Por Rostand Medeiros
Desde que
comecei a ler temas relacionados ao ciclo do cangaço, a sua figura maior,
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e a história do Nordeste no início do
século XX, um local em especial me chamava atenção pelas repetidas referências
existentes em inúmeros livros. Comento sobre uma antiga propriedade denominada
Abóbora, localizada na zona rural do município de Serra Talhada, próximo a
fronteira com a Paraíba e não muito distante das cidades pernambucanas de Santa
Cruz da Baixa Verde e Triunfo.
Sede
da Fazenda Aboboras
Vamos conhecer
um pouco de sua história e da visita que realizei a este local.Uma Rica
Propriedade. Quem segue pela sinuosa rodovia estadual PE-365, que liga as
cidades de Serra Talhada a Triunfo, antes de subir em direção a povoação de
Jatiúca e as sedes dos municípios de Santa Cruz da Baixa Verde e Triunfo,
percebe que está em um vale cercado de altas serras, que dão uma beleza
singular a região. Atrás de uma destas elevações se encontra a Fazenda Abóbora.
Até hoje esta
fazenda chama atenção pelas suas dimensões. Segundo relatos na região, suas
terras fazem parte das áreas territoriais de três municípios pernambucanos.
Aparentemente no passado a área era muito maior. Ali eram criados grandes
quantidades de cabeças de gado, havia vastas plantações de algodão, engenho de
rapadura e se produziam muitas outras coisas que geravam recursos. No lugar
existem dois riachos, denominados Abóbora e da Lage, que abastecem de forma
positiva a gleba.[1] Com tais dimensões, circulação de riquezas, no passado o
lugar era ponto de parada de muitos que faziam negócios na região e
transportavam mercadorias em lombo de animais, os antigos almocreves. No lugar
estes transportadores do passado eram recebidos pelo “coroné” Marçal Florentino
Diniz, que junto com irmão Manoel, dividiam o mando na propriedade.
Manoel Severo
e Rostand Medeiros
Informações
apontam que Virgulino Ferreira da Silva, quando ainda trabalhava como
almocreve, realizou junto com seu pai e os irmãos vários transportes de
mercadorias entre as regiões de Vila Bela (sua cidade natal, atual Serra
Talhada) e Triunfo.[2] Certamente em alguma ocasião, o jovem almocreve teve a
oportunidade de conhecer a fazenda do “coroné” Marçal e de seu irmão Manoel.
Além destes o almocreve da família Ferreira conheceu o impetuoso filho do
fazendeiro Marçal, Marcolino Pereira Diniz.[3]
Chefe de bando
inteligente e perspicaz, Lampião buscava antes do confronto, o apoio e as
parcerias com os antigos proprietários rurais e assim agiu junto aos donos da
Fazenda Abóbora. Após assumir a chefia efetiva de seu bando, depois da
partida do seu antigo chefe, o mítico cangaceiro Sinhô Pereira, Lampião frequentou
em várias ocasiões as terras da Abóbora, onde o respeito do chefe e dos seus
cangaceiros pelo lugar estava em primeiro lugar.
Rodrigues de
Carvalho, autor do livro “Serrote Preto” (1974), informa nas páginas 252 a 254
que ocorreu uma intensa e positiva relação de amizade entre Lampião e a família
Diniz principalmente com o “jovem e pretensioso doutor” Marcolino Diniz, que
chegou há cursar durante algum tempo a Faculdade de Direito em Recife, mas não
concluiu. Esta relação ambígua de amizade entre estes ricos membros da
elite agrária da região e o facínora Lampião foi posta a prova em duas
ocasiões.
Marcolino
Diniz, sentado, filho do poderoso Cel. Marçal Florentino Diniz
A primeira no
dia 30 de dezembro de 1923, quando Marcolino Diniz é preso pelo assassinato do
juiz de Direito Ulisses Wanderley em um clube de Triunfo. Marçal solicita apoio
de Lampião para tirar Marcolino da cadeia, se necessário a força. Juntos vão
acompanhados de um grupo que gira em torno de 80 a 100 cangaceiros armados. Não
Houve reação dos carcereiros. A segunda ocorreu no mês de março do ano
seguinte. Após o episódio do ferimento do pé de Lampião na Lagoa Vieira e o
posterior ataque policial na Serra das Panelas, onde o ferimento de Lampião
voltou a abrir e quase gangrenar, é a família Diniz que parte em socorro do
cangaceiro. Marçal e Marcolino cederam apoio logístico para a sua proteção,
transporte, medicamentos e plena recuperação com o acompanhamento dos médicos
José Lúcio Cordeiro de Lima, de Triunfo e Severino Diniz, da cidade paraibana
de Princesa. Sem este decisivo apoio, certamente seria o fim do “Rei do
Cangaço”.[5]
Lagoa
Vieira-Foto-Alex Gomes
Foi igualmente
na propriedade Abóbora que Lampião conheceu Sabino Gomes de Gois, também
conhecido como “Sabino das Abóboras”.[6] Frederico Pernambucano de Mello, autor do livro
“Guerreiros do Sol-Violência e banditismo no Nordeste do Brasil” (2004), nas
páginas 243 a 246, informa que Sabino efetivamente nasceu na Fazenda Abóbora,
sendo filho da união não oficial entre Marçal e uma cozinheira da propriedade.
