*Rangel Alves
da Costa
Que ninguém se
sinta moldado no que vai escrito. Mas que o político que assim se amoldar,
sempre haverá tempo de se aproximar um pouco mais daquilo que foi antes de ser
eleito. Do contrário ouvirá: tome aqui seus cinquenta reais.
Senhor
político, muitas vezes o povo necessitado aceita moeda por pura necessidade, e
não por que esteja se vendendo por qualquer tostão. Depois de eleito, que não
se ache descompromissado com a população pelo fato de ter colocado na sua mão o
vil metal. Se esse mesmo povo agora tivesse condições, certamente diria: tome
aqui seus cinquenta reais.
Senhor
político, quem se vende por dinheiro, quem promete voto em troca de cifras, não
é o pobre eleitor, mas aquele que sempre faz da política um meio de vida
vendendo voto que não possui: a dita liderança política, o cabo eleitoral, o
espertalhão surgido a cada eleição. Mas o povo pobre não. Este ser submete ao
dinheiro oferecido para não sentir a dor de um filho chorando por falta de pão
ou pelo quilo disso e daquilo. Mas acaso passe depois na cara, tudo ele fará
para devolver seu dinheiro e dizer: tome aqui seus cinquenta reais.
Senhor
político, ledo engano imaginar que por ter pagado pelo voto já não deve nada
àquele que recebeu para votar. Você pagou pelo voto, comprou o voto, mas não o
poder de administrar afastado do povo. Quando passa a eleição, cada vez mais o
eleito deve respeitar a população como um todo, sem partidarismos ou
perseguições. Ora, foi eleito para administrar em nome e para todos, e não para
amigos, grupinhos e apadrinhados. Agindo assim, difícil não será que qualquer
dia alguém bata em seu ombro e diga: tome aqui seus cinquenta reais.
Senhor
político, apenas pelo fato de ter dado dinheiro em troca de voto não lhe dá o
direito de, já encastelado no poder, negar a importância do povo. Verdade que
as coisas mudam. Antes conhecia o caminho de todos, batia à porta de todos,
oferecia moeda e nota, prometia mundos e fundos. Mas hoje sequer recorda que
aquelas casas empobrecidas e tristes existem, que aquela gente ossuda e faminta
existe, que a pobreza ainda está no mesmo lugar e com a mesma feição. Por isso
que dá vontade de dizer: tome aqui seus cinquenta reais.
Senhor
político, não faz muito tempo que sua casa vivia escancarada à espera de
eleitor, que sua mão vivia estendida e seu sorriso enlarguecido de canto a
outro. Não faz muito tempo que a cada um que chegasse ou encontrasse havia -
mesmo em falsidade - um abraço como se de velho conhecido, um aperto de mão
apertado, uma pergunta sobre o que estava precisando. E por que não agora,
depois de passado o pleito e o seu alcance do poder? De tudo o que foi pago
para que a vitória chegasse, certamente algum troco ainda resta em alguém para
lhe dizer: tome aqui seus cinquenta reais.
Senhor
político, não mande a empregada dizer que não está em casa, não mantenha a
porta fechada, não saia pelos fundos, não passe pela cidade em carro com vidro
fumê, não procure o caminho mais distante do povo, não escolha apenas alguns e
não se afaste dos mais humildes. Não precisa mais dar dinheiro ao povo, é
verdade. O gasto todo foi na conta de ser eleito. Mas hoje precisa gastar muito
mais. Não com seu dinheiro, não comprando a consciência do povo, mas através
dos benefícios que a administração pode gerar para a população. Aí sim, estará
dando riqueza ao povo. Mas do contrário: tome aqui seus cinquenta reais.
Senhor
político, não precisa mais pagar conta de água ou luz, não precisa mais pagar
botijão de gás nem oferecer cestas de alimentos em troca de votos. Sabe do que
o povo carente precisa, sabe do que a população em geral precisa, senhor
prefeito? O povo precisa que a sua administração gere oportunidades, que faça
obras para garantir mão de obra, que traga indústrias para gerar emprego, que
transforme a cidade em povoações em polos de desenvolvimento. Fazendo assim,
livre estará de mais tarde ouvir a raivosa desdita: tome aqui seus cinquenta
reais.
Senhor
político, já não importa mais saber quanto pagou por cada voto ou qual o real
valor de sua eleição. Já não importa saber se se reconhece como o melhor por
ter sido eleito ou se sabe que somente o dinheiro permitiu a vitória. Nada
disso importa mais. Para o bem ou para o mal, foi eleito. Utilizando-se de
meios escusos ou não, mas foi eleito. Mas de qualquer modo saiba que alguém
guardou o dinheiro recebido para depois lhe dizer: tome aqui seus cinquenta
reais.
Senhor
político, há uma música popular dizendo assim: “Não sei se dou na cara dela ou
bato em você, mas eu não vim atrapalhar sua noite de prazer, e pra ajudar a
pagar a cama que lhe satisfaz, tome aqui uns cinquenta reais”, que mais tarde
poderá ouvi-la de outro modo, quando o povo em fúria cantar: pra ajudar a
enriquecer ainda mais, tome aqui seus cinquenta reais.
Escritor
Membro da
Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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