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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

HISTÓRIAS DO CANGAÇO – RUMO AO MASSACRE DE ANGICO - PARTE II

Por Anildomá Willans de Souza

(Extraído do livro LAMPIÃO. NEM HERÓI NEM BANDIDO. A HISTÓRIA, de Anildomá Willans de Souza)

Noutra ocasião, desapareceram uns dois ou três bodes do criatório da família Ferreira. E tudo levou a crer que  o autor da estripulia foi um morador da Pedreira,  chamado João Caboclo.

O velho Saturnino foi informado do acontecido mas nenhuma providência convincente foi nesta ocasião devidamente tomada. De tal forma que a situação andava colocando todo mundo a se olharem atravessado, com desconfiança.

Em outro momento, Virgolino em suas viagens como almocreve, comprou em Piranhas, Alagoas, dois chocalhos novos e pôs em seus animais. Zé Saturnino, numa brincadeira de mau gosto, provocou, dizendo que foram roubados. No bate boca que tiveram, o acusador acabou ganhando um apelido nada agradável: Zé Chocaio.

E o pior, o apelido pegou!
Começou mode um chocalho
Essa questão tão antiga
Com José Saturnino
Iniciou-se a intriga
Um debochava de cá
Outro xingava de lá
Assim começou a briga.
(Gilvan Santos)

A partir de futricas como estas os dois clãs começaram a andar na corda bamba.

E aí começaram a aparecer bodes com chifres quebrados, com orelhas cortadas, cavalos castrados, quando as miunças de um entravam na roça do outro, eram mortas.

Um torvelinho tomava conta de tudo.

Entretanto, os dois pais de família sempre conversavam tentando conter o ímpeto dos filhos, que eram quem mais demonstravam rancor.

Certo dia, no apagar das luzes do ano de 1916, num extremo de tarde, os três irmãos mais velhos dos Ferreiras, Antonio, Livino e Virgolino estavam juntando umas reses numa manga, para levar pro curral. Quando passaram dentro da fazenda Maniçoba, também pertencente a Saturnino, escutaram gritos e gargalhadas. Ao olharem, perceberam que era José Saturnino com um grupo de amigos, entre eles, Zé Caboclo, Dionizio Vaqueiro e Paizinho derrubando a mata pra construírem uma casa e quando viram os Ferreiras passando começaram a soltar galhofas.

Não disseram nada.

Foram pra casa e relataram tudo ao pai e não foram mais juntar o gado.

Foi motivo de mais um encontro dos dois chefes de famílias com o intuito de ponderar a situação.

No dia seguinte, do meio pro fim da tarde, os três irmãos, Antonio Rosa e um tal de Luís Gameleira, saíram nas montarias para fazer o serviço que deixara de fazer no dia anterior.

Ao retornarem pra casa, conduzindo o criatório, ao passarem próximo a duas gigantescas pedras, uma sobre a outra, uma bela obra da natureza, nas imediações da fazenda Pedreira, uma emboscada estava pronta, montada por Zé Saturnino e seus homens, Zé Caboclo, Zé Guedes, Tibúrcio, Chico Moraes, Batoque, Olímpio Benedito e seus dois irmãos, Manoel e José.

A reação dos emboscados foi fugir levando Antonio Ferreira com um ferimento não muito grave na região do abdômen.

Depois do caso chocalho
Bastava qualquer asneira
Para haver desavença
Com a família Nogueira
Chegando a brigar armado
Quando saiu baleado
Um da família Ferreira.

Com Antonio baleado
Zé Ferreira disse então
Vamos embora daqui
Antes que aumente a questão
Isso não vai findar bem
Conheço os filhos que tem
Aqui não vai prestar não.
(Gilvan Santos)

Também morreu sua burra de montaria.
Foi o primeiro confronto envolvendo armas.
O desespero tomou conta do Sítio Passagem das Pedras.
No dia seguinte amanheceram em Vila Bella.

O velho José Ferreira, os três filhos e dois amigos, Venâncio e Roberto do Cipó foram direto procurar as autoridades, o coronel Cornélio Soares, Antonio Timóteo e o delegado segundo-tenente Pedro Malta. Nada resolveram. Apenas disseram não quererem se meter em questões de ninguém.

Foram então ao fórum. Deporam ao juiz e este, todo desavexado da vida, após ouvir todo relato, cheio de má vontade, apenas disse:

“- É. Quem tem medo de besouros não assanha o mangangá. Arranje um advogado!”

Procuraram os advogados e rábulas que tinham na cidade, mas nenhum teve disposição de entrar em confronto com a família Saturnino e Nogueira, que eram desdobramentos dos poderosos Carvalhos.

