Por: Rangel Alves da Costa
APRENDENDO EM TUDO
Rangel Alves da Costa
É costumeiro se ouvir que as melhores lições se aprendem em casa e que, portanto, o berço familiar é a melhor escola. Da porta pra fora o mundo é quem ensina tudo e, nas suas linhas tortas, muito mais do que qualquer universidade.
Contudo, mesmo que se considere o valor que possui o conhecimento escolar adquirido, num percurso de datas, fatos e acontecimentos, ainda assim nada se compara, por exemplo, com o saber que se acumula numa simples meia hora de conversa com um velho homem do campo.
Até os professores e estudantes sabem disso, pois muitas das pesquisas só alcançam validade científica com a denominada pesquisa de campo. E isto nada mais é do que o contato com o fenômeno para conhecer realmente suas causas e consequencias.
No centro de pesquisa surgem apenas norteamentos, hipóteses e objetivos de conhecimento. Mas é no contato direto com a população, conhecendo a fundo aquilo que interessa, que se torna possível o conhecimento verdadeiro. Isto porque a verdade está no que é visto e vivenciado e não naquilo que é apenas objetos de suposições.
O laboratório diz que aquela terra não é boa para plantar tal cultura. Mas o teimoso do sertanejo plantou e parece que tudo dá nela e sem rejeição alguma. Daí surgir a necessidade de o pesquisador seguir até lá e tentar descobrir quais são os segredos que aquele rude homem guarda para que aquilo aconteça.
Do mesmo modo, a meteorologia acadêmica diz que não vai chover durante o ano inteiro. Mas o teimoso sertanejo diz que vai chover sim, e muito, verdadeira trovoada, e isto porque olhou o espelho da barra, observou o comportamento das folhagens, viu como os matos estão se balançando.
Daí não ser possível, a bem do verdadeiro conhecimento, abdicar desses professores simples, humildes, inesperadamente encontrados por todos os lugares. Quanto doutorado existe na velha parteira, no caçador, no oleiro, na fateira, no menino que corre no descampado, na velha senhora que nunca entrou numa escola, no matuto analfabeto de pai e mãe, como se diz por lá.
Fora as lendas, crendices e superstições, que estão arraigadas no povo como verdades incontestes, mesmo que o estranho saiba que tudo não passa de uma forma de perpetuar aquela cultura, tudo o mais que é dito e ensinado na vida corriqueira está sempre envolto de grande conhecimento. Basta ver quantas doenças são salvas com apenas um pé de mastruz de quintal.
Se um doutor me disser uma coisa até que posso acreditar, mas se a mesma coisa me for revelada por um sertanejo nunca mais haverei de duvidar. Eis que a sabedoria popular não se baseia na experimentação laboratorial, em cálculos ou teorias, mas sim no convívio com o objeto do conhecimento. E se disser que vai chover trovoada pode esperar que não durará muito para a chuvarada cair.
Menino me diz que sempre tem cobra por perto de umbuzeiro carregado ao amanhecer, que rolinha não faz o seu ninho muito embaixo por causa das serpentes famintas, que mamão ou goiaba já mordido de passarinho não faz mal nenhum, que nem toda madeira serve pra fazer pião, que nem toda bola de gude alcança a mesma velocidade.
Maria me diz que me diz que leite com melancia não faz mal nenhum, que água de moringa dormida ao sereno é um santo remédio para gripe nova, que o chá feito com ervas de quintal não pode ser muito forte nem muito fraco, sob pena de não fazer qualquer efeito, que se o pano de prato secar no varal em menos de dez minutos é porque o tempo está pra chover.
João me diz que cavalo agitado é porque tem coisa estranha por perto, que se o animal não quiser de jeito nenhum seguir adiante numa estrada é porque tem cobra esperando pra dar o bote, que onde não passa revoada de passarinho é porque por perto não tem uma gota d’água, que bicho não uiva por cima dos morros se não houver lua cheia.
Aprendo também, e talvez muito mais, com esse povo, que é o meu povo, porque acredito mais no conhecimento construído no cotidiano do que na ciência forjada.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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