Por Raul Meneleu Mascarenhas
Maria Christina Matta Machado no ano de 1978 lançou pela Editora
Brasiliense o livro As táticas de guerra dos cangaceiros e em sua
conclusão que transcrevo abaixo, e em entre parágrafos, aponho uma poesia (em
negrito) que fiz em 1981 e publicada em livro (já esgotado) e que tem o
título de Aboio da Agonia que mostro a vida do sertanejo naquela
época de seca nos sertões nordestinos, onde 1.348 municípios formam o polígono
das secas e estão situados nos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas
Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe,
compreendendo grande parte do Nordeste brasileiro.
São repetidas crises de
prolongamento das estiagens e, consequentemente, nem sempre, objeto de
especiais providências do setor público. Não para combate-la pois são forças da
natureza, mas para criar projetos que amainassem para o homem do campo as
agruras dela. Por quanto tempo isso abateu-se sobre esse polígono? Talvez
alguns milhares de anos, pois é inerente nessa parte do mundo e isso já era
conhecido desde as incursões de desbravadores em sua ocupação de terras desde o
descobrimento do Brasil. Quem sempre pagou caro por esse fenômeno natural foi o
homem pobre, que sempre desde o início da humanidade foi usado, e continua a
ser usado por aqueles mais afortunados. É o siclo da natureza.
Hoje estamos em melhor situação que aquelas vividas pelos que fizeram parte da
saga dos cangaceiros, que foi um movimento de revolta daqueles que foram
injustiçados de alguma forma pelos senhores do sertão. Lógico que entraram
nesse movimento, criaturas de índole perversa e má, que o fizeram por formação
bandida, mas a grande maioria foi por motivos de perseguição, por não baixarem
suas cabeças para fazer as vontades dos coronéis.
Vejamos com interesse, em comparar o ontem e o hoje, e tiremos lições. Viajemos
nas asas da imaginação e vivamos um pouco do passado, olhemos para o presente,
e vejamos o que no futuro existirá em relação ao homem residente no polígono
das secas. Com certeza essa conclusão de Maria Christina Matta Machado no
ano de 1978 em seu livro As táticas de guerra dos cangaceiros os ajudará a
fazer essa viagem. Ela diz...
...Em 1938, poucos antes de morrer no cêrco de Angico, Virgulino Ferreira, ou
Lampião, como queiram, usou de uma frase que ficou histórica para todos aquêles
que se interessam em estudar o problema do cangaço no Nordeste, e o
desenvol-vimento do sertão:
"Num
adianta nada. O sertão continua o mesmo".
Árvores
retorcidas, secas e mortas,
na caatinga Polígono
das Secas X Cangaceiros
Maria Christina Matta Machado noano de 1978 lançou pela Editora
Brasiliense o livro As táticas de guerra dos cangaceiros e em sua
conclusão que transcrevo abaixo, e em entre parágrafos, aponho uma poesia (em
negrito) que fiz em 1981 e publicada em livro (já esgotado) e que tem o
título de Aboio da Agonia que mostro a vida do sertanejo naquela
época de seca nos sertões nordestinos, onde 1.348 municípios formam o polígono
das secas e estão situados nos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas
Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe,
compreendendo grande parte do Nordeste brasileiro. São repetidas crises de
prolongamento das estiagens e, consequentemente, nem sempre, objeto de
especiais providências do setor público. Não para combate-la pois são forças da
natureza, mas para criar projetos que amainassem para o homem do campo as
agruras dela. Por quanto tempo isso abateu-se sobre esse polígono? Talvez
alguns milhares de anos, pois é inerente nessa parte do mundo e isso já era
conhecido desde as incursões de desbravadores em sua ocupação de terras desde o
descobrimento do Brasil. Quem sempre pagou caro por esse fenômeno natural foi o
homem pobre, que sempre desde o início da humanidade foi usado, e continua a
ser usado por aqueles mais afortunados. É o siclo da natureza.
