Por Sálvio
Siqueira
Por volta de
1886, na povoação de Santa Cruz, na serra da Baixa Verde, hoje Santa Cruz da
Baixa Verde, nos limites dos Estados de Pernambuco e Paraíba, nasce mais um
menino da família Furtado. Como toda criança da época, Clementino José Furtado,
tem sua infância e adolescência. Desde cedo começou a ser respeitado por seu
porte físico e sua valentia. Passou a apaziguar determinadas desavenças entre
as pessoas da região e logo depois dos trinta de idade é convidado para ser
subdelegado na povoação. Sérgio Dantas refere que: “A indicação para o cargo
fora baseada, principalmente, na sua valentia e na sua reconhecida habilidade
no manuseio de armas de fogo.” O jovem não pensa muito e aceito o cargo.
Certo dia, em
busca de dois animais que o dono havia denunciado seu roubo, Clementino se
depara com dois homens os quais estão de posse desses animais. Os caras, ao
notarem de quem se tratava, saltam dos animais, retiram os cabrestos, estavam
em pelo, e os espantam. Pedro Nunes Filho assim discerniu o fato: “Quando perceberam
a presença da autoridade, rápido desceram dos animais, retiram-lhe os cabrestos
e os espantaram. Tudo isso com o intuito de despistarem o furto que estavam
fazendo”.
Dando voz de
prisão aos dois que, em vez de atenderem, sacam suas armas e atiram contra a
autoridade, a qual, imediatamente, responde a agressão com sua arma. Tiros
certeiros, ladrões caídos e seus corpos sem vidas é o resultado.
A lógica do
fato nos mostra que Quelé, além de estar no cumprimento do dever, atirou em
defesa própria. Porém, para quem mandava na justiça, na época, naquela região,
a coisa tomou um rumo diferente.
Aprígio Higino
D’Assunção, liderança política na cidade de Triunfo, PE, viu aí a oportunidade
de trazer para seu ‘lado político’ os votos da família Furtado, pois era
sabedor que seguiam, desde muito atrás, seus adversários. Aprígio deixa Triunfo
e vai até a povoação de Santa Cruz ter uma conversa particular com Clementino
Quelé. Nessa conversa impõe a adesão de todos os familiares do subdelegado.
Clementino ainda garante trinta votos, porém, o ‘coronel’ estava irredutível e
só aceitaria todos. D’Assunção havia prometido a Quelé sete votos a favor dele
no júri popular. No entanto, Clementino não aceita a imposição do chefe
político e este, por sua vez, ao retornar para Triunfo, PE, ordena que se
prossiga com o inquérito policial contra Quelé que o mesmo havia dado ordens
para ser suspenso. A autoridade encarregada do inquérito adulterou a verdade
dos fatos e concluiu em indiciá-lo por duplo homicídio. “Em 1 de setembro de
1922 a polícia de Triunfo recebe uma ordem judicial para prendê-lo”.
Clementino
estava na povoação de Santa Cruz na bodega de Sebastião Pedreiro tomando umas
cachaças com seu amigo Cícero Fonseca. A Força enviada chega, cerca a bodega e
dar voz de prisão a ele. Ele, sabedor de como as coisas eram feitas naquele
tempo, não acata a ordem e manobra seu rifle. Seu companheiro também estava
portando uma arma igual e faz o que ele fez. Os ânimos se acirram e o mundo se
fecha. Um tiroteio intenso tem início e Clementino perde seu aliado de fogo.
Cícero Fonseca é atingindo mortalmente. Quelé se ver cercado por vários
soldados a fim de mata-lo. Não vendo saída, começa a gritar pedindo socorro ao
pessoal da povoação que logo vem em seu socorro chefiados pelo irmão de Cícero,
José Fonseca.
Virgolino
Ferreira, o cangaceiro Lampião, já sendo chefe do bando de cangaceiros herdado
de Sinhô Pereira, sabe do que aconteceu com o ex subdelegado Clementino José
Furtado e manda-lhe um convite para que faça parte do bando. Quelé ainda reluta
por alguns dias, porém, a manobra feita a mando do chefe político de Triunfo,
PE, é bem feita e a coisa só tende a piorar para seu lado levando-o a aceitar o
‘convite’. “Quelé percebe que não sairá daquela enrascada. Após muito pensar, decide
aceitar um convite feito por Lampião alguns dias antes. Ingressaria em sua
quadrilha. Levaria consigo os irmãos Pedro, Quintino e Antônio Furtado”. (SD.
2018)
“Em poucas
semanas, Quelé se transformaria em aplicado cangaceiro. Durante os vários meses
em que esteve com o grupo – entre os anos de 1922 e 1923 -, soube granjear a
confiança do líder. Lutou com desassombro nas refregas. Conta-se que logo
chegaria a comandar um subgrupo praticamente independente do principal.” (SD.
Pg 39. 2018).
E assim, com a
verdade destorcida e a razão desviada um homem de bem, valente e destemido foi
obrigado a entrar nas fileiras da sangrenta saga cangaceira. No entanto, sua
permanência não é longa. Atritos foram gerados dentro do próprio grupo com
outro cangaceiro de renome, o alagoano Meia Noite, e Quelé é obrigado a
retirar-se se tornando um dos mais ferrenhos perseguidores do bando chefiado
pelo “Rei dos Cangaceiros” já fazendo parte da Briosa paraibana. Porém, isso é
outra história que contaremos em outra oportunidade.
Fonte/foto
“Lampião na Paraíba – Notas para a História” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza.
1ª edição. 2018.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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