Detalhemos a fotografia 3. Maria Bonita sentada, pernas cruzadas,
cabelos cuidados, tom sereno, segurando dois cães. O equipamento alemão,
máquina Ica de última geração, da Karl Zeiss, 35 mm, contendo um maço de filmes
Gevart Belgium. focaliza Lampião, ao lado, em pé, olhos fixos na câmera, tendo
em mãos um exemplar da revista Noite Ilustrada.
O historiador Frederico
Pernambucano de Mello afirma ter visto uma fotografia semelhante acrescida do
enquadramento de Maria Bonita ao lado de um cartaz contendo propaganda do
remédio cafiaspirina, espetado nos galhos de uma planta típica da caatinga, a
quixabeira. A imagem fotográfica sugere que Maria Bonita recomenda o remédio
cafiaspirina. Sugere ainda uma imagem de Lampião como leitor e mais
especificamente leitor de Noite Ilustrada (MELLO, 1994: 5).
Facilmente
percebe-se a encenação em ambiente natural, a pose seguida das representações
para a posteridade. Esta foto fornece pistas da relação dos cangaceiros com o
mundo do negócio e da comunicação, indicando que o documento fotográfico
esconde atrás de si uma história cuja intencionalidade deve ser esclarecida.
Barthes diz que devemos “fazer a fotografia existir” (BARTES, 1984: 47). Para
isto, é necessário analisá-la como monumento e como documento.
Enquanto
monumento, a fotografia é uma escolha das forças atuantes no real, uma herança
do passado; enquanto documento, é uma escolha efetuada pelo historiador. Marc
Ferro propõe partir das imagens, mas “não procurar somente nelas exemplificação,
confirmação ou desmentido de um outro saber, aquele da tradição escrita.
Considerar as imagens tais como são, com a possibilidade de apelar para outros
saberes para melhor compreendê-los” (FERRO, 1995:203).
Decerto, o documento
fotográfico não dispensa o trabalho de análise e de crítica, sequer dispensa o
apoio de outras fontes. Porém, sua especificidade está em que “a imagem permite
que se faça uma contra-análise do social, por aquilo que revela do não - dito,
do não - visto, dos lapsos de uma sociedade.” (FERRO, 1978:290). Burke sugere a
utilização do termo “indício” em substituição ao termo “fonte.” Indício
refere-se a “muitos tipos diferentes de imagens: pinturas, estátuas, gravuras e
fotografias.” (BURKE, 2004:16). Contudo, adverte Burke, indo além do visível
fotográfico, devem-se examinar as diferentes configurações de contextos
culturais, materiais e políticos. (BURKE, 2004: 237).
A análise da imagens fotográfica requer, a distinção entre os conceitos de
iconografia e de iconologia. O primeiro refere-se ao conteúdo da imagem, seus
elementos icônicos. Iconografia deriva do grego eikon, é a imagem registrada. A
análise iconográfica inventaria o conteúdo das imagens em seus elementos
icônicos formativos. A análise iconológica, por sua vez, advém da síntese,
busca o significado intrínseco do documento fotográfico e refere-se à realidade
interior. Panofsky sistematizou este método em três níveis de interpretação:
(1) descrição pré-iconográfica, o significado “natural”; (2) análise
iconográfica, o significado convencional icônico e (3) interpretação
iconológica, o significado intrínseco de uma imagem. (PANOFSKY, 1939: 25-31).
Para ultrapassar o realismo fotográfico é necessário desenvolver a análise
iconológica, levando-se em conta as representações e as práticas culturais
construídas em torno delas e por meio delas. Para o caso das imagens
fotográficas do cangaço, vimos que diferentes sujeitos atuam com representações
distintas nos processos de produção, reprodução e recepção das imagens.
http://www.ufrgs.br/gthistoriaculturalrs/marcosclemente.html
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