Hoje estamos em melhor situação que aquelas vividas pelos que fizeram parte da saga dos cangaceiros, que foi um movimento de revolta daqueles que foram injustiçados de alguma forma pelos senhores do sertão. Lógico que entraram nesse movimento, criaturas de índole perversa e má, que o fizeram por formação bandida, mas a grande maioria foi por motivos de perseguição, por não baixarem suas cabeças para fazer as vontades dos coronéis.
Hoje estamos em melhor situação que aquelas vividas pelos que fizeram parte da saga dos cangaceiros, que foi um movimento de revolta daqueles que foram injustiçados de alguma forma pelos senhores do sertão. Lógico que entraram nesse movimento, criaturas de índole perversa e má, que o fizeram por formação bandida, mas a grande maioria foi por motivos de perseguição, por não baixarem suas cabeças para fazer as vontades dos coronéis.
Vejamos com interesse, em comparar o ontem e o hoje, e tiremos lições. Viajemos
nas asas da imaginação e vivamos um pouco do passado, olhemos para o presente,
e vejamos o que no futuro existirá em relação ao homem residente no polígono
das secas. Com certeza essa conclusão de Maria Christina Matta Machado no
ano de 1978 em seu livro As táticas de guerra dos cangaceiros os ajudará a
fazer essa viagem. Ela diz...
...Em 1938, poucos antes de morrer no cêrco de Angico, Virgulino Ferreira, ou
Lampião, como queiram, usou de uma frase que ficou histórica para todos aquêles
que se interessam em estudar o problema do cangaço no Nordeste, e o
desenvol-vimento do sertão:
"Num
adianta nada. O sertão continua o mesmo".
Árvores
retorcidas, secas e mortas,
na caatinga,
alto sertão.
Os galhos do
umbuzeiro,
muito triste
meu irmão.
O sertão
talvez progredisse, porque o elemento humano é bom e trabalhador, possuindo
energia suficiente para lutar por seus direitos, por sua terra e família. Se
não o conseguiu, foi tão sómente porque interessava aos poderosos manter o
"status quo", para manter seu "progresso", explorando o
trabalho de muitos, e levando a inércia ao sertão. O desvio de comportamento
dos cangaceiros é uma prova do potencial de energia sertaneja. Representaram,
eles, todo um sentimento de revolta contra a injustiça. Eram homens que não
baixavam a cabeça.
O povo da
terra rachada do sol,
gente velha e
acabada,
pois no sertão
meu irmão,
os jovens vão
de arribada.
"Lá, nas
fazendas de cana, eles apanham de relho na cara, aqui, eu só queria vê isso.
Home que apanha e num reage, num é home não" — disse-me Ângelo Roque,
vulgo Labareda, ex-cangaceiro de Lampião.
Os bodes
berram na caatinga,
pedindo a
chuva do umbú,
meu coração
ressequido chora,
pensando em
quem arribou para o sul.
Mas em 1938,
entra em decomposição o cangaço, movimento armado contra a injustiça, porque a
repressão policial foi maior, e melhor armada, e as estradas possibilitaram a
fuga do sertanejo, que, em vez de matar para ser morto em seguida, preferiu
tentar novas terras ...
Tudo seco no
sertão,
chuva que é
bom, não vem não,
esperando o
que Deus quiser,
aguardando uma
motivação...
Em 1940, com a
morte de Corisco, e a rendição de outros chefes como Ângelo Roque e Zé Sereno,
o bando de Lampião deixa a caatinga para passar à História. Agora, quando a
injustiça é ainda praticada pelo coronel, e pelas autoridades, nada resta ao
sertanejo, senão abaixar a cabeça e ficar amôrfo, parado, angustiado. Ou então,
colocar a trouxaria nas costas, e seguir pelas estradas, as mesmas que
extinguiram o cangaço.
...de esperar
os que se foram,
e aguentar
mais um pouquinho,
o sol castigar
o chão,
que se racha
devagarinho.
