MORRE PABLO MILANÉS, CANTOR CUBANO E COMPOSITOR DE 'YOLANDA', AOS 79 ANOS
Por ESTADÃO
CONTEÚDO Redação
Pablo Milanês
O cantor e
compositor cubano Pablo Milanés morreu na manhã desta terça-feira, 22, aos 79
anos. Ele estava internado em um hospital em Madri, na Espanha, desde o último
dia 12, para tratar de uma série de infecções que afetaram seu estado de saúde.
O artista vivia na capital espanhola e, desde 2017, lutava contra um câncer no
sangue.
"É com
grande dor e tristeza que lamentamos informar que o mestre Pablo Milanés
faleceu'', disse a assessoria do cantor, em nota. "Agradecemos
profundamente todas as manifestações de carinho e apoio a todos os familiares e
amigos nestes tempos difíceis. Que ele descanse no amor e na paz que sempre
transmitiu. Ficará para sempre na nossa memória", acrescentou.
Uma das vozes
mais reconhecidas da música de Cuba, Milanés ajudou a fundar a Nueva Trova
Cubana e percorreu o mundo como embaixador cultural da Revolução Cubana. Autor
de clássicos como Yolanda, lançou mais de 30 discos ao longo de sua carreira e
conquistou, entre outros, o Prêmio Nacional da Música de Cuba e o Grammy Latino
de Excelência Musical.
No início de
novembro, o artista foi internado e os shows previstos para Pamplona, Cidade do
México e Santo Domingo precisaram ser suspensos. Na época, a nota da assessoria
explicou que a situação clínica era secundária à doença onco-hematológica que o
afeta a vários anos. Pablo Milanés também teve que cancelar um show em
setembro.
A saúde do
artista piorou com o passar do tempo e passou por uma série de cirurgias. Ele
chegou a ser visto andando com dificuldade e fazendo seus shows sentado com o
auxílio de uma bengala. Uma de suas últimas apresentações ao vivo foi em junho
passado em Havana.
Em janeiro,
Milanés enfrentou a perda de sua filha Suylen Milanés, de 50 anos, vítima de um
derrame. Agora, ele deixa seus filhos, Lynn e Lyan, Haydée e Antonio.
Carreira
Milanés foi um
dos músicos cubanos mais conhecidos internacionalmente. Gravou trinta discos e
teve sucessos como Yolanda (gravada também por, entre outros, Chico Buarque),
Yo me quedo e Amo esta isla em suas mais de seis décadas de carreira. Em 2015,
recebeu o Prêmio de Excelência Musical da Academia Latina da Gravação. Já havia
recebido o Grammy Latino de melhor álbum de cantor e compositor por Como un
campo de maíz e de melhor álbum tropical tradicional por AM/PM Líneas
Paralelas, álbum que lançou com o porto-riquenho Andy Montañez, ambos em 2006.
Com sua voz
privilegiada, harmônica e inconfundível, o artista alcançou o coração de
milhões de pessoas de várias gerações. Ele nasceu em 24 de fevereiro de 1943,
na cidade oriental de Bayamo. Era o caçula de cinco irmãos de pais da classe
trabalhadora.
Começou sua
carreira musical cantando em concursos de rádio e televisão locais, nos quais
ganhou várias vezes. Sua família se mudou para a capital e, por um tempo, ele
estudou no Conservatório de Havana durante a década de 1950, mas disse que
"mais do que sua formação acadêmica, sua inspiração veio de músicos de
bairro e tendências nos Estados Unidos e outros países''.
Na década de
1960, esteve em vários grupos, entre eles o Quarteto del Rey, onde compôs sua
primeira música em 1963, Você, minha decepção, que falava sobre deixar para
trás o amor perdido. "Seus beijos não importam para mim porque eu tenho um
novo amor, que eu garanto minha vida que vou dar a ele'', menciona parte da
letra. Em 1970, ele escreveu a canção de amor Yolanda, que se tornou uma das
mais ouvidas nos países da América Latina.
