Por Sálvio
Siqueira
Naquele tempo,
segunda metade do século XIX e início do século XX, além dos sertanejos terem
de enfrentarem terríveis e prolongadas secas, vão que surgem, em demasia,
bandos de cangaceiros ‘azucrinando’, as já tão aperreadas, vidas no Vale do
Pajeú das Flores, micro região no interior do Estado pernambucano.
Tentaremos
levar uma imagem da seca que assolava o sertão nos idos tempos do cangaço. No
entendo, ainda hoje o sertão é vítima desse fenômeno climático, devido,
principalmente, à falta de compreensão dos seus habitantes e a falta de ação do
Estado. A maneira que os sertanejos aprenderam a lidarem com a mata, caatinga,
já de muito tempo a trás, ficou comprovado que foi errada. O manejar da flora é
indevido e gerador de uma devastação enorme, aguçando mais ainda a falta do
precioso líquido da vida. Mas, jamais tiveram uma ação dos governantes no
sentido de lhes orientarem.
Na segunda metade do século XIX, por volta de 1877, a nossa região foi
acometida por uma enorme estiagem. A coisa foi muito prolongada, e as pessoas,
perambulando pelas estradas solitárias do sertão parecendo zumbis ambulantes,
indo e vindo de um Estado para outro, caiam pelo caminho, mortas.
Principalmente as crianças que mais necessitam de alimento proteico.
“(...)
Milhares de pessoas abandonaram suas terras; inúmeros famintos tombavam nas
estradas e caatinga; longas filas de retirantes vindos principalmente do Ceará
disputavam acirradamente os escassos suprimentos de água. Ainda hoje, à margem
das velhas estradas sertanejas, há montículos de pedras, vestígios de antigas
sepulturas rudimentares atribuídas pela tradição oral a crianças vitimadas
daquele flagelo (...).” (“O Canto do Acauã” – FERRAZ, Marilourdes. 4ª Edição.
Revista e Atualizada)
Os
cangaceiros, além das armas normais, facas, punhais, facões, rifles, revólver,
bacamartes e outras, dispunham de uma infalível: o medo. Uma população temerosa
torna-se muito fácil tê-la como ‘aliada’ e subserviente. Para que o medo
chegasse antes deles, nas simples casas de taipa, choupanas ou nas casas sedes
das fazendas, nas vilas, povoados ou mesmo nas pequenas cidades, ao praticarem
determinada ação contra alguém, ou em alguém, era empregada ações e atos com
grandes tormentos e torturas. Às vezes, um assassinato apenas, pelo jeito, modo
que fora feito, fora cometido, em determinada época, a sua circunvizinhança
ficaria sabendo, muito além do que realmente ocorrera, o que não era pouco,
pela propagação do boca- a- boca. Isso era usado pelos cangaceiros para que
quando mandassem bilhetes ou recados extorquindo, pedindo dinheiro ou outra
coisa como comida e/ou animais, a comida, os animais e a quantia, ou próximo a
essa, vinha rapidinho.
Quem iria arriscar a vida, e a de seus familiares, correndo o risco de morrer
igualmente a família de determinado vizinho que se negara a enviar o que lhe
foi ‘pedido’? Quase que ninguém. Porém, havia nas vastas e semiáridas terras da
caatinga nordestina, homens feitos da rocha, forjados como o aço, aqueles que
tinham extrema coragem, tinham ‘sangue no olho’, e preferiam morrer a serem
submetidos a bandoleiros.
O Cangaço já há muito tempo que fazia parte das vidas de inúmeros nordestinos
em distintos Estados da região, quando, no início da parte final do Fenômeno
Social, no final da década de 1910 para início da década de 1920, no município
de Vila Bela, hoje serra Talhada, PE, no sítio Passagem das Pedras, surgiu
aquele que seria o maior de todos. O mais temido daqueles que se fizeram chefes
de bandos, Virgolino, terceiro filho de José Ferreira, o “Lampeão”.
O Sr. João
Flor que fora, João de Souza Nogueira, nascido na fazenda Campo da Ema, futuro
pai de uma futura prole de valentes que não descansaram na luta contra o
banditismo rural enquanto durou o cangaço no Nordeste.
