Por: Rangel Alves da Costa*
RETRATO DE
CRIANÇA
Quem visita o
meu blog (blograngel-sertao.blogspot.com), ao percorrer o conteúdo encontrará,
lá no finalzinho, uma junção de fotografias minhas que se entrelaçam. E quase
no cantinho abaixo, em preto e branco, um menino sertanejo chupando um bico
enorme, com o olhar para o mundo, mas certamente sem entendê-lo. Sou eu.
Talvez ali
estivesse um menino feliz da vida, eis que naquela idade não poderia ser
diferente. Espera-se em todo molecote a felicidade e o contentamento. Não sei
bem se seis, sete anos ou pouco mais, mas na plenitude da meninice festiva, da
criança arrelienta, da idade preocupada apenas com o carrinho de brinquedo, as
traquinagens pelas ruas matutas do meu lugar, a vida criança dada por Deus.
Menino de
Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, menino sertanejo, traquina
sergipano, criança amiga da macambira e do preá, da catingueira e da cansanção,
molecote amante dos banhos em dias de trovoadas, cativo amante de tanto sol e
tanta lua. E amigo do cavalo de pau, da velha muito velha que passava
capengando e sempre chamando meu netinho.
Mas olhando
bem a fotografia - e com o peito apertado pelas saudades dos tempos idos -, não
posso deixar de fazer uma observação sobre o eu ali retratado, ou o eu que se
mostra aos olhos do tempo. E contraditoriamente ao que sempre achei que fosse,
aquele retrato mostra um menino de semblante entristecido. Será que eu já era
triste naquele tempo?
Olho-me e me
vejo, sinto não só a infância ali, mas todo o passado. Até esqueço outros
momentos, outros percursos e outras idades, para criar uma distância
imaginária, ponto a ponto, entre o agora e o momento daquela fotografia. E uma
simples constatação: os sentimentos ainda são os mesmos, o filme permaneceu na
criança que já não sou e no homem que ainda insiste em ser menino matuto.
Hoje não
preciso mais de fotografias, apenas refletir no espelho as tantas marcas, os
cabelos de repente com fios de algodão. Mas não posso fugir daquela fotografia.
Nenhum outro retrato me mostra tão completamente, tão verdadeiro, quanto aquele
já amarelado pelo tempo. E não é uma fotografia de corpo inteiro, mostrando o
menino todo cheio de roupas para a pose talvez forçada, mas apenas o rosto de
criança e seus afluentes.
Talvez o
retrato fosse bem maior, completo, inteiro, mostrando a bermudinha e o
sapatinho com meia, mas quando o encontrei num velho e esquecido álbum já
estava desse jeito, recortado, mostrando apenas uma parte de mim. Pensei em
perguntar à minha mãe sobre o resto. Impossível. Ela não está mais aqui. E o
que se mostra é o que me faz imensamente pensativo toda vez que me olho e me
encontro.
Alguns
aspectos retratados são inconfundíveis, no rosto, no cabelo, mas principalmente
na chupeta imensa que tenho à boca. Mentira não, mas só larguei de chupar bico
depois de muito apanhar e muito castigo, e já com cerca de dez anos. Talvez por
isso eu tenha os lábios grossos, salientes, ainda como vestígios de carregar
por tanto tempo um bico na boca.
Contudo, o que
realmente impressiona no retrato é o meu olhar ali fixado. Não creio haver
motivo para a tristeza numa fase tão bonita da existência. Mas ali não há outro
olhar senão o da tristeza. E um olhar apertado, molhado, distante,
verdadeiramente expressando um sentimento profundo. Mas qual, naquela idade?
Olho novamente
a fotografia e digo a mim mesmo que um dia encontrarei a resposta para aquele
instante assim já tão desalentado. Talvez jamais encontre a resposta exata, vez
que nunca deixei de olhar daquele jeito: triste, carregado de realidade. Os
olhos mais cansados, turvos pelos mil sóis nas noites infindas, e de tão
molhados que não mais reconhecem o brilho.
Os olhos são
outros, mas os motivos do olhar são os mesmos daqueles tempos, retratados ali
na fotografia. E por isso sei quem não puder encontrar meu retrato, basta me
encontrar por aí. Os olhos mirando além, e sempre entristecidos, são os meus,
mas também os olhos do menino. E quem procura motivos de alegria sou eu, e para
dar contentamento aos olhos tristes do menino, e que também sou eu.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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