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sexta-feira, 28 de julho de 2017

SEU BRIÓ E AS COISAS BOAS DA VIDA

*Rangel Alves da Costa

Brionício da Santidade de Jesus. Eis o nome do sertanejo mais conhecido por Seu Brió. Já nos idos dos oitenta, porém ainda no porte da velha umburana de cheiro, não queria outra coisa na vida senão viver. E vivia.
Quando perguntado pela idade, logo respondia que já mais de oitenta vaga-lumes. E por que vaga-lumes, Seu Brió? Indagava o visitante, ao que ele logo respondia: Quando o candeeiro da mata não mais se acende no breu é porque desiluminou ou já morreu.
Todos esses anos vivendo no mesmo lugar. E agora sozinho desde que sua Mariinha um dia deixou o fogão de lenha em brasa e foi fazer o café do Senhor, lá em riba. Foi chorar escondido, perto da catingueira e mais adiante, debaixo de portentoso umbuzeiro.
O mesmo umbuzeiro onde um dia, ainda rapaz moço, avistou uma tufada de gente assentada pra descansar. Ao se aproximar devagarzinho, pé ante pé, quase acocorado em meio aos tufos do mato, deu de frente com homens armados até os dentes. Eram os cabras de Lampião, parte do bando ali de passagem apressada.
Depois disso nunca mais se deitou debaixo do sombreado ao entardecer. Tinha receio de ser acordado por aqueles homens de pouco sorriso e valentia demais. Não era medo não, mas o que ouvia dizer sobre os cangaceiros e volantes deixava qualquer um de cabelo em pé. E ele era novo demais para morrer.
O seu negócio era viver. E sempre viveu na maior simplicidade do mundo, desde a sua moradia. Não trocava seu casebre de cipó e barro por qualquer outro tipo de casa, muito menos na cidade. Se Seu Brió não gostava de alguma coisa era ir até a cidade. Tudo fazia pra não botar o pé na estrada em dia de feira.
Casinha simples, humilde, parecendo mesmo estar num mundo muito mais antigo. Fogão de lenha, panela de barro, frigideira de fritar ovo com toucinho, de preparar tripa e bucho pra comer com cuscuz, pote em cima da trempe na cozinha, moringa na janela ou em riba da mesinha de madeira tosca.
Quando forçado ir à feira, de lá retornava trazendo fumo de rolo, um litro de cachaça com casca de pau e sempre uma garrafa de vinho de jurubeba. Esta era guardada para algum visitante que aparecesse. O restante era consumido no dia a dia da solitária, porém feliz, vida.
Pinicava o fumo, miudinho do mais miudinho, depois juntava um tantinho na palha de milho seca, passava tudo pelo lábio molhado para fechar, em seguida acendia já se encaminhando para a malhada, para o meio do tempo, de onde permanecia divisando os horizontes e as distantes nuvens de chuvarada. Era difícil avistar uma nuvem boa, prenhe.
A cachacinha apenas de vez em quando. Uma talagadinha só e já se dava por satisfeito. Deitava um tiquinho no copo antes de colocar sobre o prato de estanho o arremediado do meio-dia. Comida pouca, quase nada. Gostava de fazer feijão com carne do sol por que demorava mais, e bastava dormir fervido para estar bom no outro dia.
Outro tantinho de cachaça quando chegava o entardecer e logo a paisagem sertaneja tomava um encantamento sem igual. Nunca se cansava de admirar aquela magia divina, aquela força estranha que ia acendendo candeeiros pelos horizontes, entre as nuvens, para depois a tudo esturricar e ter a lua grande chegando. E quanta saudade, quanta recordação!
Dormia em rede armada na varanda, de porta aberta, caçando pedaço de lua enquanto o sono não chegava. No meio da noite, parecia ouvir vozes da natureza, das folhagens, da ventania. Apertava com dois dedos o pavio do candeeiro ali pertinho no tamborete e depois adormecia. E lá fora o seu mundo se refazendo para renascer noutra luz.
Não havia galo a despertar a manhã. Ao primeiro alvorecer, ainda quase na madruga escurecida, e Seu Brió já estava de pé, adiante da malhada, de toco de pau à mão, andando de canto a outro. Um bom dia ao calango, um bom dia ao graveto tombado ao chão, um bom dia ao passarinho.
Depois se sentava na pedra para orar: Senhor Deus sertanejo, que nenhuma porteira se feche, que nenhuma cancela se tranque, que nenhuma estrada seja tomada pelo inimigo. E que vossa mão bondosa sempre abençoe o filho dessa natureza sertão que lhe clama em oração!
Amém, Seu Brió. Amém!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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