Por Anildomá
Willans de Souza
(Extraído do
livro LAMPIÃO. NEM HERÓI NEM BANDIDO. A HISTÓRIA, de Anildomá Willans de Souza)
Noutra
ocasião, desapareceram uns dois ou três bodes do criatório da família Ferreira.
E tudo levou a crer que o autor da estripulia foi um morador da
Pedreira, chamado João Caboclo.
O velho
Saturnino foi informado do acontecido mas nenhuma providência convincente foi
nesta ocasião devidamente tomada. De tal forma que a situação andava colocando
todo mundo a se olharem atravessado, com desconfiança.
Em outro
momento, Virgolino em suas viagens como almocreve, comprou em Piranhas,
Alagoas, dois chocalhos novos e pôs em seus animais. Zé Saturnino, numa
brincadeira de mau gosto, provocou, dizendo que foram roubados. No bate boca
que tiveram, o acusador acabou ganhando um apelido nada agradável: Zé Chocaio.
E o pior, o
apelido pegou!
Começou mode
um chocalho
Essa questão
tão antiga
Com José
Saturnino
Iniciou-se a
intriga
Um debochava
de cá
Outro xingava
de lá
Assim começou
a briga.
(Gilvan
Santos)
A partir de
futricas como estas os dois clãs começaram a andar na corda bamba.
E aí começaram
a aparecer bodes com chifres quebrados, com orelhas cortadas, cavalos
castrados, quando as miunças de um entravam na roça do outro, eram mortas.
Um torvelinho
tomava conta de tudo.
Entretanto, os
dois pais de família sempre conversavam tentando conter o ímpeto dos
filhos, que eram quem mais demonstravam rancor.
Certo dia, no
apagar das luzes do ano de 1916, num extremo de tarde, os três irmãos mais
velhos dos Ferreiras, Antonio, Livino e Virgolino estavam juntando umas reses
numa manga, para levar pro curral. Quando passaram dentro da fazenda Maniçoba,
também pertencente a Saturnino, escutaram gritos e gargalhadas. Ao olharem,
perceberam que era José Saturnino com um grupo de amigos, entre eles, Zé
Caboclo, Dionizio Vaqueiro e Paizinho derrubando a mata pra construírem uma casa
e quando viram os Ferreiras passando começaram a soltar galhofas.
Não disseram
nada.
Foram pra casa
e relataram tudo ao pai e não foram mais juntar o gado.
Foi motivo de
mais um encontro dos dois chefes de famílias com o intuito de ponderar a
situação.
No dia
seguinte, do meio pro fim da tarde, os três irmãos, Antonio Rosa e um tal de
Luís Gameleira, saíram nas montarias para fazer o serviço que deixara de fazer
no dia anterior.
Ao retornarem
pra casa, conduzindo o criatório, ao passarem próximo a duas gigantescas
pedras, uma sobre a outra, uma bela obra da natureza, nas imediações da fazenda
Pedreira, uma emboscada estava pronta, montada por Zé Saturnino e seus homens,
Zé Caboclo, Zé Guedes, Tibúrcio, Chico Moraes, Batoque, Olímpio Benedito e seus
dois irmãos, Manoel e José.
A reação dos
emboscados foi fugir levando Antonio Ferreira com um ferimento não muito grave
na região do abdômen.
Depois do caso
chocalho
Bastava
qualquer asneira
Para haver
desavença
Com a família
Nogueira
Chegando a
brigar armado
Quando saiu
baleado
Um da família
Ferreira.
Com Antonio
baleado
Zé Ferreira
disse então
Vamos embora
daqui
Antes que
aumente a questão
Isso não vai
findar bem
Conheço os
filhos que tem
Aqui não vai
prestar não.
(Gilvan
Santos)
Também morreu
sua burra de montaria.
Foi o primeiro
confronto envolvendo armas.
O desespero
tomou conta do Sítio Passagem das Pedras.
No dia
seguinte amanheceram em Vila Bella.
O velho José
Ferreira, os três filhos e dois amigos, Venâncio e Roberto do Cipó foram direto
procurar as autoridades, o coronel Cornélio Soares, Antonio Timóteo e o delegado
segundo-tenente Pedro Malta. Nada
resolveram. Apenas
disseram não quererem se meter em questões de ninguém.
Foram então ao fórum. Deporam ao juiz e este, todo desavexado da vida, após ouvir todo relato, cheio de má vontade, apenas disse:
“- É. Quem tem medo de besouros não assanha o mangangá. Arranje um advogado!”
Procuraram os
advogados e rábulas que tinham na cidade, mas nenhum teve disposição de entrar
em confronto com a família Saturnino e Nogueira, que eram desdobramentos dos
poderosos Carvalhos.
