Na crônica
“Cangaço” publicada pelo Diário de Pernambuco de 2 de fevereiro de 1935 (número
28), Rubem Braga manifesta posição crítica ao sensacionalismo dos escritores
que exploravam a expectativa do público sobre o cangaço:
Lampião, que
exprime o cangaço, é um herói popular do Nordeste. Não creio que o povo o ame
só porque ele é mau e bravo. O povo não ama à toa. O que ele faz corresponde a
algum instinto do povo. [...] Os métodos de Lampião são pouco elegantes e
nada católicos. Que fazer? Ele não tem tempo de ler artigos do Sr. Tristão de
Ataíde, nem as poesias do Sr. Murilo Mendes. É estúpido, ignorante. Mas se o
povo o admira é que ele se move na direção de um instinto popular. Dentro de
sua miséria moral, de sua inconsciência, de sua crueldade, ele é um herói - o
único herói de verdade, sempre firme. A literatura popular, que o endeusa, é
cretiníssima. Mas é uma literatura que nasce de uma raiz pura, que tem a sua
legítima razão social e que só por isso emociona e vale. (BRAGA, 1964).
Partindo de
argumento próximo ao de Graciliano Ramos, Rubem Braga viu no atentado à
propriedade pelo cangaceiro a razão do “amor do povo ao cangaço”. As
propriedades dos fazendeiros do semiárido podiam ser odiosas para a população,
que competia com vizinhos poderosos pelo acesso aos recursos hídricos das
represas e rios. A relação com as propriedades também era complicada para os
vaqueiros, que eram facilmente iludidos pelos proprietários, sujeitos que se
valiam de algum rudimento de escolaridade para conduzirem os vaqueiros a
aceitarem um acordo desvantajoso pelo seu trabalho.
Independente
do fato de serem os cangaceiros, em termo vulgar, bandidos sem nenhum programa
de poder, vistos “de longe”, do Rio de Janeiro e São Paulo, eles atingiam na
década de 1930 a ribalta de escritores em narrativas ficcionais, reinaugurando
o sertanejo atávico de Euclides da Cunha disposto a medir poder com o governo
dos coronéis remanescentes da Primeira República. Já para o povo da cidade do
Rio de Janeiro, massa semiurbana a que Rubem Braga pertenceu, cujas “emoções”
ele aprendera a descrever, o cangaço causava alguma sensação de liberdade:
Vi um velho
engraxate mulato, que se babava de gozo lendo façanhas de Antônio Silvino. Eu
percebi aquele gozo obscuro e senti que ele tinha alguma razão. Todos os homens
pobres do Brasil são lampiõezinhos recalcados; todos os que vivem mal, comem
mal, amam mal. (BRAGA, 1964, p. 64).
Fonte: Revista
do Instituto de Estudos Brasileiros.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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