Por Ignácio
Tavares*
No começo dos
anos sessenta o transporte intermunicipal mais barato era o trem. Por isso, a
estudantada menos abastada, que não podia viajar confortavelmente na viação
Gaivota, se quisesse ir a terrinha, tinha que tomar o velho e saudoso trem Asa
Branca, que fazia o trajeto Recife/Fortaleza. O transporte era lento, até
demais, mas, o preço do bilhete cabia perfeitamente em nosso bolso.
A viagem era
pura diversão. Havia três classes de passageiros: a primeira, segunda e
terceira. A gente comprava passagem de terceira, mas, viajava como se fosse
passageiro de primeira classe. Deixávamos a bagagem no vagão de terceira e
ficávamos a passear pelos diversos vagões e nos fixávamos no de primeira classe, onde
costumavam viajar as mocinhas que retornavam para suas cidades pelas mesmas
razões: a gozo de férias.
Era por aí que
começava a nossa festa. Éramos estudantes de Patos, Pombal, Sousa, Cajazeiras,
entre outros municípios da região. Tomávamos o trem, na estação do Varadouro,
aqui em João Pessoa, por volta das cinco e meia da manhã. Às sete horas,
chegávamos a Itabaiana, onde passávamos para o Asa Branca que vinha de Recife.
Era a chamada baldeação.
A cada parada
a gente descia a fim de comprar alguma coisa para comer, às vezes tomar uma
cachacinha, quando havia por perto. A viagem era longa e duradoura. Pois,
havíamos de chegar a Pombal por volta de nove horas da noite.
Ao chegar à
terrinha, pela janela, avistava Chiquinho de Bem-Bem que estava a me esperar a
fim de levar a minha mala e anunciar a minha mãe que em breve chegaria em casa,
o que não acontecia porque conforme combinávamos - no decorrer da viagem –
devíamos nos encontrar no bar de Zé Preto, onde ficávamos a bebericar e jogar
conversa fora até altas horas.
Isso mesmo,
nós mesmos tínhamos que anunciar a nossa chegada. A serenata era o modo através
da qual avisávamos as namoradinhas que estávamos na terrinha. Cantávamos as
mais novas canções para mulher amada a fim de atiça-la o coração. Ah, como era
bom! No outro dia era só o que se falava: os seresteiros estão de volta.
O tempo que
passávamos na terrinha era aproveitado minuto a minuto. Não havia espaço de
tempo perdido. À tarde íamos aos treinos do São Cristóvão, bastante concorrido
quando a estudantada chegava de férias. O Maracatu e os titulares recebiam
novos reforços o que tornava os treinos mais disputados.
Às vezes,
quando o treino estava zero a zero, o arbitro esticava um pouco mais, na busca
de um único gol para encerrar a peleja. Como não havia refletores, quase sempre
tínhamos que encerrar a partida que continuaria no dia seguinte.
À noite, no
decorrer da semana, recorríamos às festinhas localizadas. Refiro-me aos
assustados onde os jovens se encontravam para uma noite dançante. Nessas
ocasiões, novos namoros começavam, outros terminavam. Mas, quando a relação era
firme, tudo terminada em paz.
Nas sextas,
sábados e domingos, o ponto de encontro era no bar Centenário. Este era o ponto
mais procurado pela juventude daquela época. Ao redor do coreto era como se
fosse uma passarela por onde as mocinhas da cidade exibiam a malemolência do viço
jovial, com seus dotes de exótica beleza, marcada pelos traços e silhuetas
típicas da mulher sertaneja.
O tempo corria
rápido. Quando menos se esperava o dia do retorno havia chegado. Novamente, o
velho trem nos levava de volta a João Pessoa. Casais de namorados conversavam
animadamente, de mãos dadas, trocavam juras e mais juras de amor. Parecia até
que os namorados estavam a partir para um campo de batalha em lugares
distantes. Olhos marejavam, lenços acenavam em meio a choros e solicitações:
logo que chegar lá me escreva! Está bem, aguarde!
Quando o Asa
Branca, que vinha do Ceará, aproximava-se da estação, um apito frenético
anunciava a sua chegada. Em poucos minutos, estávamos a deixar, mais uma vez, a
terrinha querida. O velho trem ao partir, fazia aquela chiadeira entrecortada,
que nos remetia à lembrança dos versos do poeta Ascenso Ferreira: Vou-me embora
pra Catende! Vou-me embora pra Catende! Vou-me embora pra Catende! Em marcha
lenta partia deixando pra trás um monte de saudades. As ruas das mediações
pareciam caminhar no sentido contrário ao trem, até os limites da Brasil
Oiticica. Daí por diante, era somente saudades e nada mais.
Para amenizar
o choque da partida nos restava cantar um musiquinha bastante conhecida: Ela me
beijou demoradamente/De mim se afastou alegre e contente/Até breve coração,
juizinho ouviu/Eu fiquei na estação até que o trem partiu/Vai em paz meu grande
amor/Vá em paz e volte breve/Se você sentir saudade/Pega o lápis e escreve. Em
seguida alguém gritava: ah que saudades da minha Amélia! Risos! Confirmações!
Contestações da plateia feminina...
O Trem Asa
Branca, com seu apito nervoso, já acusava a aproximação da próxima estação. O
fiscal ao passar por nós anunciava: atenção senhores passageiros! Quem for de
terceira, tome o vagão de terceira, quem for de segunda tome o vagão de
segunda, quem for primeira fique onde está. Risos! O Fiscal nos encarava com o
olhar de reprovação, porém, sem nenhuma reação e prosseguia a sua caminhada de
vagão em vagão a repetir as mesmas palavras de ordem.
Enfim, nada
mudava, e assim a gente prosseguia a caminhada até João Pessoa, onde o dever
nos esperava. Mas, nos momentos de reflexões, remoia na cabeça o “vai em paz
meu grande amor/vai em paz e volte em breve”. Últimas palavras da namoradinha que
ficou repleta de saudades a nos esperar nas próximas férias. Ah que saudades
que sinto! Daria tudo para que a máquina do tempo nos remetesse àquela fase
esplendorosa da nossa vida. Infelizmente, a verdade verdadeira, é que, somos
prisioneiros do tempo, posto que, mudamos no tempo, mas ainda não somos capazes
de mudar o tempo. Esta é uma triste realidade!
*Economista e
Escritor pombalense
FONTE: http://clemildo-brunet.blogspot.com.br/2017/04/no-tempo-do-asa-branca.html#more
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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