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sábado, 28 de março de 2020

RUBEM BRAGA E O CANGAÇO



Na crônica “Cangaço” publicada pelo Diário de Pernambuco de 2 de fevereiro de 1935 (número 28), Rubem Braga manifesta posição crítica ao sensacionalismo dos escritores que exploravam a expectativa do público sobre o cangaço:

Lampião, que exprime o cangaço, é um herói popular do Nordeste. Não creio que o povo o ame só porque ele é mau e bravo. O povo não ama à toa. O que ele faz corresponde a algum instinto do povo. [...] Os métodos de Lampião são pouco elegantes e nada católicos. Que fazer? Ele não tem tempo de ler artigos do Sr. Tristão de Ataíde, nem as poesias do Sr. Murilo Mendes. É estúpido, ignorante. Mas se o povo o admira é que ele se move na direção de um instinto popular. Dentro de sua miséria moral, de sua inconsciência, de sua crueldade, ele é um herói - o único herói de verdade, sempre firme. A literatura popular, que o endeusa, é cretiníssima. Mas é uma literatura que nasce de uma raiz pura, que tem a sua legítima razão social e que só por isso emociona e vale. (BRAGA, 1964).

Partindo de argumento próximo ao de Graciliano Ramos, Rubem Braga viu no atentado à propriedade pelo cangaceiro a razão do “amor do povo ao cangaço”. As propriedades dos fazendeiros do semiárido podiam ser odiosas para a população, que competia com vizinhos poderosos pelo acesso aos recursos hídricos das represas e rios. A relação com as propriedades também era complicada para os vaqueiros, que eram facilmente iludidos pelos proprietários, sujeitos que se valiam de algum rudimento de escolaridade para conduzirem os vaqueiros a aceitarem um acordo desvantajoso pelo seu trabalho.


Independente do fato de serem os cangaceiros, em termo vulgar, bandidos sem nenhum programa de poder, vistos “de longe”, do Rio de Janeiro e São Paulo, eles atingiam na década de 1930 a ribalta de escritores em narrativas ficcionais, reinaugurando o sertanejo atávico de Euclides da Cunha disposto a medir poder com o governo dos coronéis remanescentes da Primeira República. Já para o povo da cidade do Rio de Janeiro, massa semiurbana a que Rubem Braga pertenceu, cujas “emoções” ele aprendera a descrever, o cangaço causava alguma sensação de liberdade:

Vi um velho engraxate mulato, que se babava de gozo lendo façanhas de Antônio Silvino. Eu percebi aquele gozo obscuro e senti que ele tinha alguma razão. Todos os homens pobres do Brasil são lampiõezinhos recalcados; todos os que vivem mal, comem mal, amam mal. (BRAGA, 1964, p. 64).

Fonte: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros.


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