A denominação “Flor”, ou “Os Flor”, descende de Florência Felismina de Sá,
esposa de Manoel de Souza Ferraz. O Sr. Manoel de Souza Ferraz, certa feita
fora acometido por uma doença mental. A partir daí, sua esposa, dona Florência,
ou seja: “Dona Flor”, alcunha por todos conhecida, assume a liderança da família.
Na continuidade, quem dela, família, pertencesse, era denominado, um sobrenome
‘criado’, por ‘Flor’. Exemplo disso temos João de Souza Nogueira, ‘João Flor’,
e depois seus filhos, “Manoel Flor”, “Euclides Flor”, “Odilon Flor”,
“Ildelfonso Flor”. “Américo Flor” e assim sucessivamente, que, na verdade são:
Manoel de Souza Ferraz, Euclides de Souza Ferraz, Odilon Nogueira de Souza,
Ildefonso de Souza Ferraz, Américo Nogueira de Souza, respectivamente.
São vários os
filhos de João Flor que partiram de suas casas, deixando o aconchego do lar, o
carinho da esposa, do pai, da mãe e a alegria dos filhos para se embrenharem
dentro da caatinga a fim de darem combate aos bandos de cangaceiros que
infestavam a região do sertão nordestino, em particular o bando comandado por
Virgolino, alcunhado de “Lampeão”.
Foram muitos os feitos e contrafeitos executados pela família “Flor” no combate
ao banditismo. Focaremos nosso texto em um deles, Manoel de Souza Ferraz, o
comandante Manoel Flor.
João Flor, pai
de Manoel Flor, foi um dos florestinos que ajudaram na fundação do vilarejo,
hoje Distrito, de Nazaré, no município de Floresta, PE. A povoação fora fundada
para encurtar caminho para as pessoas daquela região se abastecerem de várias
mercadorias como sal, tecidos, selas e arreios de couro, querosene e etc., e ao
mesmo tempo, escoarem seus produtos produzidos na lavoura ou em seus ‘ateliês’
particulares. A distância entre Floresta e Vila Bela, ambas em Pernambuco, era
grande e naquela ocasião tinha-se que fazê-la a pé ou no lombo de burros, além
de estar infestada de bandoleiros. A Vila de São Francisco, reduto dos
‘Pereira’, ficava naquela região, no entanto, não sendo nada perto, nem fácil,
para se acessar. A fundação do povoado é bem aceita por todos: moradores próximos,
mais distantes e pelos almocreves que traziam suas mercadorias para revenderes
e/ou sob encomenda. Determinaram um dia da semana, que não interferisse nas
feiras livres de Vila Bela e Floresta, para que se fizesse seu comércio.
Nessa dita
Vila, nesse dito Povoado, segundo historiadores, teve início às desavenças com
os filhos de José Ferreira, Antônio, Livino e Virgolino, e sua população. João
Flor, em uma das festas juninas torna-se ‘padrinho’ de Virgolino. Porém, pouco
tempo depois, o afilhado tenta desonrar o padrinho em uma das tantas ‘bagunças’
que fizeram naquele reduto. O Patriarca da família Flor ainda lembra ao
afilhado que é seu padrinho, e por isso merecia respeito, no entanto, o
afilhado responde com desaforos e sem respeito. Em nossas pesquisas não notamos
outra ‘partida’ para o desentendimento daqueles homens. Virgolino e seus irmãos
já estavam atolados até o pescoço com problemas com outras pessoas e, naquela
ocasião, fizeram mais inimigos. Acreditamos que a falta de respeito com o pai,
aflorou nos filhos o desejo de ensinar boas maneiras aos ‘Ferreira’. Por outro
lado, os ‘Ferreira’ não baixaram suas cabeças para nenhuma imposição feita,
seja ela dita, ou determinada, por quem quer que fosse. Havia um entrelaçamento
entre as famílias dos ‘Flor’ com a de Zé Saturnino, devido seu casamento com
uma descendente da família Nogueira, e esse fato, também, deve ter contribuído
para a “falta de respeito” dos ‘Ferreira’.
Dentre os
filhos de João de Souza Nogueira e dona Angélica Teodora de Souza , João Flor e
sua esposa, existiu o segundo filho, o saudoso Manoel de Souza Ferraz, mais
conhecido pela alcunha de “Manoel Flor”, nascido aos 20 dias de fevereiro do
ano de1901, em uma gleba denominada ‘Sítio Catarina’, terra pertencente aos
limites da fazenda Ema, no município de Floresta, PE, próximo a linha limítrofe
com o município de Vila Bela, hoje Serra Talhada, PE.
