Por Raul Meneleu Mascarenhas
Tornou-se
comum entre jornalistas e escritores a reprodução de parte de um discurso
desfavorável sobre Virgulino Ferreira da Silva, pernambucano nordestinado no
cangaço, que morreu há 68 anos, em Sergipe (gruta de Angico, município de Poço
Redondo, 28 de julho de 1938.
Tornou-se
comum entre jornalistas e escritores a reprodução de parte de um discurso
desfavorável sobre Virgulino Ferreira da Silva, pernambucano nordestinado no
cangaço, que morreu há 68 anos, em Sergipe (gruta de Angicos, município de Poço
Redondo, 28 de julho). Atribui-se, generalizadamente, a ele a “perversidade” de
marcar com ferro quente o rosto dos desafetos, quando os episódios documentados
dão autoria a Zé Baiano, como registram Ranulfo Prata na primeira edição de
Lampião (Rio de Janeiro: Ariel, 1934) e Frederico Pernambucano de Mello em
Guerreiros do Sol (São Paulo: A Girafa Editora, 2004). Desde o escritor
sergipano, que corre mundo uma foto de uma mulher, negra, marcada no lado
esquerdo do rosto, com as iniciais JB, reproduzida por Frederico Pernambuco de
Mello.
Não se trata
de anomalia comportamental dos cangaceiros de Lampeão. Marcar o rosto com a
brasa do ferro era uma pena antiga, do reino português, que Dom João III, o
piedoso (1521-1557) extinguiu, através do Alvará de 27 de fevereiro de 1523,
mas que voltou a vigorar com as Ordenações Filipinas, conjunto de leis e penas
vigorante durante a ocupação espanhola em Portugal. Diz a lei:
“Mandamos que nenhum cristão, que fosse convertido da Lei dos Mouros à nossa, sendo
forro, nem Mouro forro, de quaisquer partes que sejam, venha, nem entre
nestes Reinos e Senhorios, posto que diga, que vem com intenção de negociar,
sob pena de, sendo eles achado das arraias (limites) para dentro, ser cativo de
quem o acusar, publicamente açoitado, e ferrado no rosto, para se saber como
é cativo, e perderá sua fazenda (bens).”
As motivações
portuguesas para a pena de ferrar o rosto com ferro em brasa são religiosas,
políticas e jurídicas, ainda que no sertão nordestino do Brasil o fundo moral
prevaleça, justificando o uso da pena por integrantes do ciclo do cangaço. Para
as populações assustadas que viveram os anos turbulentos do cangaceirismo, a
pena parecia remédio para certos pecados cometidos pelas mulheres, como cabelo
curto, saia ou vestido curto, que depreciavam a imagem feminina.
Outras leis e
penas, transplantados para o Brasil – Ordenações Manuelinas, Filipinas,
Afonsinas, Leis Extravagantes de D. Duarte – vigoraram tanto tempo que
terminaram folclorizadas pelo uso social. Nas academias ainda ensinam que o
costume é fonte do Direito e que em conseqüência existe um Direto
Consuetudinário. O enunciado tem validade, mas é preciso observar que no Brasil
as Ordenações do Reino vigoraram por tanto tempo que terminaram, em muitos
aspectos, fonte do costume, como no caso do ferro no rosto, como pena.
Outra pena, a
de projetar vingança nos membros da família, quando o desafeto não é
encontrado, frequentou o elenco de práticas dos cangaceiros, capitaneados por
Lampeão. São muitas as estórias que circulam na oralidade, dando conta que ao
não encontrar um adversário que procurava para cobrar dinheiro ou tomar
satisfações, o cangaceiro humilhava, feria ou matava quem encontrasse, que
fosse do mesmo sangue. Em Olindina, antes Nova Olinda e mais remotamente
Mocambo, na Bahia, onde o Conselheiro construiu igreja e cemitério, conta-se
que o grupo de Lampeão obrigou as moças a dançarem a “dança do dedo”, usando os
dedos das mãos, alternadamente, entre a boca e o cu, enquanto a rapaziada
cantava, dando ritmo ao movimento das mãos. Dizia-se, também, que um velho morador
daquele lugar ficou de quarto, recebeu sela, e foi esporado por um dos rapazes
do grupo.
Também se
ouvia dizer que o próprio Virgulino Ferreira da Silva aprendeu ali a tocar
concertina, pequena sanfona de 8 baixos, também conhecida como “pé de bode”,
usada para animar as festas das noites luarentas do Nordeste. Atribuiu-se,
ainda, a Lampeão a frase amando e querendo bem, que parece ter origem numa
sextilha recitada pelo cabra Mariano, depois de uma incursão pela Fazenda
Belém, no município de Porto da Folha:
“Rapazeada de Belém
quando os macacos chegarem
digam que eu vou por aqui
por este sertão além
cantando, gozando,
amando e querendo bem.”
A informação
foi dada no jornal O Rosário, de 30 de outubro de 1936, pelo padre Artur
Passos, que foi vigário de Porto da Folha e conheceu Lampeão e seus rapazes em
Poço Redondo, em 1929.
68 anos depois
de morto, Lampeão vive na memória do povo.
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