Aqui quero esclarecer aos leitores que por este tempo Zé Saturnino já estava casado com uma moça dos Nogueiras, chamada Maria, filha do fazendeiro João Alves Nogueira, da Serra Vermelha.

Pois bem, então Virgolino foi bem enfático e disse ao pai que agora ia resolver do seu jeito.

Foi então na casa comercial do senhor Pedro Martins e comprou dois rifles e dois mil cartuchos e mandou avisar ao então juiz de direito do 2º ofício de Vila Bella, Dr. Augusto Santa Cruz, que tinha dois advogados de primeira qualidade pra resolver suas causas.

A partir deste momento, a antiga amizade que vinha se deteriorando, passou a ter cheiro de pólvora.

Com a intervenção das autoridades e amigos, é feito um acordo muito estranho, que implicava num certo prejuízo para os Ferreiras, mas, como pensava Zé Ferreira, tudo valia em nome da paz. O acordo era que eles não mais frequentariam a cidade de Vila Bella, e Zé Saturnino deixaria de ir a Nazaré.

Por alguns dias tem-se impressão de sossego entre as famílias. Até que, certo dia de feira Zé Saturnino entra em Nazaré montado em seu cavalo, ladeado pelo cunhado e um cabra, num tom de desafio e rompimento do trato.

Na saída da Vila os  Ferreiras montam uma emboscada, mas Saturnino escapa correndo a pé.

Mais uma vez a família é obrigada a fugir. Agora para o longínquo estado de Alagoas. Vão morar no Sítio Olhos D'água, mais ou menos duas léguas de Água Branca, sertão brabo da Terra dos Marechais.

Alguns dias depois os problemas reaparecem. Através de cartas Zé Saturnino incita o Tenente Zé Lucena, da polícia alagoana, a perseguir e fazer pirraças com aquela família forasteira. Inclusive, segundo Seu Luiz Andrelino Nogueira – antigo escrivão de Vila Bella - estas missivas eram, na verdade, precatórias, redigidas por Antonio Timóteo  - escrivão que fazia as vezes de delegado - acusando os Ferreira de ladrão.

Em meio a tantas preocupações, desgostos e depressões, em consequência dos acontecimentos, morre, de vertigem, Dona Maria, a mãe dos Ferreiras.

Duas semanas depois, Virgolino, Antônio e Livino estavam viajando, tentando retornar seus trabalhos na almocrevia, quando sua casa foi invadida pela volante de Zé Lucena, assassinando friamente o velho  Zé Ferreira.

Os irmãos foram avisados e ao regressarem de viagem, reuniram-se ao redor do túmulo dos pais, no cemitério da paupérrima cidade de Santa Cruz do Deserto e da boca de Virgolino sairam as palavras que nortearia sua vida:

 “- A terra que foi molhada com o sangue de um inocente, a partir de agora vai ser ensopada pelo sangue dos assassinos. Pois vou matar até morrer!”

Procurou matar Zé Lucena, mas teve sua vontade frustrada. Então voltou para sua terra pra matar Saturnino.

Já estava estigmatizado: agora a vida seria uma perpétua luta de morte contra os donos do poder e da lei, contra os “macacos”.

Para os Ferreiras não existia mas lei nem ordem escrita por homens de paletó e gravata, e um eventual código de honra estava previsto para ser adaptado às circunstâncias. Empunhou seu rifle e partiu para a vingança, com vinte e três anos, e, no bando de Sinhô Pereira, demonstrou ser um grande líder.

Seus irmãos também tiveram a mesma sina, sendo que Antônio passou a ser Esperança; Livino foi batizado de Vassoura; Ezequiel, Ponto Fino; e João Ferreira se encarregou de cuidar das irmãs. Maria casou-se com Pedro Raimundo; Angélica contraiu matrimônio com Virgínio, que, infelizmente, com menos de um ano de casamento, enviuvou. Aí entrou no cangaço ganhando o nome de Moderno; Virtuosa casou-se com Luiz Marinho e era quem mais mantinha contato com o irmão; e, enfim, Anália casou-se com Eliseu Norberto.

E assim, durante duas décadas peregrinando, desbravava as caatingas, percorrendo todo o nordeste, saqueando vilas e cidades, invadindo fazendas, dançando xaxado, roubando dos ricos fazendeiros e coronéis e distribuindo com os mais necessitados; cantando a “Mulher Rendeira”; matando quem não obedecesse; sangrando friamente o delator; castrando o traidor… Para uns, o herói; para outros, o bandido; para todos, um cabra macho, honrava cada letra que dizia.

CONTINUA...

http://pontodeculturacabrasdelampiao.blogspot.com.br/2014/01/historias-do-cangaco-rumo-ao-massacre_12.html

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