Em 1973,
gravou Versos sencillos, que eram os poemas do cubano José Martí, um herói da
independência, transformados em canções. Outra de suas composições tornou-se
uma espécie de apelo à união da esquerda política da América Latina, Canção
para a unidade latino-americana. Em 2006, quando Fidel Castro deixou a
presidência devido a uma doença grave, Milanés juntou-se a outros importantes
artistas e intelectuais para expressar seu apoio ao governo.
Ele prometeu
representar Castro e Cuba "como este momento merece: com unidade e coragem
diante de qualquer ameaça ou provocação". No entanto, ele teria defendido
publicamente uma maior abertura política na ilha. Em 2010, apoiou um dissidente
que fez greve de fome para exigir a libertação de presos políticos.
Quando a ilha
promulgou mudanças econômicas para permitir mais atividades de livre mercado,
ele pressionou o presidente Raúl Castro a ir mais longe. "Essas liberdades
foram vistas em pequenas doses e esperamos que elas se expandam com o
tempo", disse Milanés à Associated Press, sem dar mais detalhes.
Milanés ganhou
inúmeros prêmios cubanos, como a medalha Alejo Carpentier, em 1982, e o Prêmio
Nacional de Música, em 2005; além da medalha Haydée Santamaría, em 2007, da
Casa de las Américas por suas contribuições à cultura latino-americana.
(Associated Press).
https://A HISTÓRIA DE "YOLANDA (IOLANDA)": Eternamentehistoriaspeloscantos.blogspot.com/2021/09/a-historia-de-yolanda-iolanda.html
Duas que são uma.
Yolanda é a original, enquanto que Iolanda é a versão brasileira. Por trás dessas canções, dois gênios da música latino-americana: Pablo Milanés e Chico Buarque. Vou contar primeiro quem é essa mulher que inspirou versos tão apaixonados e depois explico como que o Chico entrou nessa história.
Produtora de cinema e TV em Cuba, Yolanda Benet era a esposa de Pablo em 1970. Ela acabara de dar à luz Lynn, a primeira filha do casal. Mas o cantor e compositor não pode estar presente ao parto por causa do trabalho. Milanês tinha apresentações agendadas longe de Havana.
Foram apenas alguns dias longe da família. Mas a saudade da esposa e a vontade de estar ao lado dela naquele momento tão especial, inspiraram o poeta. E, quando finalmente retornou, tinha escrito uma das canções mais lindas e românticas do mundo.
Esto no puede ser no más que una canción
quisiera fuera una declaración de amor
Romántica, sin reparar en forma tales
que pongan freno a lo que siento ahora a raudales
Te amo, te amo, eternamente te amo.
Si me faltaras no voy a morirme
si he de morir quiero que sea contigo.
Mi soledad se siente acompañada
por eso a veces sé que necesito
tu mano, tu mano, eternamente tu mano.
Cuando te vi sabía que era cierto
este temor de hallarme descubierto.
Tú me desnudas con siete razones
me abres el pecho siempre que me colmas
de amores, de amores, eternamente de amores.
Si alguna vez me siento derrotado
renuncio a ver el sol cada mañana.
Rezando el credo que me has enseñado
miro tu cara y digo en la ventana:
Yolanda, Yolanda, eternamente Yolanda.
Yolanda, eternamente Yolanda.
O casamento não durou muito, cinco anos somente. Mas a canção taí, até hoje, fazendo muita gente suspirar. Em entrevista à Marie Claire brasileira, Benet deu o seguinte depoimento:
"- Conheci Pablo na casa de um amigo comum, em Havana. Eu tinha 23 anos e era continuísta de cinema. Casualmente, três dias depois começamos a trabalhar juntos em um filme e nos apaixonamos. Pablo compôs Yolanda quando nossa primeira filha tinha dez dias. Ficou chateado por ter de viajar.
Pablo Milanês com a pequena Lynn e a esposa nos anos 1970
Quando regressou, trouxe a canção. Eu estava com Linn nos braços, dando-lhe o peito, e ele me disse: 'Olha o que fiz para você'. Pegou o violão e cantou 'Yolanda'. (...) Pensei que aquela canção era algo íntimo, que só eu poderia compreender o que Pablo estava dizendo. Mas parece que ele fez com tanto amor que todos são capazes de entender (...)"
