Por Giovane Gomes.
Certo dia, o Coronel, em sua
rotina habitual, chegou ao Povoado Lage. A população ficou apreensiva. De
óculos escuros, camisa cáqui, calça preta e seu velho revólver calibre 38 na
cintura. Os moradores perceberam que o visitante estava estranho. Naquele dia
ele se envolvera em briga com o Jovem Severino Brusco, motorista do coronel
João Inocêncio. Dias Depois o jovem viria a ser assassinado por Manoel em um
duelo de cabra macho. Existem duas versões da causa desse desentendimento.
A primeira versão é de que o
coronel entrou em um estabelecimento e o motorista chegou logo em seguida,
dizendo:
- Coloque um Coronel; hoje quero
beber; hoje quero beber. Era costume dos sertanejos colocar um corpo americano
de cachaça e tomar de uma só vez. Essa prática era chamada de “sargento”. O
significado disso era que, muitas vezes, em perseguição aos cangaceiros, os
soldados tomavam um corpo cheio de cachaça em um único gole para aumentar a
adrenalina no corpo, atenuando o estresse emocional em que viviam os militares.
Então, muitos sertanejos chegavam nas bodegas e falavam: “Coloque um Sargento!”
Nesse dia Severino gritou:
- Coloque um “coroné”!
O Cel. Manoel Neto perguntou:
- Como é, cabra?!
O jovem repetiu:
- Hoje eu quero beber, coloque um
“coroné!
Sentindo-se humilhado, Manoel
Neto puxou seu revólver 38 e desferiu um golpe certeiro na testa do jovem com o
cabo da arma, fazendo um enorme sangramento. Assim,
Começou uma verdadeira confusão,
as pessoas ali presentes entraram no meio da briga para acalmar os ânimos dos
dois. Severino jurou vingança contra a vida de Manoel Neto. O jovem motorista
falou:
- O senhor pode ter certeza de
que não vai ficar assim.
O coronel Manoel Neto disse:
- Não vou mudar de cidade por
causa de você.
A segunda versão diz que o
desentendimento foi por motivo político: Severino andava difamando o coronel
Manoel Neto. Chateado com a atitude do jovem, o velho militar pensou em dar um
basta nessa situação. Certo dia, chegando ao Povoado Lages em seu jipe,
presenciou o jovem Severino correndo atrás de uma moça; estavam brincando.
Manoel Neto, incomodado com aquela atitude, gritou:
- Deixe disso, cabra safado.
Parece um tarado!
A moça falou:
- Estamos brincando, Coronel!
Severino, revidou à altura:
- Cabra safado é o senhor.
O coronel ficou de orelha vermelha
quando ouviu a resposta de Severino. Desceu imediatamente do jipe, partiu para
o jovem, dando-lhe um tapa na cara, Sacou de sua arma para atirar no jovem,
sendo impedido por populares.
Severino disse:
- Coronel, em cara de homem não
se bate!
O outro falou:
- Não estou dando em cara de
homem, mas na cara de cabra safado. Homem não corre atrás de
mulher!
Severino respondeu:
- Coronel, eu sou pobre, mas sou
homem. Era melhor o senhor ter me matado. Em cara de homem não se bate. Várias
pessoas já estavam envolvidas na confusão, o coronel de arma em punho. Os
amigos do militar chegaram, tiraram-no do local. Severino, que foi desmoralizado,
estava
com os ânimos exaltados, jurando
vingança.
Indo embora, o Cel. Manoel Neto
contou sobre a confusão ao seu amigo, Antônio Cambista. Esse advertiu:
- Aquele rapaz tem coragem!
O Cel. Mané Neto falou:
- Pode vir. Estou acostumado com
cabra safado.
Seu Antônio Cambista, dizia:
- Não se bate na cara de homem,
Coronel!