O sertanejo
parou. Por que não luta mais? Por que se tornou um passivo? Houve alguma
melhora na sua condição de vida? Não há mais abuso do coronel, ou o homem
enfraqueceu? Virou água o sangue do sertanejo? — Não?... Agora, há uma esperança.
Em vez de embrenhar-se na caatinga, fugindo e matando, o melhor é seguir as
estradas à procura de outras terras, onde se possa plantar, onde se possa
colher. E o caminhão vem trazendo, para favelas e para mocambos, cangaceiros e
místicos frustrados.
Já mandei
minha mulher,
que se foi com
meus filhinhos,
de retirada
pr'onde chove,
nem que seja
um bocadinho.
Vieram para
trabalhar num mundo que não é o deles. É a terra tão cobiçada, a floresta de
cimento armado, tão dura e tão fria... E ele olha para cima, sem saber que é
pequeno demais para viver.
Nas fábricas:
"Não aceitamos favelados".
O gado berra,
o caboclo grita,
que já não
aguenta mais,
até o aboio de
seu peito,
já não é como
o de atrás.
Se aceitassem
já seria difícil. Eles não têm mão-de-obra especializada, e além disso... êles
são favelados. São párias da sociedade. São fracos... são sertanejos e
estão sós neste mundo que não é o seu. Tudo que deixaram pra trás, foi um chão
duro, que mesmo assim dava milho, dava feijão e... o gado vivia. Era só poder
ficar... Era só poder viver ... mas no sertão tudo endureceu.
Árvores
secas... mortas,
terra rachada;
muitos vão de arribada.
Coração seco;
caboclo sem aboio.
Tudo isso é o
sertão; terra abandonada.
O sertão de
pedra no chão, virou pedra de cimento armado, e êle ficou só...
...Só numa
luta que apenas ele tem dentro de si, uma luta de que ninguém quer
compartilhar. Hoje, em plena era espacial, chegamos à dura conclusão de que o
sertão continua na mesma miséria. Sua lavoura ainda é feita com os mais
incipientes meios.
Não
experimentou ainda a melhoria da técnica na agricultura, e o sertanejo ainda
olha para os céus, pedindo à "chuva que nos acuda". Ao homem da
cidade, essa espera pode parecer uma inércia, o que não corresponde à verdade.
O sertanejo não pode esperar outra coisa a. não ser a chuva... Sem ela, não há
plantação e, conseqüentemente, haverá fome. Daí ele aceitar, tranquilamente, os
fenômenos sobrenaturais. O misticismo passa a ser, assim, a fôrça-maior no
sertão.
E que fôrça
poderia ele esperar numa região onde não existe o mínimo de garantia? Com a
seca vem a tragédia para o camponês. O coronel despede os empregados, para que
seu gado não morra de fome. O gado do coronel precisa pastar na rocinha de
milho e feijão, que até então pertencia ao empregado.
O sertanejo,
de um momento para outro, perde sua roça, que representa sua alimentação, fica
sem teto e sem trabalho, parque nessa época ninguém vai empregá-lo. Isto
acontece hoje, com muita freqüência, e o coronel, senhor absoluto das suas
fronteiras, não encontra qualquer resistência. Muito pelo contrário, êle tem
até ao seu lado o pistoleiro, seu capanga, que é contratado para
"resolver" as diferenças políticas, mas que também pode ser usado
contra "um empregado rebelde".
Na época do
cangaço, era diferente. O coronel temia que um dos seus vaqueiros se
transformasse em cangaceiro, e voltasse para a vingança. A par disso, não se
deve esquecer que todo cangaceiro foi um vaqueiro, e que compreendia muito bem
a submissão imposta ao camponês, pelo coronel. Sabia perfeitamente, que o dono
da terra, na época da seca, negava qualquer alimento ao povo, que comia raiz de
mucumã para sobreviver, enquanto o gado do patrão se alimentava na roça feita
pelo próprio empregado, despejado da terra.
