Por: Rangel Alves da Costa
ESSAS PESSOAS DA SALA DE JANTAR
Difícil de se ter uma letra de música mais metafórica e poeticamente sincera do que a composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil em “Panis et Circenses”. Para quem ainda não procurou compreender sua letra, antecipo que é um verdadeiro desabafo contra as pequenezas familiares. E não somente isto...
Muita gente não quer aceitar tal realidade, pois transfere sempre para o lado de fora da casa tudo de ruim que possa lhe acontecer. Entretanto, muitas vezes é no próprio berço familiar, na gene, no sangue, na linhagem hereditária, que estão os maiores empecilhos para a pessoa resolver.
Se importe não – depois será fácil observar se é verdade ou não o que digo -, mas a verdade é que a própria família pode ser a pedra no sapato de qualquer um, quem lhe puxa o tapete, faz de tudo para não sentir a conquista do parente, ignora cada ato e cada ação que porventura seja venturosa.
Muitas vezes, e não é raro isso acontecer, a pessoa pode dar o maior grito com toda força que houver e ninguém não estará nem aí, não se importará um tantinho assim e nem sairá de onde estiver para saber o que está acontecendo. Verdadeiramente o mundo pode cair que os parentes ignoram, desconhecem, se distanciam.
Não precisa sair pela porta da frente para sentir as dores da indiferença, da mesquinharia, da hipocrisia, da falsidade, da ignorância, da arrogância, da distância mesmo estando bem ao lado. Tanto fez, tanto faz, cada um que se vire como possa, como se o mundo da competitividade ali também tenha moradia.
Contudo, o que parece doer mais é ter a certeza que muito disso é fruto simplesmente do materialismo, do pensamento voltado somente para o individualismo, para as coisas que tenham valor e brilho, para a posse, para o enriquecimento. Por conta disso esquecem as pequenas coisas, os pequenos valores nas relações familiares e se desdobram em fingir o sobrenome familiar que carregam.
Porque essas pessoas, tão frias e tão frívolas, se reúnem na sala de jantar tão-somente para contar vantagens, para falar sobre valores, para menosprezar os outros, para mentir, para falsear. E porque tudo acontece na sala de jantar, nada mais importa, nada mais merece consideração, tudo deve ser esquecido. Uma vida assim, como diz a música, se basta em ter e desaparecer. E tudo isso pode ser observado ao pé da letra, como se diz:
“Eu quis cantar/ Minha canção iluminada de sol/ Soltei os panos sobre os mastros no ar/ Soltei os tigres e os leões nos quintais/ Mas as pessoas na sala de jantar/ São ocupadas em nascer e morrer/ Mandei fazer/ De puro aço luminoso um punhal/ Para matar o meu amor e matei/ Às cinco horas na avenida central/ Mas as pessoas na sala de jantar/ São ocupadas em nascer e morrer/ Mandei plantar/ Folhas de sonho no jardim do solar/ As folhas sabem procurar pelo sol/ E as raízes procurar, procurar/ Mas as pessoas na sala de jantar/ Essas pessoas na sala de jantar/ São as pessoas da sala de jantar/ Mas as pessoas na sala de jantar/ São ocupadas em nascer e morrer”.
Quer dizer, por mais que a pessoa faça, mostre que existe e que está ali, ainda assim terá a indiferença da família, daquelas pessoas que só se preocupam com a sala de jantar; por mais que realize, que produza, que consiga vitórias, nada disso terá importância diante dos parentes que só pensam neles mesmos e viver suas vidas para a morte. Não adianta gritar, espalhar perfumes no ar nem tocar a campainha. Com um estranho pode ser diferente, mas com determinado parente não.
Essa música é antiga, passando dos Mutantes a Marisa Monte, porém nunca esteve tão atual. E estará sempre que impere a indiferença nas relações familiares. Os adolescentes, principalmente eles, são fielmente retratados na letra. Quantas vezes eles precisam mostrar aos seus pais que existem, que são pessoas precisando ser ouvidas e entendidas, que precisam de compreensão, afeto e carinho?
Mas é como se fossem gritos silenciosos, roucos, estancados. Os seus pais e parentes não dão ouvidos nem atenção, muito menos carinho e afeto, e mais tarde estarão se perguntando onde foi que erraram. Ora, o erro está na sala de jantar, com as pessoas da sala de jantar...
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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