De uma forma
geral, somos, sim, um país de cangaceiros - em todos os sentidos cabíveis na
palavra.
AO FILHINHO de um amigo, menino de seis anos, apelidei de cangaceiro. Ensinei-lhe o refrão de “Muié rendeira” e lhe expliquei, embelezando, que cangaceiro era uma espécie de super-homem valente, resistente à dor, sempre à testa dos companheiros, sempre vencedor. Desde então o menino não mais chorou quando caía e se machucava. Bastava que alguém lhe dissesse: como, um cangaceiro chorando? Era uma verdadeira brecada de pés e mãos. Nada mais eficaz. Um dia, porém, o menino foi ter ao pai, resmungando: não quero mais ser cangaceiro, quero chorar à vontade.
Não deixou entretanto o pequeno de se proclamar cangaceiro, sempre que disso podia tirar vantagem. Beliscava o irmão menor e se era chamado à ordem respondia: cangaceiro é assim... Valia a pena ser cangaceiro para dar pancada, para não fazer manha, não. Se à mesa lhe empurravam cenoura, coisa que detesta, logo declarava com inteira e inabalável convicção: cangaceiro não come cenoura. Cangaceiro come doce. Se quebrava os pés da cadeira à força de arrastá-la pelos corredores com estrepito, e era censurado pela estripulia, a resposta vinha de imediato: cangaceiro monta a cavalo.
Entrem mim e o menino uma grande amizade se cimentou. Amizade feita de dedicação e confiança. Tornei-me “tio” de Pierrot (que assim se chama) e tio Sergio é quem o informa das coisas do mundo e em particular do modo de vida do cangaceiro. Quando o encontro na rua, pois mora perto de mim e vai ao jardim de infância na hora em que costumo sair de casa, vamos comprar chocolate juntos e levo-o comigo para um refresco enquanto engulo meu café. É então que ele indaga dos pormenores mais complicados: Cangaceiro faz pipi na cama? Cangaceiro tem pai bravo? Amarra lata no rabo do gato? Usa estilingue? Joga gude? Cangaceiro tem cofre? A questão do cofre é de grande alcance, porque de uma feita lhe dei cinco francos e como lhe perguntasse, dias depois, o que comprara respondeu desapontado que nada, a mãe guardara a moeda no cofrezinho de barro.
Mas Pierrot anda preocupado. Cangaceiro é um ideal tentador. Só que o papel é de difícil desempenho. “Hay que tener caráter”... Faz pouco vi-o no jardim, agitadíssimo, a jogar pedras nas flores e punhados de terra para o ar. – “Que é isso, cangaceiro? – É para não chorar...” Sim, porque cangaceiro quando “precisa” chorar extravasa o desespero em gestos tresloucados. Pierrot esbandalha canteiros, estraçalha brinquedos e, banguela, cospe palavrõezinhos pelas falhas dos dentes.
Apesar de valente, destemido, estoico, Pierrot tem um urso de feltro de que não se separa à hora de dormir e ao qual conta suas aventuras de cangaceiro. Com quem conversar de coisas sérias? O irmão é pequeno demais, quando às irmãs, todos sabem que mulher não entende disso. Urso sim.
Dirão agora: a que vem o título desta crônica? É que no meu tempo de criança nas escolas da Suíça ninguém tinha a menor ideia do que significava Brasil. Hoje, graças ao cinema de Lima Barreto, Pierrot e seus amiguinhos não ignoram que se trata de uma terra que, além de cobras, aranhas e lagartos dá homens fortes, que não choram e andam a cavalo: os cangaceiros. Já é alguma coisa. Para que encontros intelectuais, exposições de gravadores, concertos, cursos de literatura? A presença do Brasil está assegurada. – S. M.
Fonte:
facebook
Página: Antônio
Corrêa Sobrinho
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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