O gado, fonte
de renda para o senhor, servia-se inicialmente, da roça do empregado despedido,
e se a seca continuasse dura, sua alimentação era na base do xique-xique, do
faxeiro e do mandacaru. Isso era trabalho para dois ou três empregados. O
resto, o coronel mandava pra rua. Nessa época de seca, é comum o quadro de
miséria pelas estradas. Homens e mulheres famintos, crianças com barrigas
estufadas, gente morrendo... Filas de retirantes com suas trouxas às costas,
fugindo da terra que os repeliu.
"As
serpentes e os ratos, passeiam pelas estradas e por dentro das casas,
enfurecidos, loucos".
Eles também
não têm o que comer e, se não mordem aquela gente, é porque sabem que não há
mais carne; o pouco que sobra está podre. A poeira nem deixa mais ver as caras;
podem ser pretas ou azuis, que ninguém sabe. É tudo igual. E eles ficam sem ter
uma saída. Se ficam morrem, se vão destroem-se.
Tudo se
arrepia nessa desolação. Até os gravetos se abrem pro céu pedindo perdão. É só
um pouco d'água, e eles podem voltar. A seca em tudo bole, mata tudo de
arrastão. Criança que já andava, volta a engatinhar e fica abobada. A barriga
estufa, a perna afina... é só osso. O coronel sabe disso, mas nunca deu
importância. Ele jamais saiu de sua terra por causa de seca. Este fenômeno
jamais o atingiu pessoalmente.
Os cangaceiros
também nunca sofreram qualquer problema com a seca, porque eles roubavam aquilo
que o coronel negava aos empregados. Lampião, por várias vezes, acudiu o
sertanejo, matando o gado, fosse lá de quem fosse, para alimentá-lo. Lampião
não foi o flagelo do sertão, mas o flagelo dos coronéis.
E o sertão
continua com os mesmos problemas. Muita coisa se pensou em fazer . Muita coisa
se quer fazer. Muito tempo já passou e muita desgraça ocorreu; muita vida foi
ceifada; muita desonra existiu; muita tristeza, muita luta. E muito nordestino
sai de suas terras, muita gente morre de fome. Muito pouco desenvolvimento
aconteceu. Muito pouco se fêz, numa terra tão grande.
O sertão
continua, embora quase desaparecendo na poeira e na chuva. O nordestino sai. O
que aconteceu? Onde está a máquina do progresso? Onde está o desenvolvimento?
Onde estão as escolas? Onde está a vida, se não se pode lá viver? A verdade é
que o coronel de ontem é o mesmo de hoje, com a mesma mentalidade medieval, com
os mesmos costumes, e acreditando ainda na sua prepotência, com o mesmo
orgulho, e representando o maior entrave para o desenvolvimento social,
econômico e político do Nordeste. E o sertão continua a ser a mesma terra castigada,
e o sertanejo hoje é um submisso. Que será do sertão? Como poderá Ele
progredir?
, alto sertão.
Os galhos do
umbuzeiro,
muito triste
meu irmão.
O sertão
talvez progredisse, porque o elemento humano é bom e trabalhador, possuindo
energia suficiente para lutar por seus direitos, por sua terra e família. Se
não o conseguiu, foi tão sómente porque interessava aos poderosos manter o
"status quo", para manter seu "progresso", explorando o
trabalho de muitos, e levando a inércia ao sertão. O desvio de comportamento
dos cangaceiros é uma prova do potencial de energia sertaneja. Representaram,
eles, todo um sentimento de revolta contra a injustiça. Eram homens que não
baixavam a cabeça.
O povo da
terra rachada do sol,
gente velha e
acabada,
pois no sertão
meu irmão,
os jovens vão
de arribada.
"Lá, nas
fazendas de cana, eles apanham de relho na cara, aqui, eu só queria vê isso.
Home que apanha e num reage, num é home não" — disse-me Ângelo Roque,
vulgo Labareda, ex-cangaceiro de Lampião.
Os bodes
berram na caatinga,
pedindo a
chuva do umbú,
meu coração
ressequido chora,
pensando em
quem arribou para o sul.
