Por Antônio
Corrêa Sobrinho
O conteúdo abaixo, publicado em janeiro de 1915, pelo "correio de Aracaju" traz os primeiros pronunciamentos à imprensa, do famoso cangaceiro Antônio Silvino, após sua prisão.
fico aqui a imaginar o quão seria fantástico ouvir lampião na prisão, defender-se, dizer da sua versão; quem sabe, até, usar do benefício da chamada "delação premiada". Seria o máximo.
“CORREIO DE ARACAJU” – 24 E 28/01/1915
Antônio Silvino
O correspondente do "o estado de São Paulo” entrevista na casa de detenção, o bandido Antônio Silvino, remetendo suas declarações por telegrama, a seu jornal, curiosas revelações:
O bandido
Antônio Silvino continua preso incomunicável.
Pedi e obtive licença especial do chefe de polícia para conversar com ele.
Antônio Silvino mede um metro e 85 de altura mais ou menos, tem espáduas largas e descaídas, como se fosse um tuberculoso, rosto ossudo, olhos pequeninos e vivos, cabelos grisalhos. Usa barba escamada e bigode fino. Embora esteja com a ferida quase cicatrizada, ainda não é considerado de todo fora de perigo.
Logo que me foi apresentado, o facínora perguntou-me quem era, e, ao saber que era um jornalista, fez-me uma série de reclamações.
Está detido na enfermaria, onde tem direito de locomoção. Assim que se inteirou da minha profissão, levou-me a uma pequena farmácia, mostrou-me um copo de ágata com fundo desgalvanizado, e disse-me: “Naquilo davam remédios aos detentos. É uma imundície portadora de micróbios. Felizmente, a mim dão-me noutro copo. Do contrário, punha fora. Quando tiver dinheiro, rebentarei este e comprarei outro”.
Perguntei-lhe se, no sertão, costumava beber água no copo. Respondeu que não. Bebia água em alguma folha de planta, nas mãos ou num chapéu de couro.
Reclamou contra a comida, que era infame, pior que a que dava aos cachorros do sertão. Ele, Silvino, tinha uma comida especial, porque pagava do seu bolso com dinheiro que o irmão lhe dera. “No dia que acabar o dinheiro, continuou, prenderei o administrador e o seu ajudante comigo. Quando vier comida para eles comerei”.
Interroguei-o se, assim doente, podia prender alguém.
- “Mesmo assim – respondeu – senhor doutor, dois ou três homens para mim não são nada”.
Continuando nas reclamações, disse que os presos de correção passam três dias sem comer. O governo, sim, é que é bandido, porque mata gente à fome. No sertão mata-se à faca ou com bacamarte; mas não se mata à fome. Isso é perversidade. Os presos passam dias sem comer, e, quando soltos, são obrigados a furtar. A cadeia é a escola do crime.
Silvino fala de modo arrogante, emitindo as suas opiniões com sinceridade, embora grosseiramente, sendo, como é, analfabeto. Tem horror aos que o chamam bandido.
- “Já dei cabeçadas num ricaço, porque teve a afoiteza de chamar-me de bandido. Bandido é o governo que mandou matar, aqui nesta cidade, um “moço do jornal”, a cacete... No sertão, só se matam a cacete as cobras e cães danados”.
Pedi licença para lhe examinar a mão. A linha da vida é uma curva de quase noventa graus; a da felicidade é imperfeita; a da cabeça, muito quebrada nas extremidades.
Na linha do coração não tem a cruz do casamento.
Enquanto lhe examinava a mão, Silvino disse:
- “Parece que o doutor não sabe ler nesse livro”.
Em seguida, pediu-me explicações. Dei-as. Olhando para mim perguntou-me:
“O doutor é filho de cigano?”
Declarei a Silvino que não, e que ele tinha unhas de assassino. Magoou-se quando proferi a palavra “assassino”.
“Assassino, não. Assassino qualquer um de nós pode ser, conforme a ocasião. O doutor pode ser agredido, repelir e matar. Torna-se um assassino? Não sou assassino, repito”.
