Por Tomislav R. Femenick - Jornalista
Minha primeira
viagem de avião foi em 1946. Eu e minha mãe fizemos uma viagem fantástica. De
madrugada, tomamos um voo da Cruzeiro do Sul no Aeroporto Santos Dumont, no Rio
de Janeiro, com escala em Vitória, Ilhéus, Salvador, Aracajú, Maceió, Recife,
João Pessoa, Natal e, finalmente, Mossoró, nosso destino final. Tudo era
novidade. No Rio eu estudava interno no Instituto Guararapes, em Lins de
Vasconcelos, então quase zona rural da antiga capital federal. O que me
fascinou foi um fato inusitado para mim: todos os passageiros homens usavam
ternos brancos, gravatas e sapatos pretos. Parecia uma farda.
Como minha mãe
tinha enviuvado recentemente, em Mossoró fomos morar na casa de meus avôs, o
coronel José Rodrigues e Dona Mariquinha. Solteiros lá moravam, também, os meus
tios Mota Lima e José Vicente. Todas as noites eu os via vestir seus ternos
brancos, de linho irlandês S120, calças suas meias Lupo e seus sapatos Fox
pretos, para fazer o footing na Praça Vigário Antonio Joaquim.
As mulheres
usavam mais variedade. Seus vestidos iam da saia e blusa, tradicionais, aos
tubinhos franceses e melindrosas “made in USA”, porém adaptados; menos
apertados e com saias abaixo do joelho. Já os sapatos femininos eram um caso à
parte. Sandálias, só em casa e em convívio amigo. Fora disso, sapatos de salto
alto, por mais incômodos que fossem O importante era seguir o império da moda.
Em determinado
instante, tudo mudou: os hippies impuseram as calças jeans (depois os
estilistas e a indústria delas se apropriaram), as camisetas e os tênis viraram
peças unísseis. E os ternos brancos? “Morreram de morte morrida”.
Daquela época,
somente os saltos altos sobreviveram. As mulheres continuam fiéis a esse
instrumento de tortura. Porém o mais bizarro é que nós, os homens, também os
usamos. Aliás, para quem não sabe, eles foram inventados no século XVI para uso
masculino, para os soldados de exércitos asiáticos. Chegaram e se instalaram na
realeza europeia. Basta ver os retratos dos reis franceses pintados por
pintores famosos.
Mais recentemente,
na segunda metade do século passado, houve uma verdadeira febre em busca de
botas com salto carrapeta, principalmente as fabricadas pela Motinha, uma
indústria paulista, que apresentava um pequeno salto externo e mais uma espécie
de plataforma interna, escondida no calçado. Nos bailes do América era só o que
se via, era uma febre, parece que contagiosa.
Já falei neste
espaço sobre a minha insônia, em média somente conseguia dormir três horas.
Hoje durmo um pouco mais. Lá na minha Mossoró eu tinha um colega da mesma
irregularidade. O meu amigo Rafael Negreiros também dormia pouco e, como
morávamos bem perto, usávamos essas horas para conversarmos. Certa noite
começamos a falar de um fato que dominava as conversas da cidade: um amigo
comum que havia sido nomeado para um importante cargo na Prefeitura, só recebia
os subordinados e munícipes com hora marcado e exigia ser tratado por DOUTOR. O
diagnóstico de Rafael foi preciso: “subiu nos saltos altos”.
De lá para cá
sempre que me deparo com alguma arrogância, uma suposta superioridade moral,
social, intelectual ou de comportamento, classifico tudo como o que realmente
é: prepotência, desprezo aos outros, orgulho ostensivo, altivez besta.
Tribuna do
Norte. Natal, 27 abr. 2022
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