Mas em 1938,
entra em decomposição o cangaço, movimento armado contra a injustiça, porque a
repressão policial foi maior, e melhor armada, e as estradas possibilitaram a
fuga do sertanejo, que, em vez de matar para ser morto em seguida, preferiu
tentar novas terras ...
Tudo seco no sertão,
chuva que é
bom, não vem não,
esperando o
que Deus quiser,
aguardando uma
motivação...
Em 1940, com a
morte de Corisco, e a rendição de outros chefes como Ângelo Roque e Zé Sereno,
o bando de Lampião deixa a caatinga para passar à História. Agora, quando a
injustiça é ainda praticada pelo coronel, e pelas autoridades, nada resta ao
sertanejo, senão abaixar a cabeça e ficar amôrfo, parado, angustiado. Ou então,
colocar a trouxaria nas costas, e seguir pelas estradas, as mesmas que
extinguiram o cangaço.
...de esperar
os que se foram,
e aguentar
mais um pouquinho,
o sol castigar
o chão,
que se racha
devagarinho.
O sertanejo
parou. Por que não luta mais? Por que se tornou um passivo? Houve alguma
melhora na sua condição de vida? Não há mais abuso do coronel, ou o homem
enfraqueceu? Virou água o sangue do sertanejo? — Não?... Agora, há uma
esperança. Em vez de embrenhar-se na caatinga, fugindo e matando, o melhor é
seguir as estradas à procura de outras terras, onde se possa plantar, onde se
possa colher. E o caminhão vem trazendo, para favelas e para mocambos,
cangaceiros e místicos frustrados.
Já mandei
minha mulher,
que se foi com
meus filhinhos,
de retirada
pr'onde chove,
nem que seja
um bocadinho.
Vieram para
trabalhar num mundo que não é o deles. É a terra tão cobiçada, a floresta de
cimento armado, tão dura e tão fria... E ele olha para cima, sem saber que é
pequeno demais para viver.
Nas fábricas:
"Não aceitamos favelados".
O gado berra,
o caboclo grita,
que já não
aguenta mais,
até o aboio de
seu peito,
já não é como
o de atrás.
Se aceitassem
já seria difícil. Eles não têm mão-de-obra especializada, e além disso... êles
são favelados. São párias da sociedade. São fracos... são sertanejos e
estão sós neste mundo que não é o seu. Tudo que deixaram pra trás, foi um chão
duro, que mesmo assim dava milho, dava feijão e... o gado vivia. Era só poder
ficar... Era só poder viver ... mas no sertão tudo endureceu.
Árvores
secas... mortas,
terra rachada;
muitos vão de arribada.
Coração seco;
caboclo sem aboio.
Tudo isso é o
sertão; terra abandonada.
O sertão de
pedra no chão, virou pedra de cimento armado, e êle ficou só...
...Só numa
luta que apenas ele tem dentro de si, uma luta de que ninguém quer
compartilhar. Hoje, em plena era espacial, chegamos à dura conclusão de que o
sertão continua na mesma miséria. Sua lavoura ainda é feita com os mais
incipientes meios.
Não
experimentou ainda a melhoria da técnica na agricultura, e o sertanejo ainda
olha para os céus, pedindo à "chuva que nos acuda". Ao homem da
cidade, essa espera pode parecer uma inércia, o que não corresponde à verdade.
O sertanejo não pode esperar outra coisa a. não ser a chuva... Sem ela, não há
plantação e, conseqüentemente, haverá fome. Daí ele aceitar, tranquilamente, os
fenômenos sobrenaturais. O misticismo passa a ser, assim, a fôrça-maior no
sertão.
E que fôrça
poderia ele esperar numa região onde não existe o mínimo de garantia? Com a
seca vem a tragédia para o camponês. O coronel despede os empregados, para que
seu gado não morra de fome. O gado do coronel precisa pastar na rocinha de
milho e feijão, que até então pertencia ao empregado.
