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domingo, 13 de maio de 2012

Mataram Lampião!?

Por: Pedro Rocha - Da Redação

28 de julho de 1938. policiais alagoanos sob comando do tenente joão bezerra deram cabo do homem mais temido na história do sertão nordestino. lampião caiu morto sem tempo para reagir. maria bonita e mais nove cangaceiros também não escaparam do ataque surpresa. setenta anos depois, poucos da época ainda vivem, mas a notícia ainda impressiona

Seu Elias Marques vem caminhando em passos curtos, o corpo 
grande entrevado, as pernas que não agüentam. Vem dos fundos da casa, de frente para um praça em Olho D'Água do Casado, município alagoano próximo às divisas com Sergipe e Bahia. Ele ouve o motivo da visita, e fala com voz grossa e funda: "Tá com 70 anos, tá? Num instante se passa. Setenta anos foi onti". Numa quarta-feira, dia 27 de julho de 1938, ele varava a caatinga sob comando do tenente João Bezerra, delegado da cidade alagoana de Piranhas, à beira do rio São Francisco. Era policial volante de Alagoas, e passava de 20 dias ou mais andando no mato, na cata do homem que então já completava mais de 15 anos na testa do bando de cangaceiros mais temido da história do sertão nordestino. Aos 23 anos, não previa que a aposentadoria estava próxima. Na manhã do dia seguinte, viu: um tiro no tórax, outro no baixo ventre e mais um último na cabeça. Lampião estava caído na Grota de Angicos, a menos de um quilômetro do rio, já na banda de Sergipe. Ao lado, Maria Bonita e outros nove cangaceiros.

Hoje, sem nem mesmo um fuzil que seja da batalha, seu Elias lembra, e tosse. O sereno fez gripe. A saúde é mais a memória, e menos essas dores, no corpo inteiro. Memória das horas escuras, deitado. "Eu já tô quase pra ficar mais ele lá. Dá uma lembrança danada de Lampião. Uma lembrança medonha. Porque eu doente pego a me lembrar. Do que já passou. Do que era bom e era ruim". Naquele dia, estavam na antiga comarca de Pedras, hoje Delmiro Gouveia, quando Bezerra recebeu um telegrama do sargento Aniceto Rodrigues, que estava em Piranhas. A mensagem dizia: "Boi no pasto. Venha urgente".

O vaqueiro da fazenda 
Novo Gosto, Joca Bernardes, havia desconfiado do volume das compras de Pedro de Cândido em Piranhas, que possuía família pequena. Joca, por ser coiteiro (uma espécie de informante e contínuo) do cangaceiro Corisco, sabia das relações de Pedro com Lampião, e decidiu entregar o fato nas mãos do sargento. A razão da delação de Joca teria sido, segundo algumas versões, inveja. Provavelmente por uma amante de Pedro que ele cobiçava.

Aniceto, então, enviou o telegrama. O boi era Lampião. O "pasto" significava que o homem estava pela região. O sargento ainda tratou de despistar os informantes do homem. Gritou pra todo mundo ouvir: a população poderia ficar tranqüila que eles estavam indo para a cidade de Canapi atrás do bando Lampião. Pedro de Cândido teria mordido a isca. Ao chegar em Entremontes, distrito de Piranhas onde morava, cuidou de mandar as compras por seu irmão mais novo, Durval, e repassou o boato. Lampião dormiu tranqüilo. Dispensou os sentinelas.

Enquanto isso, Elias seguiu na volante de João Bezerra para encontrar os soldados de Aniceto e do aspirante Francisco Ferreira de Melo. A estratégia, previsível, foi "apertar" Pedro, que foi obrigado a levá-los ao local exato do coito dos cangaceiros. "Eu tinha medo que só o diabo, quem não tinha medo de um homem daquele. O homem era valente e atirador. Não sei como o homem não me matou em Angicos. Era valente e atirador, o homem não perdia um tiro, o mosquetão dele era falado".

