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sábado, 10 de abril de 2021

ESTRANHA...

Por Antonio Corrêa Sobrinho

"ESTRANHA CONFRATERNIZAÇÃO", publicação do jornal carioca, Correio da Manhã de 06.04.1926, é o texto que trago a seguir, para marcar a passagem dos 95 ANOS da histórica visita do célebre chefe de cangaceiros, VIRGULINO FERREIRA DA SILVA, "LAMPIÃO" ao famoso líder político e religioso do sertão nordestino, PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA, em Juazeiro do Norte (CE).

ESTRANHA CONFRATERNIZAÇÃO

Chegou à Meca do padre Cícero, chefiando um grupo de meia centena de bandidos, o celebérrimo cangaceiro “Lampião”, cuja participação no cangaço daria para escrever já alguns volumes. Diz a imprensa do Ceará que os habitantes da localidade estão alarmados com as novas atitudes belicosas do improvisado cabo de guerra, que, ao contrário do que faria supor a marcha dos acontecimentos, entrou em Juazeiro como em casa amiga...

A cidade do padre Cícero é, como se sabe, o quartel-general das tropas improvisadas para impor, ao sertão, o regime da lei... Lá se encontram, ao que se diz, oitocentos homens em postura de tremenda ofensiva, ainda com os rifles fumegantes das últimas escaramuças empreendidas contra brasileiros. São os esteios da chamada ordem, que desembainharam as suas facas e descarregaram as suas espingardas, quando há pouco formavam nas hostes do generalíssimo Floro Bartolomeu. Oitocentos eram, assim, os representantes da lei que alguns devotados amigos da segurança constitucional armaram para que a defendessem, como se fossem a guarda cívica do direito e da justiça. Subitamente, esses guardas de um sacrário defensores do dogma da moral política, se encontram frente a frente, lado a lado, com uma récua de bandidos, de heróis da tragédia façanhuda, campeões da desordem e partidários extremos da proscrição da lei, cuja conservação seria o seu aniquilamento. Era o momento para que as duas antíteses se repelissem. O choque seria formidável, dada a veemência dos contendores; mas conhecida a superioridade numérica dos representantes da invocada legalidade, não restaria dúvidas sobre o desfecho do encontro: seriam aniquilados os cangaceiros, os bandoleiros, cuja odisseia, escrita com o sangue das suas vítimas, tem revoltado as almas puras do sertão; encontrariam, ali, o seu merecido castigo, o seu fim almejado... Nunca mais a anarquia campearia naquelas paragens; a ordem jurídica, a ordem civil, seriam finalmente restabelecidas nas famílias do sertão.

Mas, contra aquilo que mandaria prever a lógica dos fatos, Lampião, a encarnação da desordem e do latrocínio, alma do crime, foi recebido pelas hostes do padre Cícero, como se volvesse, com os seus facínoras, à casa doméstica após uma campanha sagrada. Mostrou as suas credenciais, entendeu-se com o ex-cura e foi quanto bastou para que aos perigosos bandidos, terror dos sertanejos honestos, se abrissem as portas da cidade sagrada, hoje convertida em fortaleza da lei. Não se movera, contra ele, a polícia do padre Cícero, tão numerosa quanto excelentemente municiada.

Lampião não se dirigiria, seguramente, àquele campo de soldados, improvisados para defender a ordem e as instituições que ele sempre desrespeitou, senão sabendo que aquelas oitocentas carabinas não seriam despejadas sobre os seus companheiros de armas. Se ele procurou o acampamento do padre Cícero, foi por saber que ali encontraria aliados seus... Assim se explica o seu desassombro; assim se compreende o seu cinismo, ostentando uma farda de coronel do Exército, e cercado de um verdadeiro estado-maior. Os facínoras adivinhavam que espécie de acolhimento lhes seria dado... Nem a sua declaração de que havia incendiado uma propriedade rural, uma fazenda na Paraíba, despertou a consciência legalista dos soldados acampados em Juazeiro... Nem a sua confidência de que ia atacar uma cidade importante de Pernambuco, acordou aqueles defensores da ordem e do regímen...

Um dia, quando soprarem outros ventos sobre os horizontes do país, a nação poderá examinar a verdadeira explicação desse fenômeno: um bandido em arma, fardado de coronel do Exército, é recebido dessa forma pelos representantes da chamada organização constitucional. Por ora basta que relatemos os fatos, deixando aos moradores do Nordeste que antevejam os perigos que esses surpreendentes episódios anunciam para a sua paz doméstica...

Correio da Manhã (RJ) – 06.04.1926

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