Por Lira Vargas
Passei minha infância ouvindo de minha mãe a história de um cangaceiro de nome Virgulino e de apelido Lampião. Gostava de ouvir, mas tinha medo. Um medo que não sabia definir se era admiração ou raiva.
Na semana Santa em 1990, surgiu à oportunidade de conhecer FAZENDA NOVA em Pernambuco. Fui assistir a PAIXÃO DE CRISTO. Convidada por alguém que fazia parte da guarda do governador. Foi uma comitiva de honra. No ônibus os comentários eram dos mais divertidos possíveis. Os perfumes variavam desde os mais extravagantes e sufocantes aos maus cheirosos. Acomodei-me em um acento e ao saber que a viagem era longa, aproveitei para apreciar a paisagem. A caatinga, as árvores secas compunham o cenário de tristeza, mas de rara beleza. De terra branca a vermelhas de barro, as pedras cinza e o céu tão azul que parecia ter sido pintado há pouco tempo, vez ou outra, pássaros pousavam nos galhos e tinha desde brancos, pretos e coloridos, imaginava seus cantos, tinha certeza que eram fascinantes. A conversa no ônibus variava de gargalhadas a silêncio fúnebre e a roncos dos funcionários cansados de atender aos pedidos das autoridades, aproveitavam para cochilar.
De repente alguém anunciou CARUARU. Vamos comer milho assado, pamonha e tapioca, queijo qualho e caldo de cana. Pareciam que estavam vendendo esses produtos, mas era a alegria de chegar nessa feira. Desci do ônibus um pouco tonta. Aqueles passageiros invadiram a feira, aos feirantes eram apresentados pelos seus funcionários com orgulho “ESSE É O SECRETÁRIO FULANO DE TAL, AQUELE É O GOVERNADOR ESSE É O SUBSECRETÁRIO...e por lá iam as apresentações, orgulhosos dos seus patrões.”. Eu permanecia atenta aos comentários e ria as escondidas. E ia olhando a feira! Nada me atraia a comprar. Via com curiosidade os homens comprar sandálias de couro, com orgulho dizia ESSA É IGUAL DE LAMPIÃO, me arrepiava! Outros pegavam chapéu de couro experimentavam e diziam com mais orgulho IGUAL DO VIRGULINO! Sentia vontade de me esconder. Vai que o espírito desse cangaceiro entrasse em alguém. Ria de meus pensamentos. Retornamos ao ônibus. Eis que os produtos de couro variavam desde chapéus, sandálias, cintos, pulseiras, bolsas e nem sei mais o que. O ônibus se movimentou. Portas fechadas e os perfumes começaram a mudar para arrotos com cheiro de queijo, cachaça, tapioca milhos e sabe Deus o que mais, e o couro! Deus do céu. Encostei o nariz na vidraça na vã ilusão de aspirar ar puro. E começaram as tosses e pigarros e até escarros. E eu sentia um enjoo tipo de gravidez. Que arrependimento! De repente alguém gritou “Motorista, pare o ônibus”. E veio a ordem em tom de sugestão. Vamos guardar as peças de couro na mala, se não quisermos morrer com esse cheiro. Ai! Cheiro de couro e tantas outras mais. Chegamos a Fazenda Nova. Na entrada fiquei pasma! Pensei “será que fui transportada a Jerusalém! Os muros imensos, uma sensação de volta ao passado, um fascínio emocionante. Mas retornei à realidade e percebi todo mundo comprando um banquinho! Credo! Pensei “para que eu quero esse banquinho”. E quando o espetáculo começou, eu era uma das poucas pessoas que não tinha um maldito banquinho. “Agora sei a utilidade do banquinho” Pensei com arrependimento. Sentava no chão a cada ato. Voltei com raiva de mim mesma. O bom foi o espetáculo, tão emocionante, que valeu tudo que aconteceu. E dentro do ônibus! Ah! Banquinhos no chão, no corredor e no bagageiro. A mala reservada para produtos de couro. Lampião deve ter ficado feliz com tanta honraria! Pensei e ri desse pensamento.
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