Aqui quero
esclarecer aos leitores que por este tempo Zé Saturnino já estava casado com
uma moça dos Nogueiras, chamada Maria, filha do fazendeiro João Alves Nogueira,
da Serra Vermelha.
Pois bem,
então Virgolino foi bem enfático e disse ao pai que agora ia resolver do seu
jeito.
Foi então na
casa comercial do senhor Pedro Martins e comprou dois rifles e dois mil
cartuchos e mandou avisar ao então juiz de direito do 2º ofício de Vila Bella,
Dr. Augusto Santa Cruz, que tinha dois advogados de primeira qualidade pra
resolver suas causas.
A partir deste
momento, a antiga amizade que vinha se deteriorando, passou a ter cheiro de
pólvora.
Com a
intervenção das autoridades e amigos, é feito um acordo muito estranho, que
implicava num certo prejuízo para os Ferreiras, mas, como pensava Zé Ferreira,
tudo valia em nome da paz. O acordo era que eles não mais frequentariam a
cidade de Vila Bella, e Zé Saturnino deixaria de ir a Nazaré.
Por alguns
dias tem-se impressão de sossego entre as famílias. Até que, certo dia de feira
Zé Saturnino entra em Nazaré montado em seu cavalo, ladeado pelo cunhado e um
cabra, num tom de desafio e rompimento do trato.
Na saída da
Vila os Ferreiras montam uma emboscada, mas Saturnino escapa correndo a
pé.
Mais uma vez a
família é obrigada a fugir. Agora para o longínquo estado de Alagoas. Vão morar
no Sítio Olhos D'água, mais ou menos duas léguas de Água Branca, sertão brabo
da Terra dos Marechais.
Alguns dias
depois os problemas reaparecem. Através de cartas Zé Saturnino incita o Tenente
Zé Lucena, da polícia alagoana, a perseguir e fazer pirraças com aquela família
forasteira. Inclusive, segundo Seu Luiz Andrelino Nogueira – antigo escrivão de
Vila Bella - estas missivas eram, na verdade, precatórias, redigidas por
Antonio Timóteo - escrivão que fazia as vezes de delegado - acusando os
Ferreira de ladrão.
Em meio a
tantas preocupações, desgostos e depressões, em consequência dos
acontecimentos, morre, de vertigem, Dona Maria, a mãe dos Ferreiras.
Duas semanas
depois, Virgolino, Antônio e Livino estavam viajando, tentando retornar seus
trabalhos na almocrevia, quando sua casa foi invadida pela volante de Zé
Lucena, assassinando friamente o velho Zé Ferreira.
Os irmãos
foram avisados e ao regressarem de viagem, reuniram-se ao redor do túmulo dos
pais, no cemitério da paupérrima cidade de Santa Cruz do Deserto e da boca de
Virgolino sairam as palavras que nortearia sua vida:
“- A
terra que foi molhada com o sangue de um inocente, a partir de agora vai ser
ensopada pelo sangue dos assassinos. Pois vou matar até morrer!”
Procurou matar
Zé Lucena, mas teve sua vontade frustrada. Então voltou para sua terra pra
matar Saturnino.
Já estava
estigmatizado: agora a vida seria uma perpétua luta de morte contra os donos do
poder e da lei, contra os “macacos”.
Para os
Ferreiras não existia mas lei nem ordem escrita por homens de paletó e gravata,
e um eventual código de honra estava previsto para ser adaptado às
circunstâncias. Empunhou seu rifle e partiu para a vingança, com vinte e três
anos, e, no bando de Sinhô Pereira, demonstrou ser um grande líder.
Seus irmãos também
tiveram a mesma sina, sendo que Antônio passou a ser Esperança; Livino foi
batizado de Vassoura; Ezequiel, Ponto Fino; e João Ferreira se encarregou de
cuidar das irmãs. Maria casou-se com Pedro Raimundo; Angélica contraiu
matrimônio com Virgínio, que, infelizmente, com menos de um ano de casamento,
enviuvou. Aí entrou no cangaço ganhando o nome de Moderno; Virtuosa casou-se
com Luiz Marinho e era quem mais mantinha contato com o irmão; e, enfim, Anália
casou-se com Eliseu Norberto.
E assim,
durante duas décadas peregrinando, desbravava as caatingas, percorrendo todo o
nordeste, saqueando vilas e cidades, invadindo fazendas, dançando xaxado,
roubando dos ricos fazendeiros e coronéis e distribuindo com os mais
necessitados; cantando a “Mulher Rendeira”; matando quem não obedecesse;
sangrando friamente o delator; castrando o traidor… Para uns, o herói; para
outros, o bandido; para todos, um cabra macho, honrava cada letra que dizia.
CONTINUA...
http://pontodeculturacabrasdelampiao.blogspot.com.br/2014/01/historias-do-cangaco-rumo-ao-massacre_12.html
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