Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho
COMO SE FORJA
UM CANGACEIRO
VENDETA
DIABÓLICA
Excitação de
Corisco ao Sentir Aproximar-se a Hora da Vingança – Cerco e Emboscada Para
Apanhar o Ex-Delegado – O Esfolamento – Alívio do Celerado Com a Morte do
Desafeto
FOI depois da
morte de Lampião, alguns anos mais tarde, numa época em que a repressão ao
cangaço era forte, que Corisco se deparou frente a frente com Herculano. Ele
fora informado de que o ex-delegado estava no arraial de Santa Rosa, no
interior da Bahia. Ao receber a notícia, Corisco exultou, e todo o ódio antigo
renasceu. Pôs-se a arquitetar um plano para afastar Herculano do povoado. Se
quisesse, teria entrado no arraial, pois tinha homens suficientes para a
empreitada, mas seu desejo era pegar o desafeto longe de todos. Queria ficar só
com ele! Herculano Borges, depois que deixou de ser delegado, comprou uma
fazenda e dedicava-se ao comércio de tecidos e quinquilharias. Era um próspero
e feliz negociante, nem de leve pensando em Corisco. Sabia, porém, que ele se
havia tornado cangaceiro e seu nome era conhecido e temido em todo o Nordeste.
Mas ignorava que o ódio daquele menino que ele prendera fosse tão grande, que,
passados tantos anos, ainda exigisse vingança. Corisco sabia que Herculano
tinha que deixar o arraial e ir para a sua fazenda, que, por sinal, não era
muito distante dali. Herculano tinha mulher e filhas à espera, e não poderia
demorar-se muito. Era homem do lar e fora ao arraial apenas a negócio. Alguém,
porém, talvez insinuado pelo próprio Corisco, foi ao arraial. E contou a
Herculano que Corisco sabia estar ele naquele local e cercara todos os caminhos
para apanhá-lo e desforrar-se. O homem, ao receber a notícia, apavorou-se, e
não sabia o que fazer. Aquelas paragens eram pouco protegidas pelos soldados e
ele não poderia contar com auxílio. Desesperado, resolveu apelar para o
dinheiro que possuía e mandou que propusessem a Corisco receber dez contos de
réis, com a condição de ter passagem livre. A proposta veio até Corisco, que
mostrou grande interesse pelo dinheiro e mandou dizer que aceitava. Herculano
mandou os dez contos e ele os guardou, mandando dizer que “podia passar”, pois
iria embora. O ex-delegado, apesar dos pesares, preferiu ficar no arraial mais
dez dias e, já mais tranquilo quanto à partida de Corisco, mandou preparar seus
burros com as mercadorias e pôs-se a caminho de casa.
O ENCONTRO
NEM bem meia
hora andou, quando se defrontou com Corisco e seu bando. Desnecessário será
falar do horror que se lhe estampou nos olhos. Corisco olhou-o seriamente e, na
sua cama sádica, disse: “Você está mais velho, Herculano”. O ex-delegado não
falava, apenas sorria, atemorizado, e concordava com tudo, isso sem desmontar
do burro, que estava seguro por Corisco. O máximo que Herculano conseguia fazer
era balbuciar uns monossílabos como “Não..., Sim...” tal como procede um homem
acovardado. Mas Corisco se fartou daquilo e em dado momento falou, agressivo:
“Desça do burro, Herculano!” O homem obedeceu-o prontamente. E , frente a
frente, Corisco perguntou: “Cadê tua coragem, Herculano?” Cadê tua valentia?”
E, zangando-se por não obter resposta, deu-lhe uma bofetada que fez Herculano
rolar pelo chão: “Tu vais morrer, Herculano!” E mandou que seus “cabras” lhe
tirassem a roupa, deixando-o inteiramente despido. Em seguida ordenou que o
pendurassem de pernas para o ar, mas com as pernas separadas, em forma de “V”.
Cumprida a ordem, Herculano começou a gritar, pedir, implorar por todos e por
tudo para que Corisco o libertasse. Sem dar ouvidos, Corisco mandou que lhe
amarrassem as mãos chão. A posição das árvores facilitou a tarefa, e tenho para
mim que Corisco preparou tudo com antecedência, escolhendo até o local onde
agarraria Herculano.
