Por: Rangel Alves da Costa
UM CORPO NU (COM GROSELHA E FRAMBOESA POR CIMA)
E veio o vento voraz, ventania sedenta, passagem intencional na sua sede açoitada, alcançando o seu corpo quando espalhava a roupa no varal. Na frágua que fez, de súbito o vestido fininho, folgado, não se susteve, subiu pelas ancas, alcançou os ombros, chegou ao rosto, depois se desfez em pedaços e os retalhos de panos se espalharam pelo ar.
Fiapos pela atmosfera, restos de roupa bailando ao vento, restando apenas um corpo nu. E tudo nu pelo corpo. Como gostava de tomar banho no riachinho só com o leve vestido encobrindo suas atraentes e belas formas, naquela manhã não usava por baixo nem sutiã nem a calcinha de renda.
Completamente nua, ao invés de correr para um abrigo qualquer, colocou as mãos sobre as ditas vergonhas e gritou pedindo socorro. Ora, mas por ali, àquela hora da manhã, só estavam o passaredo, a mataria mais adiante, as árvores frutíferas e pequenos animais zanzando de lado a outro. E o vento que zunia sem querer ir logo embora.
E também um vizinho, amigo da moça desnuda, que toda manhã colhia amoras, morangos, framboesas, maçãs e groselhas para a gula dos mais ricos. Pobre rapaz, vivendo do pomar familiar, trabalhando a terra e dela tirando todo o fruto do sustento próprio e dos seus. Ela sabia que mais tarde ele chegaria para oferecer a fruta mais doce e mais bonita da manhã, porém não teve tempo nem de receber nem de saborear.
A força do vento entrecortava os rogos, mas ainda assim o jovem correu naquela direção, com o cesto dos frutos colhidos à mão, e se deparou com a nudez paradisíaca. Somente de calça, vez que não colhia frutas de vestes completas, se viu sem qualquer pano que pudesse encobrir a nudez da mocinha.
Diante da situação, com um olhar extasiado sobre o corpo e outro tentando enxergar qualquer pano que viesse como salvação, o que momentaneamente lembrou-se de fazer foi colocar o cesto de frutas ao lado dela e sair correndo, desembestado, feito cavalo a galope, em busca de qualquer cobertor para vestir a deusa da manhã.
Parecia voando, levado também pela ventania, deixando sua colheita matinal ali praticamente sem qualquer serventia. O que uma mulher completamente nua, com todas as roupas de cima levadas pelo vento safado, iria fazer para se proteger tendo ao lado apenas um cesto de vime repleto de groselhas e framboesas?
O rapaz entrou na residência apressado e foi logo tentando encontrar qualquer coisa. Sua mãe não estava em casa, não sabia onde encontrar um vestido ideal para levá-lo emprestado até que tudo se resolvesse. Contudo, enquanto procurava o dito pano um pensamento lhe tomou o juízo que quase o cegava completamente. E que pensamento estranhamento bom, inusitadamente confortante.
Como o pensamento impedia de encontrar qualquer coisa, se punha somente a imaginar como ela estaria agora sem qualquer roupa, completamente nua ao sabor do tempo e do vento, uma Eva virginal em seu paraíso. Tão bela, tão linda, tão encantadoramente feminina, e agora ali completamente nua como qualquer homem gostaria de ao menos vê-la um dia.
Estranhamente não pensou em sexo, em possuí-la, em amá-la naqueles descampados da natureza. Sua mente imaginava somente o sentido da beleza refletido naquela mulher, a perfeição das formas e a certeza de que ela era muito mais encantadora do que se imaginaria por debaixo das roupas. Contudo, quase uma imaginação inocente, pura, sem intenção qualquer de ser apelativa nem meramente sexual.
E por que não pensar em sexo, não pensar em aproveitar da situação e tentar seduzi-la por um momento? Não, já havia ouvido falar em estátuas de deusas da beleza, em ninfas da perfeição feminina e em outras entidades do amor e do erotismo, e logo lhe veio a certeza de que aquele fato, aquele corpo nu estranhamente surgido, servia apenas para confirmar a ideia da perfeição que podia ser encontrada numa mulher.
Voando em imaginários impossíveis de se descrever, voltou correndo levando na mão um jarro de flores. Mas por que um jarro de flores se a mocinha precisava mesmo era de um vestido, um pano, um lençol ou cobertor? Porque a imagem daquela deusa o havia feito perder a noção de realidade, alcançando as flores pensando ser uma vestimenta.
Mas não precisava mais. Não acreditou no que viu, mas a bela mocinha, tal qual deusa mitológica da beleza, repousava ao sol com o corpo inteiramente tomado por sucos, cascas e restos de groselhas e framboesas moídas pelas próprias mãos. Do pescoço abaixo escorria um sumo avermelhado de fruta macerada, tudo envolto num sabor estonteante de pomar matinal. E ao sol o corpo parecia uma pintura de artista apaixonado pela mais bela mulher.
E ele ainda ofereceu as flores para ela vestir.
Rangel Alves da Costa
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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