- É verdade que você tem muitas mortes?
- Não sei. Atacavam-me e eu mandava os meus companheiros fazer fogo. Se morria alguém não sei de onde partira o tiro.
- Não é certo que você mete bala na boca de uma garrafa?
- Sim, quando estou brincando com o rifle ou a mauser. Mas, brigando, não. O doutor já brigou?
- Não.
- É muito diferente. Quando se tem medo a mão treme.
- E você treme?
- Acho que há outros mais medrosos; mas também tenho medo do perigo.
- Quantos matou você, Silvino?
- Ninguém. Imagina que tinha cerca de quinhentos inimigos. Tirei uns cem do bando, ficando ainda quatrocentos, que não pude liquidar. Posso dizer que matei alguém? Só se tivesse liquidado todos.
Neste momento, Silvino se distraiu, puxando o bigode para o queixo.
- Quem fazia a sua barba?
- Eu mesmo. Às vezes, mandava chamar um barbeiro de confiança. Sentava-me com o punhal e o rifle no colo, e mandava os meus companheiros apontarem os rifles para o barbeiro. Ordenava então que trabalhasse, prevenindo-o de que, se me desse um talho, seria fuzilado pelos meus companheiros, e eu enterrava lhe o punhal no coração.
- Como dormia você?
- Nas matas.
- Não tinha medo de alguma traição dos companheiros quando estava dormindo?
- Não. Eu, nesse caso, sonharia qualquer coisa, e adivinhava.
- Nunca foi atraiçoado pelos seus companheiros?
- Nunca. Gente sabida não entrava no meu bando. Só queria gente mais ou menos tola, a quem eu ensinasse a atirar com o rifle, a saltar e a jogar o punhal.
O facínora declarou que tem ódio ao senhor Herculano Bandeira e, principalmente, aos seus filhos. Estes perseguiram-no muito e chamavam-no de bandido. Se um dia os puder pegar, torcerei o pescoço a todos.
- Você espera a absolvição?
- Sim. Não tenho crime. Apreenderam-me, é certo, uma cédula falsa de duzentos mil réis no meu bolso. Mas, eu não sabia. Entretanto, são capazes de me chamarem passador de notas falsas! Conhece o senhor Deocleciano Mártir, meu advogado? Que tal é ele? Rico? Formado?
Quando soube que o Sr. Deocleciano não era formado, ficou desgostoso e disse: “Ele quererá dinheiro, ou é meu amigo?”
- Você não pode pagar, Silvino?
- Não tenho nada. Apenas 100 mil réis, que meu irmão me deu. E esse dinheiro preciso gastá-lo na comida.
-Que fez você de tanto dinheiro?
- Quando chegava às localidades, dava um passeio de braço com o prefeito ou o delegado de polícia. Depois fazia a minha “bolsa”, que distribuía entre os pobres e a minha gente. Quando acabava, fazia outra bolsa, dando o mesmo destino ao dinheiro. De forma que nunca ajuntei nada.
Nessa ocasião, disse-lhe que quando estivesse bom, passaria um dia com ele a fim de contar no jornal a sua vida, que será publicada.
- E quanto levo nisso? O jornal vai ganhar dinheiro, e eu preciso ganhar também. Negócio é negócio.
À saída, pediu-me festas. Perguntei-lhe o que queria.
- Um queijo do reino. Gosto muito. Manda? Quero ver se o doutor é homem de palavra.
Falou ainda sobre joias. Disse que possuíra vários anéis de brilhante, um do valor de 2:000$000, outro de 1:000$000 e outro de 500$000. Os seus companheiros, porém, roubaram-no. Olhando para a minha aliança, achou que eu não tinha gosto, e aconselhou-me a deitá-la fora.
Por fim, ainda teve estas palavras:
“Não se esqueça do meu queijo do reino. Senão, não seremos amigos”.
Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho Cangaçofilia
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