O homem, desespera, berrava sem cessar, pedindo que Corisco não lhe fizesse nada. Ignorava o infeliz que ninguém naquele instante poderia afastar Corisco da ideia de vingança. Ele esperava por aquela ocasião quase vinte anos! Dia e noite Corisco sonhava com aquele momento; portanto, os rogos de Herculano não o poderiam afetar, pelo contrário, davam-lhe mais sabor à desforra.
A VINGANÇA
ERA chegado o
grande momento. Corisco sacou de uma faca bem afiada, tipo navalha, preparada
com antecedência. Aproximando-se de Herculano, falou: “Para de gritar,
Herculano!” E calmamente iniciou sua vingança, que consistia em tirar a pele do
homem vivo. Os que assistiram a essa cena disseram que Corisco estava pavoroso,
a esfolar o seu desafeto. Todo sujo de sangue, olhar fixo e atento no que
fazia, parecia alucinado! Herculano gritava e estrebuchava como louco, e
Corisco não parava. Só dizia de quando em vez frases como estas: “Herculano,
desgraçado, é por tua causa que eu vivo nesta vida miserável pelo mato, que nem
bicho. Foi você que me jogou nesta desgraça, Herculano! Tudo por causa de quinhentos
réis que eu já tinha dado ao fiscal, Herculano! E você ainda me deu um pontapé,
Herculano! Daqui por diante, Herculano, nunca mais você vai dar pontapé em
ninguém! Nunca mais, Herculano! Eu tenho sofrido o diabo por essas caatingas.
Herculano, longe dos meus filhos e sofrendo que nem cão leproso. E você é o
culpado de tudo! Você não vai dar pontapé em ninguém, Herculano, porque um
homem não é cachorro e só se dá com o pé em cão sem dono, Herculano!”
Toda a carnagem de Herculano foi acompanhada de lamentações dessa ordem, e aquele pontapé era a todo instante recordado por Corisco. O suplício durou quase uma hora, e Corisco tomava sempre cuidado para não atingir as partes vitais do corpo de Herculano. Mas quando a resistência do desgraçado se findou e ele morreu, Corisco resolveu esquarteja-lo!
ALIVIADO...
TERMINADA a
tarefa, o local ficou semelhante a um matadouro, e Corisco andou pendurando os
membros e órgãos de Herculano pelas árvores vizinhas, e a pele, ou grande parte
dela, pregou-a no tronco de uma árvore. Quando o bando prosseguiu viagem, ele
estava satisfeito, aliviado de uma coisa que lhe pesava barbaramente na
consciência anormal: o ódio! Dera caba de seu inimigo, conforme ele queria,
fazendo-o sofrer ao máximo. Se houve pecado em Herculano fazer Corisco um
cangaceiro e assassino de mais de uma centena de seres humanos, seu castigo foi
à altura. Herculano, a meu ver, deveria ter tido uma vida cheia de crueldades,
pois o suplício porque passou nas mãos de Corisco foi desses que um indivíduo
passa para pagar todos os pecados de uma geração!
Conforme disse anteriormente, Corisco morreu pouco tempo depois, mas os “cabras” que o acompanharam, e mesmo gente da volante, declararam que ele morreu como sempre viveu: matando! Sua coragem jamais arrefeceu e abateu vários soldados antes de tombar morto.
O nome de Corisco, no Nordeste, era odiadíssimo, e todos sabiam de suas crueldades. Uma de suas filhas, infeliz menina de menos de dez anos de idade foi barbaramente torturada por uma família de malvados que a criava e julgava correto vingar os crimes do pai na criança. A pobrezinha ficou pele e ossos, tuberculosa e monstruosa. Há um ditado na minha terra que diz: “Depois da onça morta, todo o mundo bate nela”. Grande verdade...
CONTINUA...
Fonte: facebook
Página: Antônio
Corrêa Sobrinho
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Excelente matéria caro Mendes, esta do pesquisador Antonio Corrêa COMO SE FORJA UM CANGACEIRO. Estou acompanhando passo a passo.
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha