Por: Rangel Alves da Costa(*)
PARA
NÃO CONFUNDIR AS COISAS
Afirmo sempre
que primeiro é preciso conhecer a realidade, sopesar a situação, entender seu
contexto, para depois se intrometer sem correr o risco de agir imprudentemente,
de falar besteira, perdendo uma ideal oportunidade de ficar calado. E tudo para
não confundir as coisas.
Verdade é que
pensam que porque um parente meu tem emprego na prefeitura, é comissionado por
lá, recebe sem fazer nada ou simplesmente exerce a deplorável função de
bajulador, de descarado baba-ovo, de adulador sem-vergonha, tenho que, por
reconhecimento e agradecimento familiar, também me tornar um safado.
Ledíssimo
engano. Cada um responde na medida do que faz, cada um é agraciado com o que
merecer, cada um é dono de seu nariz e de seus atos. Ora, se é submisso,
arrasta-se aos pés pelo emprego, pelo que recebe na moita ou possui apenas
expectativa de arranjar qualquer coisa, então que vá - sozinho ou junto com
pai, mãe e irmãos - pedir voto, bater palmas, segurar bandeira. É grave erro
pensar que todos da família têm de agir da mesma forma, que todos têm de
abençoar a safadeza.
Seria um
absurdo querer tapar o sol com a peneira diante do inegável. Se o candidato é
imprestável, claramente não possui capacidade de administrar, é o pior entre
todos, seria um aberração de repente pretender transformá-lo no melhor do
mundo, no mais confiável e trabalhador, e somente porque um parente meu faz
parte do seu metiê.
Ademais, se o
parente vende a alma ao diabo em busca de proveito atual ou futuro, isso é
problema só e apenas dele. E ninguém venha querer insinuar que uma família
inteira deve votar num candidato somente porque um e outro tiram proveito com a
candidatura. Ao querer vincular a família, seria o mesmo que querer desonrar a
todos em defesa de uma desonra maior ainda.
Citando
exemplos. O proveito que um parente tira bajulando um candidato não se estende
a outros parentes; o que um ganha defendendo a candidatura não é estendido nem
repartido com os demais; aquele que ganha, seja lá quanto for, bota no bolso e
pronto, nem pensa nos outros. O que recebe é por mérito ou desonra sua. Então
por que os outros familiares têm de apoiar o candidato do parente?
Ora, quem
tiver seu nome sujo que limpe, quem rasgou sua roupa que costure, quem comprou
fiado que pague. Ninguém venha nesse momento falar em solidariedade,
compartilhamento ou união familiar porque inegavelmente isso não existe. Quando
querem esculhambar, ferir, macular, nem lembram que são parentes. E muitas
vezes são os primeiros a alardear inverdades e a chegar com quatro pedras na
mão.
Tem gente que
se diz de família, porém só lembra que existe parente nessa hora. E tal
lembrança chega de maneira totalmente contraditória. Se o dito parente, mesmo
enxergando a imprestabilidade do candidato escolhido, se predispõe a alardear
qualidades inexistentes, dizendo que é o melhor, é o máximo, então receberá
mimos e abraços. Mas se fala na cara que sua honra e o seu caráter não permitem
sentir a podridão e dizer que é perfume, então será xingado, achincalhado,
transformado num verme.
Mas talvez
alguns aspectos expliquem porque agem assim. Certamente não sabem que o
indivíduo é um ser único em si mesmo e caracterizado por fatores fundamentais
que o predispõe a ser reconhecido socialmente: honra, caráter, integridade, ser
livre para pensar e agir, procurar sempre preservar-se diante dos chamados
desonrosos do mundo. Se não for assim logo será transformado num alienado, num
submisso, num escravo do novo tempo.
Quando alguém
diz que vou seguir por aquela estrada porque sei o que encontrarei adiante,
deverá sempre ser respeitado nessa decisão. O caminho do homem quem faz é ele
próprio, a cada dia constrói sua condição cidadã e se firma com o
reconhecimento que merecer. Mas basta um ato, um só, para que se transforme num
asqueroso ser. Basta que deixe de fazer o que achar correto para seguir pelo
lamaçal, puxado pelo braço do familiar que já anda de botas longas.
É aquela velha
história. Para salvar alguém, o indivíduo pula na água sem saber nadar. Depois
que o outro está salvo simplesmente vira as costas e segue adiante. Nem olha
pra trás para ver o outro se afogando.
(*)Poeta e
cronista
e-mail:
rac3478@hotmail.com
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