Por Manoel Belarmino
No Salgadinho, nas proximidades das bordas do Raso da Catarina, no então Município de Santo Antônio da Glória, hoje Paulo Afonso (BA), nasceu a mocinha, que mais tarde se tornaria cangaceira, de nome Lídia Pereira de Souza. Seus pais eram Maria Rosa e Luiz Pereira de Souza. A cabocla da mais bela tez morena que as caatingas já forjou, Lídia crescia como uma fulô naqueles sertões dos rasos. Todos os sobreviventes do Cangaço que conheceram Lídia afirmavam que a cangaceira era linda demais. Era a mais bela das mulheres que já tiveram no Cangaço. Talvez foi chamada em algum momento, ou merecia o apelido de “Lidia, a bonita”.
Eis que o destino marcava a vida daquela sertanejinha, arrastando-a para a mais cruel vida amorosa e sangrenta que o Cangaço já produziu. O feminicídio como acordo de grupo dos bandoleiros das caatingas.
No ano de 1931, o cangaceiro Zé Baiano, um dos mais temíveis chefes de subgrupos do bando de Lampião, ficou doente e teve que ficar acoitado no povoado Salgadinho, exatamente na casa do casal dona Maria Rosa e Luiz Pereira. Um tumor no pescoço do cangaceiro provocava dores fortes, impedindo o cangaceiro de seguir o grupo de Lampião. Dona Maria Rosa cuidou de Zé Baiano com rezas e plantas medicinais até o seu restabelecimento.
Lídia já era uma mocinha. Linda de doer. No alto dos seus 15 anos. Logo Lídia foi sendo seduzida pelo mais terrível dos cangaceiros de Lampião. Aquele que pegou a fama de ferrador de mulheres, e o mais feioso dos cangaceiros. O mais esperto no manejar do dinheiro e do ouro; era agiota, chegando a emprestar volumes altos de dinheiro a “gente grande” em Sergipe. Lídia não resistiu e, por livre e espontânea vontade, resolveu seguir o Zé na vida bandoleira. Conta-se que, depois, Lídia se arrependeu e queria sair do cangaço, mas já era tarde demais. Não tinha mais jeito.
Mesmo sendo “bem cuidada” por Zé Baiano, que era louco de paixão e amor por Lídia, Lídia não podia mais corresponder os carinhos e amores recebidos do seu companheiro. E Lídia via triste e desconsolada. Arrependida daquela decisão ingênua e equivocada, mas não era mais possível desistir.
Não demora muito, e Lídia reencontra um jovem cangaceiro chamado Ademórcio, que, nos tempos de meninos, brincavam juntos nas malhadas das casas do Salgadinho. Ademórcio no Cangaço era o Bem-te-vi (nome de um passarinho cantador das caatingas e malhadas das fazendas, costumeiro dos anúncios de novidades). Lídia e bem-te-vi, às escondidas, nas moitas e sombras das quixabeiras, nas longas conversas, envolvem-se num romance proibido. Um caso amoroso, tentador, perigoso, mas de amor ardente. Um amor mais forte que a morte.
O cangaceiro Coqueiro e outros eram loucos por Lídia. Mas quem era doido tentar alguma coisa? Zé Baiano tinha fama de valente e cruel. E ainda, no cangaço, a traição não era admitida; era motivo de morte. E morte cruel.
Certo dia, o cangaceiro Coqueiro, que vivia com os olhos voltados para Lídia, flagrou na sombra de uma moita, no coito, a cangaceira transando com o cangaceiro Ben-te-vi, no maior amor do mundo.
O cangaceiro Coqueiro, aproveitando a ocasião e do fato, tentou usar o flagrante para também ficar com Lídia. Lídia resistiu. Xingou e disse que jamais faria aquilo. E que não adiantaria as ameaças, porque ela ficou com o Bem-te-vi porque o amava. E que, se fosse denunciada, ela confirmaria tudo. Não conseguindo o intento resolveu delatar o caso de traição.
Naquele mês de julho de 1934, nas Pias das Panelas, nas proximidades do Riacho do Cartavo, em Poço Redondo, quando Zé Baiano retornou de uma viagem do Alagadiço que havia feito com Lampião, o cangaceiro Coqueiro resolveu contar tudo, exatamente na hora da janta, no coito, no momento em que todos estavam reunidos. Ao ouvir a delação de Coqueiro, Zé Baiano ficou parado, estarrecido. Olhou para Lampião esperando alguma ordem. Um silêncio tomou conta do coito. Lampião tirou o chapéu... coçou o quengo. Levantou-se do cepo. Não quis mais comer. E continuou calado.
Depois de um tempo em silêncio, Lampião disse que Zé Baiano tomaria as providências sobre Lídia e os cangaceiros resolveriam o caso de Bem-te-vi e Coqueiro. Depois da sentença de Lampião, Zé Baiano mandou que o cangaceiro Demudado amarrasse Lídia num pé de umburana ali mesmo próximo das Pias das Panelas, nas margens do Riacho do Quartavo, no coito. E Lampião ordenou que o cangaceiro Gato matasse o cangaceiro traidor (o Bem-te-vi) e o delator (o Coqueiro).
Gato puxou a mauser e disparou contra o Coqueiro, que já caiu ali estirado, morto. Quando se voltou para disparar contra o cangaceiro Bem-te-vi, viu que esse já havia fugido.
Zé Baiano não conseguiu dormir naquela noite. Deitou-se separado dos outros cangaceiros, calado. Teria que matar a cangaceira mais linda já vista no mundo cangaceiro e a mulher que ele amava. Quando o dia amanheceu, antes de o Sol aparecer, Zé Baiano pegou um cacete de pau d'arco e, com várias pauladas, matou Lídia. E, sem pedir ajuda a ninguém, ele mesmo cavou a cova e enterrou o corpo da cangaceira, ali mesmo embaixo do pé de umburana, nas proximidades das Pias das Panelas, no Riacho do Quartavo.
Se Lídia foi fotografada, as fotos ainda não apareceram nas mãos dos pesquisadores. Mas eu não tenho dúvida da beleza de Lídia.
Abaixo, posto aqui uma foto, feita pelo pesquisador Sandro Lee, da casa onde Lídia morou com os seus pais antes de entrar no Cangaço.
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