Por Sálvio Siqueira
As coisas no
sertão do Nordeste brasileiro mudaram bastante, como tudo mudou, em toda
localidade, com a evolução dos conhecimentos do homem. Hoje, poucas são as
montarias que vemos usadas pelos catingueiros, nas estradas empoeiradas que cortam
essa vasta região, só vemos as motos servindo-lhes de transporte.
Em vez do pote, há o filtro, o bebedouro e a geladeira. Em vez da moringa, da lata ou do galão, hoje temos a encanação com bombas e motores puxados a combustíveis ou energia elétrica... etc
Naquele tempo, na casa do cantigueiro tinha o pote, a quartinha e poucos canecos, copos, quando tinha para que ele, chegando da lida do roçado, saciasse sua sede. Olhava por vezes seguidas se existiam brasas acesas no fogão a lenha, colocava mais lenha e soprava, e soprava, para avivar o fogo e fazer um café, forte e adoçado com raspa de raspadura.
Quando o “Rei dos Cangaceiros”, já há muito havia atravessado as águas do “Velho Chico” para as terras da margem direita, devido às paragens da margem do lado esquerdo já não serem propícias para suas ações e descanso, escolhe a imensidão do Raso da Catarina como seu maior e mais segurou refúgio.
Os bandos de cangaceiros moviam-se constantemente a pé, usando o caminhar, devido deixar menos rastros e/ou ser mais fácil esconder os poucos que aparecessem, ‘furando mundo’, andando léguas e léguas, diariamente. Nessa constante movimentação obrigatória, eles iam e vinham e, muitas vezes, acabavam as reservas de comida e água que levavam. Faziam o reabastecimento do líquido precioso em pias, tanques, caldeirão, cacimbas, poços, rios, riachos e açudes localizados em diversas propriedades rurais. Às vezes, a rota que escolhiam, ou pela 'pressa' em que se encontravam, não dava para irem em um desses reservatórios naturais. Chegavam às humildes propriedades dos pequenos roceiros, bebiam e reabasteciam seus reservatórios.
Numa propriedade denomina Sabina, tinha uma tapera onde um casal de catingueiros residia. Ele, diariamente cumpria com suas obrigações rotineiras. Ela, do mesmo modo, dava conta das suas obrigações.
Falamos do casal chamado Manuel Teixeira e Lídia. Morada simples, vida simples, porém, eram mais dois heróis que sobreviviam as intempéries constantes do clima semiárido do sertão nordestino.
Certo dia, no despertar da aurora, Manuel, já de pé, e tendo tomado seu simples café, vai ao curral, tira o leite da vaca, ordenha, no cercado solta as criações e entra na mata a procura de madeira seca para servir de combustível para seu fogão a lenha... Sua esposa, Lídia, além de ter começado a preparar o almoço, nesse espaço de tempo, dá de garra ao pano da rodilha, pega a lata e vai buscar água em um barreiro próximo. Às vezes dava duas ou três ‘viagens’ para que o pote ficasse cheio.
Nesse mesmo dia, na metade da manhã, chegam no terreiro do casebre Lampião e
seu bando. Sem nada perguntarem, nem pedirem licença, na maior algazarra
possível, os cangaceiros adentram a choupana e vão direto ao pote.
Lampião se achega devagar e, quando já está bem perto da dona da casa, que tremia
de medo, pergunta:
*“- Quantos canecos a senhora tem na casa?”
*“- Só dois!”
- respondeu Lídia.
*“- Então sai todo mundo e só entra de dois im dois!” – Bradou o chefe para seus comandados.
A turba
obedece e todos saem para o terreiro, retornam de dois em dois para dentro da
pequena moradia. Saciam suas sedes e enchem seus cantis. Abastecidos os cantis
e saciada a sede, o bando de cangaceiros agradece e partem para dentro da mata.
Dois dias após dessa ‘visita’, o casal é surpreendido por outra. Dessa vez tratava-se de uma volante comandada pelo sargento Euclides Flor e, como da outra vez, a casa de Manuel é invadida. Só que, dessa vez, o marido de Lídia é preso e surrado com um galho de Catingueira, árvore nativa da caatinga e bastante resistente, até abrirem-se várias feridas nas costas daquele pobre homem.
“(...)o
sargento Euclides Flor chegou na Salina. A casa de Manuel e Lídia foi invadida.
Manuel foi preso durante alguns minutos. Os soldados pegaram varas de
catingueira verde e açoitaram as costas do roceiro(...)”. (“Lampião em Paulo
Afonso” – LIMA, João
De Sousa. 2ª edição. 2013)
Em determinado
momento na história do cangaço, bastava ter a suspeita para que alguém fosse
tido como coiteiro e levar um sério castigo. Só que, o que poderia Manuel e
Lídia fazer contra o bando de cangaceiros? Nada. A não ser servi-lhes do que
pedissem.
As costas do
catingueiro ficou toda retalhada. Os ferimentos foram tratados com ‘água de
sal’, folhas e compressas com remédio retirado da mata. Aquelas feridas
sararam, as outras, as do sofrimento a da desonra que fora submetido jamais.
Depois da ‘visita’ que fizeram ao casal Manuel e Lídia, a volante segue no rastro do bando de cangaceiros, e vai em direção ao Povoado Tigre. Lá, no Povoado, os soldados assassinam Mané Sinhara e João Evangelista, conhecido por todos pela alcunha de Totó, e a esposa desse último... Nas quebradas do Sertão baiano, próxima ao Raso da Catarina.
Fonte *
“Lampião em Paulo Afonso” – LIMA, João De Sousa. 2ª edição. Revisada e
Ampliada. Paulo Afonso, BA. 2013
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Benjamin Abrahão
O canto do Acauã
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