Vejam como são as coisas: a primeira escola, “do professor Domingos Soriano
Lopes Ferraz”, que o jovem Manoel Flor e seus irmãos frequentaram, Virgolino e
seus irmãos, também frequentava. O futuro das pessoas foi, é e sempre será
obscuro.
Pois bem, o
tempo passou e as crianças tornaram-se adolescentes. Depois da fundação do
povoado de Nazaré, com as frequentes ‘visitas’ dos irmãos ‘Ferreira’, atritos
começam a ocorrer quase que em cada uma delas. Até que, certa vez, Livino
Ferreira é baleado e levado preso para a Cadeia Pública de Floresta, PE, sede
do município. Após um acordo com o chefe político local, Antônio Boiadeiro, o
mesmo é solto, porém, na condição da família Ferreira mudar-se, do sítio Poço
do Negro de onde moravam, para o Alagoas. Isso ocorreu por volta da segunda
metade do ano de 1919.
“(...)Virgulino
tinha votado naquele ano em Manoel Rufino de Souza Ferraz e em Ildefonso Ferraz,
respectivamente candidatos a prefeito e subprefeito de Floresta. Os Ferreira
procuraram então Antônio Boiadeiro, chefe político da família Ferraz, e com ele
firmaram um acordo. Livino foi solto e os Ferreira mudaram-se, no segundo
semestre de 1919, para Alagoas(...).” (lampiãoaceso.com)
Depois de se
estabelecerem, mais ou menos, no Estado alagoano, tendo passado entre três e
quatro anos da sua partida, Virgolino, Antônio e Livino, já com um bando de
cangaceiros, começam a virem para o interior do Leão do Norte a fim de irem à
desforra com os filhos de João Flor. As coisas começam a ficar perigosas demais
para a filharada do casal ‘Flor’, ou mesmo para aquele que dela, família,
fizesse parte. Tanto que em julho de 1923 Manoel Flor e seu primo Luís Soriano
procuram o mesmo chefe político, Antônio Boiadeiro, e solicitam-lhe uma
guarnição policial para proteger o povoado de Nazaré. Os tempos estavam
apertados e o banditismo no interior dos Estados da região havia aumentado
muito, com isso, a Força Pública de Pernambuco, particularmente, o Batalhão de
Floresta não dispunha de contingente para enviar, se quer, um Praça para
guarnecer a população nazarena.
Inevitavelmente
os homens das famílias que fundaram a povoação de Nazaré passaram a darem
combate, voluntariamente, aos cangaceiros comandados por Virgolino Ferreira.
Após varias lutas, perseguições e vidas ceifadas naquela região, João Flor e Gomes
Jurubeba, outro fundador e protetor do povoado, resolvem que a população
masculina deva alistar-se na Força Pública. Assim ocorre. Manoel de Souza
Ferraz, o Manoel Flor, inicia sua vida militar em 26 de fevereiro de 1925 como
Praça da PMPE, recebendo fardamento, armas e munição e, daí por diante, não
mais deteve-se na luta travada contra o banditismo rural até que teve fim o
Fenômeno Social Cangaço, definitivamente, na primeira metade de 1940.
Assim como
Virgolino Ferreira destaca-se no uso de táticas de guerrilhas, Manoel Flor
destaca-se no combate a elas tanto que logo o provem a líder do pelotão de
vanguarda da volante em que vazia parte. As promoções são sucessivas e logo
passa a comandar uma volante. Recebe as divisas de cabo, depois de 3º sargento,
onde, temporariamente passa a ser comandante Geral das Forças Volante. Adiante
é promovido a 2º tenente comissionado, depois para efetivo, e assim vão se
sucedendo as promoções por méritos.
