Por Alcino
Alves Costa
Certa vez, por e-mail, Alcino Alves Costa me disse que gostaria de ser lembrado através desta foto
José Mendes Pereira
O sertão está alegre.
A chuva tem caído com abundância. O inverno é bom e farto. Tudo é bonança e
grandeza. O mimoso se espalha belamente pelas caatingas, balouçando, daqui pra
ali, ao sabor gostoso do vento. O capim, a beldroega, o feijão brabo, a
jitirana e a marmelada cobrem os loros das selas e as barrigas dos animais.
Vaqueiros, animados e felizes, todos os dias ficam mudando a gadama, de uma
fazenda pra outra, nos trabalhos de apartação.
Nas serras do
Curralinho uma pequena fazenda – Camarões – está em festa. Alguns vaqueiros
(Chiquinho de Aninha, Flávio, seu Alves, Libéu, Angelino, João Cirilo) ajuntam
o rebanho para apartação. A ideia é levar o gado de Juvêncio Rodrigues para a
Pedrata.
A cachaça rola
e a chuva cai.
Lá, no início
da malhada, desponta Antônio Canela. O caboclo está caçando um jumento. Soube
do ajuntamento que ali estava acontecendo e com vontade de beber uma cachacinha
seguiu para a fazendinha de Juvêncio.
Canela era um
galho familiar da Caldeira. Nascido e criado nas Alagoas, num lugarzinho
chamado Bonito. Carregava uma provação em sua vida. Um dia acompanhou alguns
amigos que foram até o povoado “Entre Montes” esperar Lampião com o intuito de
enfrenta-lo. O cangaceiro não apareceu mais a notícia dos preparativos para a
reação contra ele se espalhou.
Tempo depois o
rapaz se muda para Sergipe, indo residir no Curralinho. Jamais poderia imaginar
que aquela sua aventura com as armas iria lhe trazer tão trágico dano. Mas, um
mensageiro da desgraça assim não pensava, era ele “Zuza de Invenção”, cabra
ruim e mal-intencionado que, levado pela maldade e vontade de agradar os
bandidos, conta a história de Canela a eles.
O moço não
sabia que estava na mira dos bandoleiros. Sem nenhum temor caminha por todos os
arredores, mesmo sabendo que aquelas redondezas estão infestadas de
cangaceiros.
Na fazenda do
ajuntamento os vaqueiros aboiam e bebem. A chuva não para e cai com vontade.
Grossas bátegas se esparramam pelo barro vermelho daquelas serras. Os grotões e
riachos estão empanzinados e roncando. O sertão mais parece um paraíso.
Antônio Canela
se demora. Gosta da farra e da cachaça. A chuva é forte e demorada. O melhor é
esperar e beber.
A chuva
diminuiu e foi embora. João Cirilo abre uma das janelas. Surpreso exclama:
- Ói Cuma vem genti ali, e só podi ser cangaceiro.
A malhada está
coalhada de cangaceiro. O grupo é chefiado por Mané Moreno. Todos estão com as
roupas encharcadas. Chegam ao telheiro. Os presentes são saudados com um aperto
de mão. Quando chega a vez do rapaz de Alagoas, Mané Moreno é que pega na sua
mão e para espanto de todos diz:
O cangaceiro Mané Moreno
- Você tá
preso!
A afronta a
Lampião iria ser vingada.
Angelino e
João Cirilo tentam pedir pelo condenado. A sentença já estava consumada.
Mané Moreno encerra
a conversa dizendo:
- Não adianta
pidido ninhum pra este cabra Ele vai morrer pruque merece.
Canela era um
homem destemido. Mesmo não desconhecendo o seu fim tem forças para perguntar:
- E o qui foi
qui eu fiz?
Pancada é quem
responde:
- Se esqueceu
qui andava armado pra atirá im Lampião?
- Foi mesmo.
Só tivi pena porque ele num apareceu.
Alecrim cabra
perverso, arranca um canivete e com desmedida fúria enfia a arma várias vezes
no corpo do prisioneiro. Um outro bandido – Cravo Roxo - não deixa por menos, com o coice de seu
mosquetão bate com furor desmedido no rosto de Canela. A cabroeira está
irritada com a ousadia do rapaz.
Os cangaceiros Áurea, (errado Gorgulho) é Cravo Roxo e Mané Moreno
O cangaceiro
era a personificação da desgraça e da morte. A fazendinha e os vaqueiros agora
estavam envoltos num manto de tristeza e dor. Acabara-se a festa e a alegria.
Agora tudo havia se transformado em horror e agonia. O povo sertanejo não pode
ser feliz enquanto aqueles malsinados bandoleiros dominarem o seu sertão.
Impossível se ter paz e sossego naquele mundo dominado pelo cangaceiro e pelas
volantes.
Antônio Canela
estava sendo supliciado. Amarram-no na garupa do animal e alecrim e viajam.
Canela pergunta a Áurea, companheira de Mané Moreno e filha de Antonio Nicácio,
se os cangaceiros vão mata-lo. A bandida acena com a cabeça que sim.
Desesperado, ao receber a confirmação de seu fim, o rapaz, num ato extremado,
tenta escapulir. Consegue pular do animal e corre loucamente serra abaixo. É
perseguido pelo bando e rapidamente alcançado.
Mané Moreno está
possesso. Obriga o infeliz abria a boca e comprovando o monstro que era puxa
sua arma e atira. Canela teve tempo apenas de virar sua cabeça para um lado e, então,
em vez de atirar na boca, atirou no ouvido do moço.
Canela não
caiu e recebe o segundo tiro. Este no rosto. Desaba por cima das macambiras. É
ainda sangrado por Pancada. Acontece,
então, a grande prova do negrume daqueles seres que não eram humanos e sim
verdadeiros monstros. O cangaceiro Cravo Roxo se acerca da cor inerte de
Canela, fica ao seu lado acocorado e como se fosse um monstro, e mostro ele era
– bebe o sangue que borbulha da veia do pescoço do infeliz que está estirado no
chão duro daquelas serras.
Do telheiro da
fazenda, Juvêncio, seu Alves João Cirilo, Angelino Libéu e Chiquinho de Aninha
abobalhados, observam a triste e aterradora cena. Lá embaixo, na serra, mais um
sertanejo acaba de ser ceifado deste mundo por força do flagelo que há tantos
anos vem assolando aquela região antes tão pacata e feliz.
Desolados e
temerosos os vaqueiros soltam o gado e retornam para Curralinho.
Fonte: “livro
Lampião Além da Versão Mentiras e Mistérios de Angico”
Autor: Alcino
Alves Costa
Páginas: 195,
196 e 197.
Edição 2ª.
Edição
Ano: 2011
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