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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Lampião: o Capitão do sertão!


A verdade sobre os sertões

O impacto e a força da impressão que se apodera dos que nele conseguem chegar é inesquecível: o sertão! Um mundão selvagem, estupendo e desconhecido até a penetração dos portugueses no século XVII e esquecido até hoje pelos governos genocidas e homens desnaturados.

A canícula abrasadora e impiedosa, os violentos contrastes de climas excessivos e súbitos, a paupérrima vida de seu povo - marcado pelo signo da incerteza -, a seca influenciando e fatalizando tudo. Terra de cantadores, poetas, vaqueiros, coronéis, devotos, cangaceiros e, sobretudo, gentes muito sofredoras, mas impressionantemente fortes! Suportam o inaturável para a maioria dos habitantes da Terra. É de admirar...

O observador daquelas paragens, inevitavelmente, emudece, hirto, perplexo.

Ardente geografia de um país lento e triste, em latitudes de grandes, fabulosos azuis, gravados em magníficos céus, feitos para silêncios e contemplações perpétuas. País onde o resto do mundo, inclusive o mar-oceano, é apenas pressentido, vagamente sabido, muito além das terras grandes – do Rio de Janeiro, da Bahia, de Roma e de Jerusalém. Longínquo país, a morada dos nordestinos.

Esse chão e sua gente já inspiraram muitas prosas e versos; penetraram nos sentimentos dos espíritos mais sensíveis deixando a marca indelével do sofrimento humano, do misticismo e da resistência!

Não é possível se dar a noção exata do que vem a ser a vida nessa terra chocante chamada sertão. Porém, selecionamos dois de seus filhos mais interessantes e afamados para fazer uma revisão histórica de suas vidas e feitos e assim proporcionar ao leitor uma radiografia fiel de um Brasil por dentro, completamente distinto de todo o restante de nosso imenso país e de qualquer parte do mundo. Assim, por necessidade, dever humanitário e amor à justiça fazemos chegar ao leitor, através deste amplo artigo, a autêntica face de Antônio Conselheiro e do cangaceiro Lampião.

A Humanus vem cumprindo impavidamente o seu papel de trazer à tona verdades históricas ocultadas propositadamente por uma minoria rica de manipuladores e cegamente aceita por uma maioria pobre de manipulados.  Para isso mergulhamos sem pressa numa pacienciosa pesquisa e, obviamente, nos deparamos - mesmo sem querer - com aquela famosa obra considerada prima daquele escritor considerado gigante da literatura e comparado a Miguel de Cervantes e Camões (sic!): Euclides da Cunha, que na opinião de Gilberto Freire não passou de um adulto mal definido que nunca se completou em adulto feliz ou em personalidade madura e integral; neurótico, narcisista e deformador da natureza e dos homens dos sertões, não poderia deixar de receber um merecido espaço nestas páginas da Humanus dedicadas à Verdade sobre os sertões.

Entretanto, nosso estudo também nos conduziu a uns poucos sensíveis e honestos historiadores e escritores, os quais dedicaram grande parte de suas vidas no sentido de contribuir para a história do Brasil por meio de uma fidedigna reconstituição biográfica desses dois homens sertanejos (calcada em estudos sérios e embasada em provas documentais e testemunhais incontestáveis), que tiveram suas imagens totalmente deformadas pelos olhos míopes e sentimentos vis de muitos intitulados “doutores”, “experts”, “autoridades no assunto”, assim como o já mencionado pigmeu alcunhado “Gigante”. Um deles, o Padre Frederico Bezerra Maciel, um verdadeiro historiador, figura na seção Destaque do presente volume por sua singular e corajosa obra.

Portanto, organizamos este artigo em quatro partes: “Euclides da Cunha - Um Embusteiro”, “O messianismo espiritual de Antônio Conselheiro” e “Lampião: o capitão do sertão!”. Estes dois últimos, alvos centrais de nosso estudo, nasceram, viveram, lutaram e morreram no sertão e pelo sertão. Foram degolados. Entregaram-se em holocausto, cada qual à sua maneira, reivindicando de forma corajosa e única no mundo as condições mínimas a que um ser humano tem direito. Na realidade estes ilustres brasileiros são verdadeiros mártires, expoentes máximos da revolução sertaneja que clamou - mas não de forma hipócrita como se faz amplamente hoje em dia - pelos direitos humanos de honra, justiça e dignidade.