Lampião, segundo o historiador social Frederico Pernambucano de Mello, era um homem caboclo, media 1,80 metros, calmo e bem educado. Falava baixo e era sedutor. Na juventude havia sido vaqueiro, amansador de burro brabo e almocreve, uma espécie de tropeiro que transportava mercadoria pela região. "Era um homem diferenciado. Lampião teve um talento especial para tudo aquilo a que se dedicou". Mas também um homem violento. "A primeira idéia que vinha na cabeça dele era uma pisa pra desconjuntar o sujeito." 

Percurso histórico 

A história também é contada por Alcineide Maria, 22 anos, guia da trilha que, atualmente, leva turistas ao marco histórico das mortes. Ela anda faceira por entre o chão de pedras, como se desfilasse de havaianas na caatinga - verde verde, nessa época. O texto decorado é interpretado com a desenvoltura de quem o repete há dois anos, quando começou a vir pra cá diariamente do povoado onde mora, a mesma Entremontes do já finado Pedro de Cândido. O sotaque é bonito, e a história tem seus clímax dramáticos, como a versão de que Maria Bonita, ao ver Lampião morto, teria se jogado sobre seu corpo, pedido para não ser assassinada ao soldado José Panta, que, anos depois, contou ainda ter a degolado viva. "Muito bem", diz um dos turistas ao fim da esplanação - palmas.

O cangaço, na época, já não vivia seu apogeu de meados da década de 1920. Lampião, com 40 anos, já demonstrava traços de cansaço, sustentando-se, principalmente, da extorsão de dinheiro de coronéis através de bilhetes enviados por coiteiros. "A época dos grandes combates já havia passado, mas eles ainda investiam, principalmente, em subgrupos. Investiam em lugares menores, em cidades pequenas, em fazendas, tinha, por exemplo", diz Amaury Corrêa Araújo, odontólogo aposentado e pesquisador há 59 anos do tema.

Nesse meio tempo, as versões sobre a morte do maior mito nordestino ao lado de Padre Cícero foram se acumulando, na tentativa de cotejar a realidade, enredada num sem número de histórias sobre o homem que, ainda em vida, foi alçado ao olimpo decaído sertanejo, envolto em um cenário contraditório expresso na famosa pergunta: bandido ou herói? Uma imagem que o próprio Virgolino Ferreira também construiu, entre sua profunda discrição no trato com coronéis da região, e sua desavergonhada exposição em trajes coloridos, fotografias na imprensa, entrevistas e até uma película cinematográfica. 70 anos depois ele convive num emaranhado de ditos e destios que põe em xeque esta própria versão apresentada, coligida a partir de alguns fatos mais consolidados. 

APRESENTAÇÃO


Este caderno é sobre um homem que morreu de forma violenta, teve sua cabeça exposta por mais de 30 anos, e, nem assim, conseguiu ser esconjurado. Pelo contrário, virou mito ainda em vida e, desde então, não deixou de acumular narrativas, orais e acadêmicas. Um homem nordestino, profundo conhecedor do sertão desde os tempos da adolescência e juventude, quanto trabalhou como almocreve, percorrendo a região com mercadorias em lobos de burros. Um homem contraditório acima de tudo: algoz de muitos sertão adentro, suas vítimas; mas também figura respeitada por alguns de seus próprios inimigos, por sua honra e coragem, valores fundamentais na época.

Recontar e refletir sobre a morte de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, em 28 julho de 1938, então, é oportunidade de se revisitar episódios com o olhar estranhado doutra época. Mas não só: é também espaço para se pensar aproximações e paralelos com o presente. Este presente que é conseqüência do processo histórico, mas, ao mesmo tempo, constituinte da própria percepção sobre o passado. Nesse percurso, entre o real e o mítico, permanece uma única certeza: ele e o sertão são imensos. 
Pedro Rocha - Enviado a Grota de Angicos
(© O Povo, 19.07.2008)

Extraído do blog: "O Cangaço em Foto", do Dr. Archimedes Marques - Delegado de Polícia Civil no Estado de Sergipe

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