Consta que ele trabalhou primeiramente como tangedor de gado, o que certamente
lhe valeu um bom conhecimento geográfico da região.
Valente,
Sabino foi designado comissário (uma espécie de representante da lei) na região
da propriedade Abóbora, certamente com a anuência e apoio do pai. Organizava
bailes e em um destes envolveu-se em um conflito, tendo de seguir para o
município paraibano de Princesa. [7]
Depois, entre
1921 e 1922, acompanhou seu meio irmão Marcolino para Cajazeiras, no extremo
oeste da Paraíba. Marcolino Diniz desfrutava nesta cidade de muito prestígio.
Era presidente de clube social, dono de casa comercial, de jornal e tinha
franca convivência com a elite local. Sabino por sua vez era guarda costas de
Marcolino e andava ostensivamente armado. Nesta época Sabino passou a realizar
nas horas vagas, com um pequeno grupo de homens, pilhagens nas propriedades da
região. O autor de “Guerreiros do Sol” informa que teria sido Sabino que
coordenou a vinda do debilitado Lampião para ser tratado pelos médicos José
Lúcio Cordeiro de Lima e Severino Diniz. A amizade entre o “Rei do Cangaço” e o
filho bastardo de Maçal Diniz, nascida na Fazenda Abóbora, teria então se
consolidado a ponto deste último se juntar a Lampião e seu bando, em uma
posição de destaque, no famoso ataque de cinco dias ao Rio Grande do Norte,
ocorrido em junho de 1927.
Continua...
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NOTAS
[1] Relatos transmitidos em entrevista gravada junto ao Sr.
Antônio Antas, da cidade paraibana de Manaíra, em dezembro de 2008. O Sr.
Antônio, parente de Marcolino Diniz, conviveu com o filho de Maçal quando este
estava idoso e vivendo na Comunidade de Patos do Irerê. Vale ressaltar que é
relativamente pequena a distancia da sede da Fazenda Abóbora para a cidade de
Manaíra.
[2] Relato transmitido ao autor em entrevista gravada junto
ao Sr. Antônio Ramos Moura, em agosto de 2006, em Santa Cruz da Baixa Verde.
[3] Para Frederico Pernambucano de Mello, autor do livro
“Guerreiros do Sol-Violência e banditismo no Nordeste do Brasil” (2004), na
página 244, afirma que Maçal Diniz conheceu Lampião e seus irmãos quando os
mesmo já eram membros do bando de Sinhô Pereira, cangaceiro que igualmente
recebeu proteção e apoio deste fazendeiro em 1919.
[4] Entrevista gravada com Antônio Antas, dezembro 2008.
[5] Sobre o combate de Lampião na Lagoa Vieira ver –
tokdehistoria.wordpress.com/2011/02/10/quando-lampiao-quase-foi-aniquilado
[6] Segundo Frederico Pernambucano de Mello, Sabino também
era conhecido como Sabino Gomes de Melo, Sabino Barbosa de Melo, ou ainda com
os denominativos Gore, Gório ou Goa. Ver “Guerreiros do Sol-Violência e
banditismo no Nordeste do Brasil” (2004), pág. 243.
[7] Rodrigues de Carvalho (pág. 164) afirma que Sabino nasceu
na Paraíba, no lugar denominado Pedra do Fumo, então município de Misericórdia,
atual Itaporanga. Pela lei estadual nº 3152, de 30 e março de 1964, o antigo
distrito de Pedra de Fumo foi desmembrado do município de Itaporanga e elevado
à categoria de município com a denominação de Pedra Branca, localizado a cerca
de 20 quilômetros de Itaporanga. Pelo que escutamos durante nossas visitas a
região, acreditamos que a versão do autor de “Guerreiros do Sol” é mais
correta.
Rostand
Medeiros, pesquisador e escritor
Natal, Rio
Grande do Norte
Fonte:
tokdehistoria.com
http://cariricangaco.blogspot.com.br/2014/12/a-lendaria-fazenda-abobora-parte-1.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Pois é pesquisador Mendes: É uma mão lavada, lavando a outra. Os "coronéis" precisando de Lampião, e Lampião precisando dos "coronéis". Ai nem desejo tinha o Rei do cangaço em abandonar a vida errante. Parabéns Historiador Rostand Medeiros pelas excelentes informações dessas Terras Nordestinas.
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha