Seguidores

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

“O GLOBO”- 17/11/1958 - PARTE XI

Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho

COMO SE FORJA UM CANGACEIRO

VENDETA DIABÓLICA

Excitação de Corisco ao Sentir Aproximar-se a Hora da Vingança – Cerco e Emboscada Para Apanhar o Ex-Delegado – O Esfolamento – Alívio do Celerado Com a Morte do Desafeto

FOI depois da morte de Lampião, alguns anos mais tarde, numa época em que a repressão ao cangaço era forte, que Corisco se deparou frente a frente com Herculano. Ele fora informado de que o ex-delegado estava no arraial de Santa Rosa, no interior da Bahia. Ao receber a notícia, Corisco exultou, e todo o ódio antigo renasceu. Pôs-se a arquitetar um plano para afastar Herculano do povoado. Se quisesse, teria entrado no arraial, pois tinha homens suficientes para a empreitada, mas seu desejo era pegar o desafeto longe de todos. Queria ficar só com ele! Herculano Borges, depois que deixou de ser delegado, comprou uma fazenda e dedicava-se ao comércio de tecidos e quinquilharias. Era um próspero e feliz negociante, nem de leve pensando em Corisco. Sabia, porém, que ele se havia tornado cangaceiro e seu nome era conhecido e temido em todo o Nordeste. Mas ignorava que o ódio daquele menino que ele prendera fosse tão grande, que, passados tantos anos, ainda exigisse vingança. Corisco sabia que Herculano tinha que deixar o arraial e ir para a sua fazenda, que, por sinal, não era muito distante dali. Herculano tinha mulher e filhas à espera, e não poderia demorar-se muito. Era homem do lar e fora ao arraial apenas a negócio. Alguém, porém, talvez insinuado pelo próprio Corisco, foi ao arraial. E contou a Herculano que Corisco sabia estar ele naquele local e cercara todos os caminhos para apanhá-lo e desforrar-se. O homem, ao receber a notícia, apavorou-se, e não sabia o que fazer. Aquelas paragens eram pouco protegidas pelos soldados e ele não poderia contar com auxílio. Desesperado, resolveu apelar para o dinheiro que possuía e mandou que propusessem a Corisco receber dez contos de réis, com a condição de ter passagem livre. A proposta veio até Corisco, que mostrou grande interesse pelo dinheiro e mandou dizer que aceitava. Herculano mandou os dez contos e ele os guardou, mandando dizer que “podia passar”, pois iria embora. O ex-delegado, apesar dos pesares, preferiu ficar no arraial mais dez dias e, já mais tranquilo quanto à partida de Corisco, mandou preparar seus burros com as mercadorias e pôs-se a caminho de casa.

O ENCONTRO

NEM bem meia hora andou, quando se defrontou com Corisco e seu bando. Desnecessário será falar do horror que se lhe estampou nos olhos. Corisco olhou-o seriamente e, na sua cama sádica, disse: “Você está mais velho, Herculano”. O ex-delegado não falava, apenas sorria, atemorizado, e concordava com tudo, isso sem desmontar do burro, que estava seguro por Corisco. O máximo que Herculano conseguia fazer era balbuciar uns monossílabos como “Não..., Sim...” tal como procede um homem acovardado. Mas Corisco se fartou daquilo e em dado momento falou, agressivo: “Desça do burro, Herculano!” O homem obedeceu-o prontamente. E , frente a frente, Corisco perguntou: “Cadê tua coragem, Herculano?” Cadê tua valentia?” E, zangando-se por não obter resposta, deu-lhe uma bofetada que fez Herculano rolar pelo chão: “Tu vais morrer, Herculano!” E mandou que seus “cabras” lhe tirassem a roupa, deixando-o inteiramente despido. Em seguida ordenou que o pendurassem de pernas para o ar, mas com as pernas separadas, em forma de “V”. Cumprida a ordem, Herculano começou a gritar, pedir, implorar por todos e por tudo para que Corisco o libertasse. Sem dar ouvidos, Corisco mandou que lhe amarrassem as mãos chão. A posição das árvores facilitou a tarefa, e tenho para mim que Corisco preparou tudo com antecedência, escolhendo até o local onde agarraria Herculano.

