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quinta-feira, 28 de abril de 2022

SALTO ALTO É SÓ SALTO ALTO

Por Tomislav R. Femenick - Jornalista

Minha primeira viagem de avião foi em 1946. Eu e minha mãe fizemos uma viagem fantástica. De madrugada, tomamos um voo da Cruzeiro do Sul no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com escala em Vitória, Ilhéus, Salvador, Aracajú, Maceió, Recife, João Pessoa, Natal e, finalmente, Mossoró, nosso destino final. Tudo era novidade. No Rio eu estudava interno no Instituto Guararapes, em Lins de Vasconcelos, então quase zona rural da antiga capital federal. O que me fascinou foi um fato inusitado para mim: todos os passageiros homens usavam ternos brancos, gravatas e sapatos pretos. Parecia uma farda.

Como minha mãe tinha enviuvado recentemente, em Mossoró fomos morar na casa de meus avôs, o coronel José Rodrigues e Dona Mariquinha. Solteiros lá moravam, também, os meus tios Mota Lima e José Vicente. Todas as noites eu os via vestir seus ternos brancos, de linho irlandês S120, calças suas meias Lupo e seus sapatos Fox pretos, para fazer o footing na Praça Vigário Antonio Joaquim.

As mulheres usavam mais variedade. Seus vestidos iam da saia e blusa, tradicionais, aos tubinhos franceses e melindrosas “made in USA”, porém adaptados; menos apertados e com saias abaixo do joelho. Já os sapatos femininos eram um caso à parte. Sandálias, só em casa e em convívio amigo. Fora disso, sapatos de salto alto, por mais incômodos que fossem O importante era seguir o império da moda.

Em determinado instante, tudo mudou: os hippies impuseram as calças jeans (depois os estilistas e a indústria delas se apropriaram), as camisetas e os tênis viraram peças unísseis. E os ternos brancos? “Morreram de morte morrida”.

Daquela época, somente os saltos altos sobreviveram. As mulheres continuam fiéis a esse instrumento de tortura. Porém o mais bizarro é que nós, os homens, também os usamos. Aliás, para quem não sabe, eles foram inventados no século XVI para uso masculino, para os soldados de exércitos asiáticos. Chegaram e se instalaram na realeza europeia. Basta ver os retratos dos reis franceses pintados por pintores famosos.

Mais recentemente, na segunda metade do século passado, houve uma verdadeira febre em busca de botas com salto carrapeta, principalmente as fabricadas pela Motinha, uma indústria paulista, que apresentava um pequeno salto externo e mais uma espécie de plataforma interna, escondida no calçado. Nos bailes do América era só o que se via, era uma febre, parece que contagiosa.

Já falei neste espaço sobre a minha insônia, em média somente conseguia dormir três horas. Hoje durmo um pouco mais. Lá na minha Mossoró eu tinha um colega da mesma irregularidade. O meu amigo Rafael Negreiros também dormia pouco e, como morávamos bem perto, usávamos essas horas para conversarmos. Certa noite começamos a falar de um fato que dominava as conversas da cidade: um amigo comum que havia sido nomeado para um importante cargo na Prefeitura, só recebia os subordinados e munícipes com hora marcado e exigia ser tratado por DOUTOR. O diagnóstico de Rafael foi preciso: “subiu nos saltos altos”.

De lá para cá sempre que me deparo com alguma arrogância, uma suposta superioridade moral, social, intelectual ou de comportamento, classifico tudo como o que realmente é: prepotência, desprezo aos outros, orgulho ostensivo, altivez besta.

Tribuna do Norte. Natal, 27 abr. 2022

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