Apresentamos doravante algo que substitui a imprimidura desnaturada, desfeiteada e falseada pelos algozes de nossa brava gente brasileira através dos meios de comunicação e obras de lixeratura. Apesar de não fazermos expectativa de que essa longa e maravilhosa história possa despertar o adormecido espírito de ação, justiça e heroísmo que, com certeza, existe no recôndito e mais profundo do ser de cada um, não abandonamos, nem por um momento, o nosso trabalho porque não buscamos fiéis nem infiéis, e não contamos com a glória dos homens, com dinheiro ou poder: querendo Deus – como diz Lampião – deixaremos apenas, uma vez mais, registrada a verdade. 


Este Cancioneiro tem, assim, uma pretensão: Há de ser a soma dessas vozes de humildade, coragem, misticismo e solidão, quando cantam os feitos do capitão Virgulino Ferreira da Silva, chamado o Lampião.

Nertan Macedo.

Lampião, certamente, é uma das figuras mais interessantes, geniais, corajosas, criativas e surpreendentes da História!

LAMPIÃO - Virgulino Ferreira da Silva. Compositor, cantor, cangaceiro. Vila Bela, atual Serra Talhada, PE, 07-07-1897 - Angicos, SE, 28-07-1938. Segundo Luís da Câmara Cascudo, Lampião, além de compor, era dançador, criador e divulgador do xaxado, além de cantador de emboladas e sambas (de acordo com pesquisas realizadas por Frederico Bezerra Maciel). Antes de Lampião, não havia música no cangaço. Não havia nem mesmo cangaço no sentido social, somente um ou outro grupo de cangaceiros. Lampião criou um estilo, uma modalidade de música popular sertanejo-nordestina, uma linguagem que chegava a todos naturalmente. Era um lírico que se deslumbrava na contemplação dos cenários da natureza, de uma flor, de um regato, do cheiro da terra molhada, do gotejar de uma bica; as coisas mais simples e puras da natureza, do canto dolente do aboio. Compunha, era poeta. Criador do xaxado, traduzindo o ruído, rangente ou xaxante, peculiar da pisada das 'apragatas' no chão seco, pedregulhento e de poeira quente dos caminhos do sertão. Sua criação máxima foi o baião 'Mulher rendeira', que se tornou no hino de guerra do sertão (ainda segundo Cascudo, em 13 de junho de 1927 atacou a cidade de Mossoró, RN, com mais de 50 cangaceiros, em pleno dia, cantando 'Mulher rendeira'). 


Tinha 24 anos na época da composição, inspirada no aniversário natalício de sua avó materna, d. Maria Jacosa Vieira Lopes, 'Tia Jacosa', a 15 de setembro de 1921, com o objetivo de homenagear a aniversariante, de profissão 'rendeira'. O período de elaboração é de setembro de 1921 a fevereiro de 1922, tempo entre a deliberação e a apresentação, na fazenda Poço do Negro, município de Floresta, Pernambuco, em 22 de fevereiro de 1922. A natureza musical da obra, o ritmo, é toada-baião. Apresentada por grandes artistas, corais e conjuntos, dominou todas as classes sociais; incluída no filme 'O cangaceiro', e interpretada por Alfredo Ricardo do Nascimento, o Zé do Norte. Teve como intérpretes renomados musicistas, destacando-se, entre eles, Michel Legrand e Pierre Dorsey. Lampião não conhecia teoria musical; não sabia escrever música. Disse Ventania, um dos cangaceiros do grupo de Lampião: 'Ele inventava a musga com as palavras e adespois ensinava a nóis até todo mundo aprender.' Diz o major Optato Queirós: 'No começo da vida revelou-se Virgulino Ferreira um gênio em tudo que pretendeu realizar. Foi ótimo seleiro, currieiro (organizador do curral), agricultor, comerciante, tocador de sanfona, domador de cavalo, afamado vaqueiro, domador de burros bravos de Vila Bela, poeta, almocreve (condutor de bestas de carga), músico, artista, bom tino político e, por último, bom parteiro e enfermeiro.' Lampião tocou raríssimas vezes instrumentos de sopro, como o 'pife' (pífano ou pífaro) e o 'vialejo' (realejo ou gaita de boca). Fez algumas tentativas com a rebeca. Seus instrumentos favoritos eram a harmônica (sanfona de oito baixos) e a viola. De vez em quando tocava violão, pandeiro, ganzá, maraca, triângulo e o reco-reco. Era grande festeiro e usava o recurso psicológico da alegria e da arte, da música e da dança para dominar seu grupo de cangaceiros. Nunca compôs nenhuma música para comercializá-la. Ensinou o xaxado e nos bailes dançava a valsa, marcha, polca, baião, samba-do-sertão, quadrilha (nas festas juninas), mas o que ele mais gostava era do coco-do-sertão, oportunidade em que se soltava no improviso dos repentes e em loas de todas a sorte. Além de 'Mulher rendeira' ('Mulé rendera' na linguagem local), compôs ainda as seguintes músicas: 'Teus lábios', 1915 (hoje perdida), 'Vaqueiro eu sou', 1916 (perdida), 'Escuta donzela', baião, agosto de 1922, 'Ia pra missa', xote, 1923, 'Sabino e Lampião', xaxado, 1924, 'Sangue e justiça', 1925 (perdida), 'É lamp, é Lampião' (chamado de 'O toque de Lampião', considerado o segundo hino de guerra do grupo), 1926, 'Eu não pensei tão criança', baião, 1927, 'Acorda Maria Bonita', toada, 1930, 'Se eu soubesse', toada, 'A laranjeira', baião, 1930.

