Rangel Alves
da Costa(*)
Depois de mais
de muito tempo sem chover, e continuando dia e noite sem cair uma gota d’água,
com tudo secando e virando pó, de repente o sertanejo começou a pular, a correr
de canto a outro e gritar “Choveu no sertão, choveu no sertão!”. Estava doido
de pedra, completamente enlouquecido.
Foi preciso a vizinhança acorrer desesperada, tentando socorrer o amigo ensandecido de dar dó. Tendo corrido pra se trepar num velho e magro pé de mandacaru e de lá de cima anunciar a boa nova caída dos céus, de lá se estrebuchou com tronco espinhento e tudo, mas continuando a dizer “Choveu no sertão, choveu no sertão!”.
Ao ser retirado de cima do encanecido cacto símbolo sertanejo, com parte do corpo tomada de espinhos secos mas ainda perfurantes, por cima dos frangalhos de pano e grudados na pele ossuda, chorava feito criança, porém sem derramar um fio sequer de lágrima. Os olhos estavam secos, esturricados, num brilho que parecia de bicho raivoso.
Coitado do homem. Aquele estado de loucura, de repentino ensandecimento, refletia apenas a cruel situação daquilo que todos estavam vivendo, pois todos à beira da demência, da insanidade, da perda completa do juízo diante de quadro tão devastador e agonizante como aquele apresentado pela sua terra sertaneja. O sertão de lua tão bela, desde muito somente uma terra de sol escaldante.
Era seca feia, braba, feroz, arrepiante. Era estiagem inclemente, desafiadora, que já tendo secado tudo, emagrecido tudo, matado impiedosamente, e agora tentando minar o juízo de quem ainda imaginava possuir cabeça para pensar. E pensar em profundidade sobre aquela situação, lançar o olhar perante a nua realidade, era quase certeza de enlouquecer. Como realmente havia acontecido.
Foi preciso a vizinhança acorrer desesperada, tentando socorrer o amigo ensandecido de dar dó. Tendo corrido pra se trepar num velho e magro pé de mandacaru e de lá de cima anunciar a boa nova caída dos céus, de lá se estrebuchou com tronco espinhento e tudo, mas continuando a dizer “Choveu no sertão, choveu no sertão!”.
Ao ser retirado de cima do encanecido cacto símbolo sertanejo, com parte do corpo tomada de espinhos secos mas ainda perfurantes, por cima dos frangalhos de pano e grudados na pele ossuda, chorava feito criança, porém sem derramar um fio sequer de lágrima. Os olhos estavam secos, esturricados, num brilho que parecia de bicho raivoso.
Coitado do homem. Aquele estado de loucura, de repentino ensandecimento, refletia apenas a cruel situação daquilo que todos estavam vivendo, pois todos à beira da demência, da insanidade, da perda completa do juízo diante de quadro tão devastador e agonizante como aquele apresentado pela sua terra sertaneja. O sertão de lua tão bela, desde muito somente uma terra de sol escaldante.
Era seca feia, braba, feroz, arrepiante. Era estiagem inclemente, desafiadora, que já tendo secado tudo, emagrecido tudo, matado impiedosamente, e agora tentando minar o juízo de quem ainda imaginava possuir cabeça para pensar. E pensar em profundidade sobre aquela situação, lançar o olhar perante a nua realidade, era quase certeza de enlouquecer. Como realmente havia acontecido.
E o homem endoidou por causa disso. A visão da seca desalmada, da desesperança em tudo adiante, tudo fervilhou na cabeça, desfigurou o juízo. Desde o amanhecer ao anoitecer que não pensava noutra coisa senão matar a sede e a fome dos meninos e do restinho dos animais. Saía ao redor da morada e logo começava a avistar a fumaça encobrindo aqui e ali, num fogaréu que nascia do sol em fagulhas.
Pelos pastos acinzentados, de vegetação já completamente carcomida e tristemente se deixando levar pela ventania, as carcaças dos animais se estendendo junto às pedras e espinhos. No calor insuportável, as cobras sobreviventes se escondendo nas locas, uma ou outra lagartixa pulando de pedra em pedra fugindo da labareda de cada lugar.
Não havia mais preá nem teiú, não restava mais qualquer animal que pudesse ser caçado para matar ou enganar a fome. E a meninada morderia tudo com maior gosto, de lamber os beiços. Mas tudo se, se alguma coisa restasse. Criancinha se danava a encher a mão de barro e levar à boca; um meninote foi encontrado mordendo um calango. Vivo.
Comer o que, dar o que à filharada? A urtiga e a cansanção, aquelas mesmas plantas cuja pele causa ardência e queimação, já havia servido de mesa e sobremesa para muita gente. Depois de ter a pele retirada é possível obter uma carne esbranquiçada, macia e comestível. Contudo, também não suportaram a secura da terra e a falta de pingo naqueles descampados de desolação. Não havia nem mais urtiga nem cansanção.
Se haveria de pensar que ainda era possível encontrar as plantas cactáceas tão próprias do sertão e que suportam as estiagens bem mais que homens e animais. Diante do quadro dantesco, da insuportável situação, seria um erro pensar assim. Por muito tempo o gado se alimentou unicamente de palma, mas agora não existia mais. E muito menos farelo ou qualquer outro tipo de ração.
E foi diante de um quadro assim, e muito mais realista pisando na terra ardente e mirando o sol inclemente, que o valente sertanejo enlouqueceu. Saiu porta afora ouvindo o filho chorar faminto, avistou adiante o cachorro morto estendido na malhada, olhou para cima e o sol esturricou o que lhe restava de juízo.
E então, debaixo do ensolarado sofrimento, danou-se a gritar “Choveu no sertão, choveu no sertão!”. E que tristeza, meu Deus, é a loucura da seca, do aflição, da desvalia.
Poeta e cronista
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