O sertanejo,
de um momento para outro, perde sua roça, que representa sua alimentação, fica
sem teto e sem trabalho, parque nessa época ninguém vai empregá-lo. Isto
acontece hoje, com muita freqüência, e o coronel, senhor absoluto das suas
fronteiras, não encontra qualquer resistência. Muito pelo contrário, êle tem
até ao seu lado o pistoleiro, seu capanga, que é contratado para "resolver"
as diferenças políticas, mas que também pode ser usado contra "um
empregado rebelde".
Na época do
cangaço, era diferente. O coronel temia que um dos seus vaqueiros se
transformasse em cangaceiro, e voltasse para a vingança. A par disso, não se
deve esquecer que todo cangaceiro foi um vaqueiro, e que compreendia muito bem
a submissão imposta ao camponês, pelo coronel. Sabia perfeitamente, que o dono
da terra, na época da seca, negava qualquer alimento ao povo, que comia raiz de
mucumã para sobreviver, enquanto o gado do patrão se alimentava na roça feita
pelo próprio empregado, despejado da terra.
O gado, fonte
de renda para o senhor, servia-se inicialmente, da roça do empregado despedido,
e se a seca continuasse dura, sua alimentação era na base do xique-xique, do
faxeiro e do mandacaru. Isso era trabalho para dois ou três empregados. O resto,
o coronel mandava pra rua. Nessa época de seca, é comum o quadro de miséria
pelas estradas. Homens e mulheres famintos, crianças com barrigas estufadas,
gente morrendo... Filas de retirantes com suas trouxas às costas, fugindo da
terra que os repeliu.
"As
serpentes e os ratos, passeiam pelas estradas e por dentro das casas,
enfurecidos, loucos".
Eles também
não têm o que comer e, se não mordem aquela gente, é porque sabem que não há
mais carne; o pouco que sobra está podre. A poeira nem deixa mais ver as caras;
podem ser pretas ou azuis, que ninguém sabe. É tudo igual. E eles ficam sem ter
uma saída. Se ficam morrem, se vão destroem-se.
Tudo se
arrepia nessa desolação. Até os gravetos se abrem pro céu pedindo perdão. É só
um pouco d'água, e eles podem voltar. A seca em tudo bole, mata tudo de
arrastão. Criança que já andava, volta a engatinhar e fica abobada. A barriga
estufa, a perna afina... é só osso. O coronel sabe disso, mas nunca deu
importância. Ele jamais saiu de sua terra por causa de seca. Este fenômeno
jamais o atingiu pessoalmente.
Os cangaceiros
também nunca sofreram qualquer problema com a seca, porque eles roubavam aquilo
que o coronel negava aos empregados. Lampião, por várias vezes, acudiu o
sertanejo, matando o gado, fosse lá de quem fosse, para alimentá-lo. Lampião
não foi o flagelo do sertão, mas o flagelo dos coronéis.
E o sertão
continua com os mesmos problemas. Muita coisa se pensou em fazer. Muita coisa
se quer fazer. Muito tempo já passou e muita desgraça ocorreu; muita vida foi
ceifada; muita desonra existiu; muita tristeza, muita luta. E muito nordestino
sai de suas terras, muita gente morre de fome. Muito pouco desenvolvimento
aconteceu. Muito pouco se fêz, numa terra tão grande.
O sertão
continua, embora quase desaparecendo na poeira e na chuva. O nordestino sai. O
que aconteceu? Onde está a máquina do progresso? Onde está o desenvolvimento?
Onde estão as escolas? Onde está a vida, se não se pode lá viver? A verdade é
que o coronel de ontem é o mesmo de hoje, com a mesma mentalidade medieval, com
os mesmos costumes, e acreditando ainda na sua prepotência, com o mesmo
orgulho, e representando o maior entrave para o desenvolvimento social,
econômico e político do Nordeste. E o sertão continua a ser a mesma terra castigada,
e o sertanejo hoje é um submisso. Que será do sertão? Como poderá Ele
progredir?
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