Manoel Neto ficou calado como se
nada houvesse acontecido. Severino era um homem valente, foi humilhado com um
tapa na cara. Com sede de vingança, começou logo a beber, chorar e jurar
vingança. Ele conhecia os hábitos do militar, pois seu patrão morava perto do
Coronel. Assim, arquitetou um plano para sua vingança:
matar o algoz em sua casa. Seu
Antônio Cambista alertava:
- Coronel, Severino é genioso
como o senhor. Ele vai querer vingança. O homem humilhado quer
lavar sua honra.
O Cel. Manoel Neto respondeu:
- Pode vir. Nunca tive foi medo
de macho!
No dia seguinte, Severino colocou
seu plano em ação. O Coronel morava em uma casa de jardim com um muro pequeno
na frente e um corredor lateral. Foi nesse local que o jovem Severino se
escondeu, sem ninguém perceber, esperando surpreender o velho militar,
acreditando que sua força juvenil era superior à idade de seu adversário. Ele
nunca imaginou que estava emboscando Manoel de Souza Neto, o lendário Mané
Fumaça, o homem que muitas vezes enfrentou Lampião e tinha a força dos cabras
de Nazaré.
O coronel vinha tranquilamente na
rua principal de Ibimirim, usando sua camisa de
brim azul, sua calça de linho
preta, chapéu de massa na cabeça. A única coisa que lhe denunciava ser militar
era seu velho revólver calibre 38 no coldre, à mostra. Aproximando-se de sua
casa, entrou pelo velho portão, fazendo um estalo. Um vulto apareceu com uma
faca peixeira na mão e partiu para cima do coronel. Sem entender nada, mas
sempre precavido, Manoel Neto sacou sua arma, dando um tiro por reflexo, não
acertando o alvo. Ouviu-se uma voz:
- Perdeu a fama, velho safado?!.
Nunca mais você bate em cara de homem. Com uma agilidade espetacular para um
homem de mais de setenta anos, ele pula o pequeno muro de sua casa. Deu o
segundo tiro, acertou o peito de Severino, que se afastou Com o impacto do
projétil, mas logo voltou ao campo de luta. As pessoas presentes à peleja
ficaram impressionadas com a velocidade do velho coronel. No terceiro tiro, ele
gritou:
- Cabra Safado, você está
brigando é com o Cel. Mané Neto!
O terceiro tiro acertou o abdômen
de Severino. Mesmo alvejado à queima-roupa, Severino continuou caminhando para
cima do Coronel, tentando acertar um golpe com sua faca peixeira. Não acertou
nenhuma facada. No momento de fúria, baleado com dois tiros, ele tentava
desesperadamente matar o algoz. Sentindo seu corpo perdendo as forças,
sangrando muito, Severino começou a cair lentamente no chão. O quarto tiro acertou-lhe
de raspão. Os dois últimos tiros o velho militar errou. Quem presenciava o
duelo tinha certeza de que a hora do velho militar havia chegado. Mas, por
incrível que pareça, ele saiu ileso, sem nenhum arranhão. Mais uma vez Manoel
Neto enfrenta a morte e sai vitorioso. Severino estava caído no chão, mas
conseguiu se levantar e, cambaleando, saiu caminhando, todo ensanguentado, da
casa do Cel. Mané Neto que estava de arma na mão e novamente carregada. Porém,
não desferiu mais tiros contra seu agressor. O jovem motorista baleado
conseguiu chegar até a casa de seu patrão, caindo em seguida. O Cel. João
Inocêncio falou:
- Que desgraça foi essa, homem?!
Severino respondeu:
- Foi o Cel. Mané Neto. O Senhor
está vendo o que ele fez comigo?!
O patrão respondeu:
- Eu não disse a você que não
mexesse com aquele cascavel!?
Logo em seguida, uma multidão se
aglomerou em frente à casa do cel. Manoel Neto.
