueles seres que não eram humanos e sim verdadeiros monstros. O cangaceiro Cravo Roxo se acerca da cor inerte de Canela, fica ao seu lado acocorado e como se fosse um monstro, e mostro ele era – bebe o sangue que borbulha da veia do pescoço do infeliz que está estirado no chão duro daquelas serras.

Do telheiro da fazenda, Juvêncio, seu Alves João Cirilo, Angelino Libéu e Chiquinho de Aninha abobalhados, observam a triste e aterradora cena. Lá embaixo, na serra, mais um sertanejo acaba de ser ceifado deste mundo por força do flagelo que há tantos anos vem assolando aquela região antes tão pacata e feliz.

Desolados e temerosos os vaqueiros soltam o gado e retornam para Curralinho.

Fonte: “livro Lampião Além da Versão Mentiras e Mistérios de Angico”
Autor: Alcino Alves Costa
Páginas: 195, 196 e 197.
Edição 2ª. Edição
Ano: 2011

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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