"Caiu-me nas mãos um livro divino, “Cangaceiros”, de Élise Jasmin.
Acariciando
suas páginas lisas e brilhantes, vi surgirem fotos que decifram um pouco do que
pode ter sido a vida de pessoas e animais que o vento levou em meio à aspereza
da caatinga.
De uma das
fotos, próxima a árvores mirradas e sofridas, Maria Bonita olha para a câmara
do fotógrafo Benjamin Abrahão. Sua figura de mulher, sem dúvida a mais
emblemática do cangaço, é de beleza excepcional para a época, qualidade que
deve ter encantado Lampião.
Famosa por sua
coragem e determinação, lá está ela, trajada com um vestido citadino ao invés
das tradicionais vestimentas do cangaço, cabelo alisado com banha cheirosa onde
dois passadores brancos são o maior adorno – tão humana em sua vontade de se
parecer aos habitantes da cidade. Fitando a câmara, seu olhar é de doçura.
Atribuo essa
suavidade em seus olhos ao fato de estar ladeada por dois cães cuja animalidade
paradoxalmente humaniza a atmosfera de rifles, madeiras mortas estendidas no
chão e galhos retorcidos. Farejo carinho no ar que envolve esses personagens.
Um dos
cachorros, de nome Ligeiro, é seu preferido. Com a mão direita a mulher toca
sem peso a cabeça marrom clara, que com ar de beatitude canina encima duas
patas brancas e um focinho escuro, demonstrando visível prazer em encostar-se
nas pernas de sua dona, amiga e espécie de mãe – naqueles cafundós, filhos
humanos não dariam conta de acompanhar o grupo.
A mão esquerda
repousa lânguida sobre o dorso negro de outro cão, Guarani, que no momento do
disparo da máquina, se vira para Lampião. O movimento em direção a esse rei das
cartucheiras, punhais e fuzis é tão independente e real que sua cabeça fica
registrada na foto como algo impreciso, ligeiramente fora de foco. O animal dá
a impressão de um moto-contínuo reproduzindo exaustivamente a vida daquele
instante na guinada eternizada.
Em outras duas
fotos sequenciais, vejo o bando de Corisco, armado até os dentes em evidente
pose. Apenas a cadela não posa. Sua naturalidade, para quem está em primeiro
plano, contrasta com o da fileira quase militar das pessoas ao fundo.
Na primeira
foto, ela olha para a câmara com seu corpo branco manchado de negro como negra
é a máscara que possui ao redor dos olhos. Na segunda, olha para o bando como
se a presença do fotógrafo, tão ilustre naquela região desolada e espinhenta,
não tivesse tanta importância quanto a dos “seus”.
Em mais uma
fotografia, Corisco apresenta-se em posição clássica de sentido ao lado da
mesma cadela. Esse homem cuja única linguagem parece ser a da violência, tem
sua inscrição na história amenizada pelo amor dessa cachorra por seu
relampejante ser-humano-corisco. Ela o tem como o chefe do bando, e ele,
curiosamente ao ser o local tão árido, a chama de Jardineira.
Jardineira
surge assim como a antítese da morte em meio ao mato seco, representando a
beleza e poesia que os cães, com seu companheirismo, independente de quem
somos, tão bem nos sabem outorgar."
In www.metro.org.br/eulalia/o-cangaço-e-os-caes
Texto de Eulália J. Poblet.
Livro da francesa Eliise Jardin: "Cangaceiros", onde consta a foto aqui incluída.
OBS: Há muitos livros que falam sobre os cães no Cangaço.
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1068816409930764&set=gm.1481883035158143&type=3&theater
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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