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terça-feira, 5 de abril de 2016

CORONEL TIBURCIO TRIBUTINO CAVALCANTI DE BRITO JUNIOR


CHAPADA DO ARARIPE 1923 - CORONEL TIBÚRCIO E O VAQUEIRO CASCA DE BALA


No avarandado alpendre que circunda o velho casarão nos seus 360 graus, castelo da tradicional família do Coronel Tibúrcio de Brito, com as suas paredes grossas, janelas e portas inteiriças,  pequenas,  emolduradas com o mais puro mogno , tabuas de 06 Cms de espessura, travada por trás  por duas tramelas da mesma madeira, com  a bitola da espessura  dobrada,  12X12 cms, casa baixa, telhas vermelhas e sem parapeitos, estrategicamente nos quatro cantos da casa, um batente com dois degraus e logo acima da grossa parede a um metro e meio de altura, um buraco afunilado para a escora dos rifles,  dos bacamartes e para a visão certeira dos potenciais inimigos, os coiteiros e os cangaceiros que amasiavam-se naquelas plagas, dos bandos do Sinhô Pereira e mais tarde do Virgolino Ferreira Lampião, o sanguinário Rei do Cangaço.

Terreiro largo, de barro vermelho esturricado pelo incandescente  sol, vento quente e empoeirado devido os frequentes redemoinhos, calor escaldante e seco, miragem à distância , caatinga acinzentada, estalidos de galhos ressecados a contorcer-se, aqui e ali um calango, um mugir de uma vaca magra, o grito estridente de um rasga mortalha anunciando mais uma morte, o canto triste de anum preto chorando o sofrimento impiedoso, o grunhido  de um  cachorro pé duro,  que descansa  na única sobra do umbuzeiro  a se coçar, e uma nuvem de moscas, mutucas e mosquitos a escapar  nos ferimentos presentes   no maltratado couro do esquelético cão, além  do som de um pequeno chocalho colocado no pescoço do único caprino que escapara naquele arrebol.

- É Coroné Tibúrcio, com este céu azul e sem nuvem num vai ter inverno este ano, será mais um ano de seca e de sofrimento para os bichim da terra.

- Larga de besteira cabra, bota esta boca porca pru lado de lá, ainda ontem eu avistei uma Asa Branca lá pelas bandas do carrasco, fazia mais de dois anos que ninguém nem ouvia falar nelas, tem mais Casca de Bala, eu nunca vi uma seca tão terríve, faz mais de três dias que num passa uma alma penada no meu terreiro, nem um animá perdido, nem um cachorro sem dono.

- É Coroné, os povo todo anda dizendo que lá prus lado do Cariri a coisa anda mió, tá tudim descendo pru Juazeiro,  dixero que o Padim Ciço e o Dr Fuloro Bartolomeu tá acuiendo  os povo, de fome Coroné, lá ninguém morre, pru mode o gunverno tá mandando mantimento duas veis nu méis, agora tem que se alistá, tem que si fichá, dispois entra numa frente de selviço im abertura de instrada, recebe o nome de cassaco  Coroné, cassaco,  cuma si fosse bicho, cuma si fosse um animá, só pru mode num morrê  de fome, num morrê a míngua Coroné.

- Eu num vou mi umilhar por causa deste sofrimento, só dexo minha terra por último, inquanto tiver giquiri, mandacaru, muncunâ, raiz de imbuzeiro, batata de tiú, calango, arubú e xique xique este Coroné num deixa a sua terra, tombém sou filho de Deus, num vou invergonhar meu pai, home forte e de palavra im todos os lajedos deste sertão.

- Coroné, num é por ser fie de Deus qui o sinhô tem que morrê  pur  estas bandas, si o sinhô quisé eu vou inté o Cariri e dispois vorto pra contá o que  si assuscede pur lá.

- Casca de Bala, tô vendo que você tombem quer arribá deste pedaço do mundo , arribe  se quiser, pode se avexar, quando chuver pras bandas de cá pode vortar que vou precisar do seu trabaio.