O homem, desespera, berrava sem cessar, pedindo que Corisco não lhe fizesse nada. Ignorava o infeliz que ninguém naquele instante poderia afastar Corisco da ideia de vingança. Ele esperava por aquela ocasião quase vinte anos! Dia e noite Corisco sonhava com aquele momento; portanto, os rogos de Herculano não o poderiam afetar, pelo contrário, davam-lhe mais sabor à desforra.

A VINGANÇA

ERA chegado o grande momento. Corisco sacou de uma faca bem afiada, tipo navalha, preparada com antecedência. Aproximando-se de Herculano, falou: “Para de gritar, Herculano!” E calmamente iniciou sua vingança, que consistia em tirar a pele do homem vivo. Os que assistiram a essa cena disseram que Corisco estava pavoroso, a esfolar o seu desafeto. Todo sujo de sangue, olhar fixo e atento no que fazia, parecia alucinado! Herculano gritava e estrebuchava como louco, e Corisco não parava. Só dizia de quando em vez frases como estas: “Herculano, desgraçado, é por tua causa que eu vivo nesta vida miserável pelo mato, que nem bicho. Foi você que me jogou nesta desgraça, Herculano! Tudo por causa de quinhentos réis que eu já tinha dado ao fiscal, Herculano! E você ainda me deu um pontapé, Herculano! Daqui por diante, Herculano, nunca mais você vai dar pontapé em ninguém! Nunca mais, Herculano! Eu tenho sofrido o diabo por essas caatingas. Herculano, longe dos meus filhos e sofrendo que nem cão leproso. E você é o culpado de tudo! Você não vai dar pontapé em ninguém, Herculano, porque um homem não é cachorro e só se dá com o pé em cão sem dono, Herculano!”

Toda a carnagem de Herculano foi acompanhada de lamentações dessa ordem, e aquele pontapé era a todo instante recordado por Corisco. O suplício durou quase uma hora, e Corisco tomava sempre cuidado para não atingir as partes vitais do corpo de Herculano. Mas quando a resistência do desgraçado se findou e ele morreu, Corisco resolveu esquarteja-lo!

ALIVIADO...

TERMINADA a tarefa, o local ficou semelhante a um matadouro, e Corisco andou pendurando os membros e órgãos de Herculano pelas árvores vizinhas, e a pele, ou grande parte dela, pregou-a no tronco de uma árvore. Quando o bando prosseguiu viagem, ele estava satisfeito, aliviado de uma coisa que lhe pesava barbaramente na consciência anormal: o ódio! Dera caba de seu inimigo, conforme ele queria, fazendo-o sofrer ao máximo. Se houve pecado em Herculano fazer Corisco um cangaceiro e assassino de mais de uma centena de seres humanos, seu castigo foi à altura. Herculano, a meu ver, deveria ter tido uma vida cheia de crueldades, pois o suplício porque passou nas mãos de Corisco foi desses que um indivíduo passa para pagar todos os pecados de uma geração!

Conforme disse anteriormente, Corisco morreu pouco tempo depois, mas os “cabras” que o acompanharam, e mesmo gente da volante, declararam que ele morreu como sempre viveu: matando! Sua coragem jamais arrefeceu e abateu vários soldados antes de tombar morto.

O nome de Corisco, no Nordeste, era odiadíssimo, e todos sabiam de suas crueldades. Uma de suas filhas, infeliz menina de menos de dez anos de idade foi barbaramente torturada por uma família de malvados que a criava e julgava correto vingar os crimes do pai na criança. A pobrezinha ficou pele e ossos, tuberculosa e monstruosa. Há um ditado na minha terra que diz: “Depois da onça morta, todo o mundo bate nela”. Grande verdade...

CONTINUA...

Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo16:45:00

    Excelente matéria caro Mendes, esta do pesquisador Antonio Corrêa COMO SE FORJA UM CANGACEIRO. Estou acompanhando passo a passo.
    Antonio Oliveira - Serrinha

    ResponderExcluir