Um rastro de sangue estava
presente, a fumaça da pólvora ainda estava no local e, de arma em punho, estava
o maior perseguidor de cangaceiros. A experiência de combate com facínoras foi
decisiva para reagir a mais uma emboscada sofrida. Quem presenciou a última
peleja do Cel. Manoel Neto concluiu que ele era valente ao extremo, que ele
fazia jus ao apelido de Mané Fumaça. Logo chegou a notícia que Severino estava
morto próximo à casa de seu patrão.
João Florentino de Carvalho era
de Floresta, estava no dia da tragédia que abalou Ibimirim. Ele era funcionário
público dos Correios. Na hora do episódio ele ouviu os primeiros tiros. Então,
saiu para ver o que estava acontecendo, percebendo que vinha do lado da casa do
Coronel Manoel Neto. Assim, correu em direção à residência do velho militar ao
seu socorro. Quando lá chegou encontrou o Cel. Manoel Neto e falou:
- O que foi isso, Coronel?
O coronel respondeu:
- Dei cabo de um infeliz agora.
João Florentino insistiu:
- Coronel! O que o senhor vai
fazer agora?
Ele respondeu energicamente:
- Nada. Não sou homem de me
assombrar com pouca coisa. Com muita tranquilidade, o Coronel aconselhou a seu
amigo que tentava lhe ajudar:
- João, vá para casa, você é de
Floresta, você é casado e tem filhos. Pode ser que alguém queira vir atrás de
mim querendo vingança. João, que se encontrava desarmado quando chegou à
tragédia, mesmo exposto a tudo e a todos, disse:
- Não vou Coronel. Não deixarei o
senhor sozinho. Um Florestano não deixa outro para trás. João Florentino
permaneceu com o Coronel e o recomendou que deixasse Ibimirim por enquanto,
coisa que o Coronel não se mostrava interessado. Porém, em seguida, mesmo
relutante, entrou em sua casa, pegou suas outras armas, colocou
no carro e saiu. Todos ali
presente ficaram impressionados com a sua frieza no meio daquela desgraça; não
parecia que há poucos minutos sua vida estava correndo perigo. João Florentino
só saiu da frente da casa quando Manoel Neto foi embora para a residência de
Antônio Cambista, o qual foi logo perguntando:
- O que faz aqui, meu amigo?
O coronel respondeu:
- Acabei de fazer uma desgraça.
- O que foi aqueles tiros? –
Antônio perguntou.
Ele respondeu:
- Acabei de matar Severino.
- Qual Severino? - perguntou
Antônio.
- Severino, motorista de João
Inocêncio.
- O senhor é doido? O senhor vai
ser preso!
O Cel. Manoel Neto disse:
- Nunca. Não admito um volante
colocar as mãos em mim. Antônio cambista continuou:
- Coronel, o senhor tem que sair
da cidade. Logo em seguida chegou a esposa de Seu Antônio, Dona Eutália,
desesperada com o acontecido. Disse:
- Coronel, pelo amor de Deus, vá
embora.
Ele disse:
- Estou saindo da cidade, não por
medo, mas por respeito ao oficial de justiça, que é meu amigo e a vocês que
estão me pedindo. A quem perguntar por mim pode dizer que daqui a oito dias
estarei de volta. O coronel começou a assobiar; isso era comum quando ele
estava nervoso ou calmo. Logo em seguida, entrou no seu jipe e partiu para a
fazenda Baixa da Imburana. Quando voltou para Ibimirim, logo tratou de vender a
residência; não quis mais morar nela. Alugou uma pequena casa e foi residir
próximo de seu amigo Antônio Cambista.
Texto: Giovane Gomes
Essa história é outras faz parte do meu novo Livro A Origem de Manoel Neto. Que será lançado em Dezembro 2023.
Foto: 01 Manoel Neto e o
Jornalista Malquiades da Rocha em 1938.
Foto 02: Manoel Neto em
Ibimirim-PE.
Essa foto é inédita e faz parte
do meu acervo particular.
Foto 03 : Manoel Nestor na Bahia.
Essa foto é uma original fazia
parte do acervo de Manoel Neto. Essa foto tem uma dedicatória do proprio Manoel
Neto.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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