Lenda-mito e mais incrível e mais magnético que qualquer personagem da mitologia clássica, nórdica ou celta, posto que vivo, vivinho da Silva, esse célebre sertanejo é pintado pelos historiadores com um espantoso furor de linguagem. Só para citar um exemplo, ilustramos o fato com os dizeres de um escritor douto e conceituado que, em menos de dez linhas de estreita coluna de famoso jornal, refere-se a ele como “celerado”, “figura repelente”, “criminoso bárbaro”, “personagem execrável”, e como pessoa de “instinto sanguinário”, que “cometeu assassinatos perversos”, “praticou toda espécie de crimes, violências e atrocidades inomináveis”, “marcando de sangue, luto e horror a história daqueles sertões”.

Em outras penas, não faltaram apelativos como “fera”, “demônio”, “cão dos infernos”, “estuprador”, “ladravaz”, “diabo solto”, “sanguinário frio e implacável” e outros semelhantes cuspidos de farto vocabulário agressivo, injurioso e de baixo calão, com o fim de satanizá-lo de vez e para sempre. E tanto a satanização como o endeusamento (lisonjas, fantasias ridículas...) se apóiam deslavadamente na mentira. Entretanto, o estigma negativo de tais afirmações lançado sobre Lampião é tão forte que se torna difícil acreditar na verdade sobre ele. Por outro lado, sua vida, seu tempo e seu reinado é tão rocambolescamente admirável que também não lhe faltam epítetos como “Rei do cangaço”, “Senhor absoluto do Sertão”, “Sua Majestade, Lampião”, “Imperador do Sertão”, “Rei do Norte”, “Governador do Sertão”, “Gênio em tudo!”, “Homem de palavra”, “Justiceiro”, “Gênio militar”, “General do Brasil”, “Raposa do deserto”, “Bênção do céu”, “Coração bom”, “O coração de ouro maior do Sertão”, “Santo Lampião”, “Protetor dos fracos e socorro dos oprimidos”, “Cavaleiro andante”, “O celebérrimo Lampião”, “Invulnerável”, “Invencível”, “Símbolo das reivindicações sociais”, “Libertador dos homens explorados do sertão imenso”, e ainda a consideração de que “ele era o sertão interim!”. 

Nossa finalidade não é pretender exaltar Lampião com louvaminhas, elogios gratuitos, mas sim, através de fatos rigorosamente apurados - ao longo de trinta anos - e depoimentos de indubitável fidedignidade, recompor-lhe a figura autêntica, escoimada de descaracterizações ou projeções negativas, falsas ou exageradas. Trabalho feito com espírito de observação, objetividade e senso crítico. É a voz da justiça exigida pelo reconhecimento universal da verdade histórica.

Para fechar com chave de ouro nosso A verdade sobre os sertões, não poderíamos escolher outro senão este tema tão empolgante e este herói tão vibrante, perseguido por vinte anos, e finalmente assassinado e degolado, para ilustrar de forma contundente do que a injustiça, a inveja, o orgulho, o ciúme, a perfídia e a traição são capazes!

Extraído do Anuário Cultural Humanus VII - Edição Lampião


http://samaeditora.com.br/artigo-detalhes.php?id=2389

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