Por: Rangel Alves da Costa(*)
COISA
LINDA!
Coisa mais
linda o entardecer no sertão e o cheiro de café torrado espalhando pelo ar, e
ao bater à porta da velha senhora ela já saber o que você deseja ali. E traz o
aroma fumegante na xícara, e traz a palavra, e traz o contentamento maior da
vida.
Ao se
aproximar da cancela ser logo recebido pelo meninote barrigudinho, que depois
de mostrar sorriso no rosto bonito e no olho graúdo, se esconde por trás do
mourão. E você o percebe olhando de fininho e se retraindo, até desabar em
correria para depois surgir com um passarinho na mão e outro no coração. Que
coisa mais linda, meu Deus!
Gesto lindo,
maravilhoso, ainda que sentimentalmente desafiador, chegar de visita numa
taperinha sertaneja e já próximo ao meio-dia o velho dono da casa pedir que lhe
dê a honra de dividir sua mesa com o alimento que tiver. E você sentar e comer
gulosamente feijão de corda com ovos de galinha de capoeira. E depois ouvir,
sempre com semblante entristecido, as maiores desculpas por não ter oferecido o
prato merecido pelo doutor.
Coisa linda,
encantadora, é a tarde sertaneja com suas calçadas de cadeiras de balanços, com
cocada e arroz doce em cima das mesinhas e janelas, vizinhas tratando
cuidadosamente da vida dos outros, velhos picando fumo por cima dos tocos,
velhas senhoras adormecendo suas lembranças nos embalos da ventania. E a
meninada ao redor jogando bola, soltando pipa, correndo de canto a outro.
Lindo demais
ainda poder encontrar o cavalo alazão do menino, todo bonito e ligeiro na sua
magrez de cabo de vassoura ou pedaço de pau trabalhado; e também encontrar a
casinha de boneca esperando sua dona chegar. E imaginar que quem está lá
dentro, a própria boneca enfeitada no vestido de chita, anda muito raivosa pelo
sumiço daquela que lhe chama de filha. E de repente chegar a menina com uma
caminha de madeira que o pai acabou de comprar na feira.
Duvido que
haja coisa mais bela do que o sertão nos dois extremos do dia, na alvorada e no
anoitecer. Pelas matarias e descampados os sons da natureza, os bichos
grunhindo, os mistérios sussurrando, para mais tarde, assim que o galo cantar e
a passarinhada despertar, a vida receber sua cor e tudo se transformar em
louvor. Menino se dana a correr, papagaio a falar, rala aqui e mexe acolá. Esse
é o som do sertão, e eco mais belo não há.
E depois que o
sol se esconde, quando o sombreado vai tomando os quadrantes, vai chegando a
ventania trazendo o som de uma viola caipira, e muitas vezes o berrante ecoando
para agradecer a juntada do gado, o trabalho cumprido, a vida que segue em
frente. E tudo debaixo de uma lua imensa no terreiro da fazenda. E chega um
compadre e outro, um gole é oferecido, e daí o proseado, o prestar contar do
viver. E mesmo que não seja a melhor, coisa mais bonita não há.
Lindo, lindo
demais, passar defronte ao cercado, à malhada do terreno, e avistar a
caipirinha mais linda do mundo colhendo flores imaginárias para enfeitar sua
janela. E tanta deusa, tanta musa, tanta doçura em pessoa, que é difícil não
achar que por ali vivem as mais belas mocinhas do mundo, ainda que de roupa
simples, vestidinho de chita, diadema no cabelo, uma maçã perfumada em cada
face. E mais belo ainda o sorriso, o olho de flor da vida, cabelo amigo do
vento, um passo que é valsa suave. E que melodia esse encontrar, que vontade de
chegar perto dela e não dizer nada. Apenas admirar!
Que coisa
linda é ser sertanejo, reconhecer-se sertanejo, jamais afastar do seu corpo a
presença sentimental do chapéu de couro, do gibão, do alforje, da mochila de
caçador, do suor queimando a pele, da moringa de barro da janela, do pote
antigo recoberto com toalha rendada. E por onde andar, ainda que o asfalto
sempre iguale os caminhos, ter na mente e na visão a vereda de encontros, um
voo de jaçanã, a flor do mandacaru, o preá correndo à frente, o encontro com a
catingueira, o xiquexique e a macambira.
Mas a coisa
mais linda do mundo, e que somente no sertão existe, direi agora: o ser humano
na mais pura realidade que possa existir. Haverá alguma coisa mais autêntica
que o sertanejo?
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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