Em sua vida
militar, serviços prestados contra o banditismo rural não só em seu estado
natal, mas naqueles em que fora necessário os seus serviços, desses,
exemplificamos suas batalhas, confrontos e luta contra o conterrâneo Virgolino
Ferreira, já como Lampião, o “Rei do Cangaço”, citaremos alguns embates que
foram registrados, através dos anos, nos anais da história: “Dois combates no
Enforcado, nas Baixas, em Xiquexique, aqui ele perde seu irmão caçula,
Ildefonso, na Caatinga da Pedra Ferrada e Abóboras, no município de Vila Bela;
na região em volta do Distrito de Nazaré, nas Caraíba, na Serra Umã, local de
difícil acesso e reduto de bandoleiros, em território florestano; em Pelo Sinal
e em outros quatro locais, ele de combates aos cangaceiros em terras
paraibanas, no município de Princesa Isabel; na Cachoeira do Galdino, município
da cidade de Custódia, PE, seu grito se fez ouvir no comando e o ronco do seu
mosquetão retumbou no meio da caatinga; no município de Flores, PE, nas terras
da Fazenda Açude de dona Rosa seu grito de guerra seu ecoado; no Poço do Cosmo
em Bom Conselho, na Serra do Ermitão em Garanhuns; Gangorra (1928), Serra da
Cana Brava, Olho d`Água do Chico e Raso da Catarina (1932), todos no município
baiano de Glória; Pouso Alegre, em Campo Formoso, também na Bahia.” Participou,
também, do combate de Pau de Colher. Esses são alguns dos lugares onde se ouviu
seu grito de guerra e o som do disparo de seu fuzil.
“(...) Em
1938, foi designado para comandar um contingente policial que combateria os
fanáticos de Pau de Colher, nos sertões de Casa Nova, Bahia (v. Marilourdes
Ferraz, ob. cit.). Por sua atuação firme, foi elogiado pelos habitantes dos
lugarejos ameaçados de invasão pelos fanáticos do beato Lourenço, que tinham
vindo do sítio Caldeirão, interior do Ceará. “Num raio de aproximadamente
trinta quilômetros do reduto, os proprietários, ricos ou pobres, haviam
abandonado suas terras, sob pena de, não tendo aderido ao movimento místico,
serem considerados anti-cristãos e ameaçados de morte na fogueira, como
efetivamente ocorreu com alguns infelizes”.
Na peleja
contra os fanáticos, Manoel Flor via seus companheiros travarem lutas corporais
com homens enfurecidos, parecendo, segundo dizia, “verdadeiros cães hidrófobos
a fustigar sem quartel os policiais que combatiam desesperadamente e nunca
tinham sequer imaginado um combate naquelas proporções”. Terminada a luta em
Pau de Colher, “recebeu encômios das autoridades locais e do jornal O Farol, de
Petrolina”. (blog Ct.)
Após a morte
de Lampião, em julho de 1938, o comandante Manoel Flor, já na segunda metade de
1939, fora designado Comandante Geral das Forças de Combate ao Banditismo. Além
de ter esse cargo de muita responsabilidade, também era Delegado da cidade de
águas Belas, PE. No primeiro semestre de 1940, após a morte do chefe cangaceiro
Corisco, em território baiano, o governo dá ordens para que o Comandante Geral
passe a recolher todo o material bélico que havia sido entregue aos volantes e
fazendeiros.
Em agosto de 1940, o comandante Manoel de Souza Ferraz, vai a capital
pernambucana e, apresentando-se no QG da PMPE, faz seu relatório completo,
quando a FCCB é extinta ou exonerada. A jornalista, pesquisadora e escritora
Marilourdes Ferraz, nossa amiga e filha de Manoel Flor, nos relata “... não
havia mais cangaceiros no Estado e se sentia honrado pela incumbência de
extinguir definitivamente as FCCB, encerrando uma luta de mais de duas
décadas”.
Após esses
fatos, Manoel Flor segue sua carreira militar, sendo Delegado de várias cidades
e comandantes dos 1º, 2º e 3º Batalhões da PMPE, além de comandar o Esquadrão
de Cavalaria Dias Cardoso na cidade do Recife. Após toda essa vida dedicada à
luta contra o banditismo, é reformado e segue outra trilha, passando a ser
político nos rincões onde nascera.
Fonte “O Canto
do Acauã” – FERRAZ, Marilourdes. 4ª Edição.
Lampiãoaceso.com
Cangaceiroscariri.com
Lampiãoaceso.com
Cangaceiroscariri.com
Foto “O Canto
do Acauã” – FERRAZ, Marilourdes. 4ª Edição.
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