Lynn e Yolanda Benet
Pablo Milanés é um dos cantores e compositores mais influentes de Cuba. Foi um dos precursores do movimento Nueva Trova ao lado de músicos alinhados a temas políticos e sociais, conectados a movimentos populares no Chile, Argentina e também no Brasil.
Nesse contexto, conheceu Chico Buarque.
O brasileiro fora a Cuba como convidado pela Casa de las Americas para ser jurado num concurso literário. Ficaram amigos e passaram a gravar canções e mesmo versões de canções um do outro.
Marcando mais uma passagem de Pablo pelo Brasil em 2014, o Correio Brazilense relembrou Chico em Cuba: "(...) sentou-se ao lado do colombiano Gabriel García Márquez e de outros intelectuais latinos. Na plateia, a então esposa Marieta Severo acompanhava o evento. Pouco depois, de volta ao Brasil, Chico e Marieta foram detidos pela polícia e obrigados a prestar esclarecimentos acerca daquela visita(...)"
Em 1978, Milton Nascimento e Chico Buarque gravaram Canción por la Unidad Latinoamericana que foi incluída no disco Clube da Esquina 2.
Buarque também gravaria Como se Fosse a Primavera, em espanhol e numa versão em português dele mesmo, com a participação do próprio Milanés.
Só em 1984 finalmente surgiu uma versão em português para Yolanda. A letra de Chico é bem fiel à proposta original de Pablo Milanés em fazer uma declaração de amor à então esposa. Pra facilitar, por aqui ficou Iolanda, com "I" mesmo.
E a primeira gravação saiu num disco da cantora Simone.
Foi em Desejos (1984) que ela e Chico gravaram um dueto memorável e apresentaram ao público toda beleza da poética de Pablo, com uma tradução quase fiel e com a sensibilidade costumeira de Chico Buarque de Hollanda.
Uma ou outra palavra foram alteradas para soar melhor em português.
Esta canção
Não é mais que uma canção
Quem dera fosse uma declaração de amor
Romântica
Sem procurar a justa forma
Do que me vem de forma assim tão caudalosa
Te amo, te amo
Eternamente te amo
Se me faltares
Nem por isso eu morro
Se é pra morrer
Quero morrer contigo
Minha solidão
Se sente acompanhada
Por isso às vezes sei que necessito
Teu colo, teu colo
Eternamente teu colo
Quando te vi
Eu bem que estava certo
De quem me sentiria descoberto
A minha pele
Vais despindo aos poucos
Me abres o peito quando me acumulas
De amores de amores
Eternamente de amores
Se alguma vez
Me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia
Rezando o credo
Que tu me ensinaste
Olho teu rosto e digo à ventania
Iolanda, Iolanda
Eternamente Iolanda
Iolanda
Eternamente Iolanda
Eternamente Iolanda
Foi um sucesso imediato. Em entrevista a um programa de TV, Simone revelou que Iolanda não sai do repertório dos shows dela desde então. A cantora disse ainda que considera a versão de Chico mais bonita que a letra original.
Iolanda cativou tanto o público que tornou-se a canção a mais executada de todo repertório de Chico Buarque.
Pablo Milanés veio diversas vezes ao Brasil, gravou inclusive disco por aqui. Em 1986, fez uma aparição inesquecível no global Chico & Caetano. Como não poderia deixar de ser, ele e o filho do seu Sérgio cantaram juntos o grande sucesso de suas vidas.
A canção foi regravada por artistas de diversos países, como Guadalupe Piñeda (México), a Orquestra Guaycán (Colômbia) e ainda a Danza Invisible (Espanha). No Brasil também houve regravações marcantes.
Há uma muito bonita de Ney Matogrosso em 1998, incluída no DVD da turnê do cantor pelo Brasil em 2019.
Outra regravação muito lembrada é a dos sertanejos Christian & Ralph que está no show Acústico (CD e VHS) da dupla, também de 1998, mas que seria relançado em DVD em 2004.
Por essas e outras, é que a tal da Yolanda não sai da nossa cabeça.
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