- Coroné Tibúrcio, eu trabaio cum o sinhô derne os 15 ano, derne o tempo de pai e do véio Coroné  Tiburcio Brito, o sinhô seu pai, já entrei nos 40 ano , nunca vi um tempo tão ruim Cuma esse, si o gunverno num ajudá Coroné, o sertão e toda a serra vai si acabá, arribo amenhã di menhãzinha, eu, a mué e os dois fiim, os dois minino, levo uma cuia de farinha, umas muncunã, dois gavião sargado, três batatas de imbuzeiro, duas batatas de tiú, um taco de bode seco, três cabaças d´agua barrenta, uma meia banda de rapadura e mêi lite de mé, com uma sumana chego no Juazeiro do meu padim, são e vivo, peço logo a sua benção e vou a percura do qui fazê, di fome nós num morre Coroné, di fome nós num ai de morrê.

No oitão da casa, de viva alma, apenas três viventes, o Coronel Tibúrcio Tributino Cavalcanti de Brito Filho,  a sinhá Zizinha, sua sofrida mulher,  e o velho e esquálido cachorro Leão, sem contar com um exército de moscas azuis esverdeadas, mosquitos pretos, meia dúzia de mutucas e uma meia dúzia de anuns agourentos,  estes são desprovidos de alma.

Durante o dia um sol escaldante, um calor infernal, um clima satânico e um céu azul celeste cristalino;  durante a noite,  o mesmo céu  azul salpicado por milhões e milhões de pulsantes estrelas, céu límpido, transparente, sem uma única nuvem e muito frio, a lua parecia mais próxima, parecia abaixo das nuvens, tal era a sua claridade, a visibilidade chegava ao extremo, parecia a continuidade do dia.

O Coronel olha para o céu, vira para velha companheira e humildemente, como um grande pecador,  resmunga quase que gutural.

- É Zizinha, a minha esperança está quaje no fim, me apego naquela Asa Branca que vi na sumana passada, me dixeram que lá prus lado do ôio d’agua avistaram um rebanho delas, inté o vigaro celebrou uma missa de agradecimento, isto me anima Zizinha, isto me anima.

Os dias passam, o coronel e dona Zizinha reiniciam a sofrida, incerta e cambaleante vida, esperam pela morte, pedem por Deus, seja o que for melhor, afinal deve ser castigo, deve ser um corretivo do Senhor.

Em menos de trinta dias, o mundo tomou outro rumo, o céu não tinha mais tantas estrelas, a lua subira para o seu lugar, os redemoinhos deram uma trégua, os vaga-lumes apareceram, a vasilha das pedras de sal começou a marejar, nos cedros do  terreiro cantou o sabiá, surgiu um juriti, voou   uma  arribaçã, duas Asa Brancas e um rebanho de Rolinhas caldo de feijão, no horizonte surgiu a barra, de madrugada o galo cantou, a noite ficou menos  fria, o suor chegou, o cachorro mesmo assombrado, de vez em quando apresentava um latido, a terra serenou, um vento frio soprava do leste durante as manhãs, das folhas dos umbuzeiros caiam algumas gotas de orvalho no nascer do sol, logo ao raiar do dia. 

Numa noite escura, 19 de março, sem o brilho das estrelas e sem o clarão da lua, Deus ouviu o lamento sofrido do Coronel, Deus ouviu o choro solitário da Sinhá Zizinha, os latidos roucos do velho cão e os pedidos da passarada, Deus abriu as torneiras do céu, rasgou o bucho das nuvens e despejando água por cima da ressecada terra Deus resgatou toda a alegria do sertão.

O Coronel abraçado e em prantos misturava-se com a Sinhá Zizinha, a babuja babujou, os pássaros voltaram, o cão latiu, as borboletas chegaram, o cinza sumiu, os sapos coaxaram e aos poucos a vida foi voltando ao normal em todos os esquecidos rincões daquela abençoada chapada nordestina. 

As folhas ficaram verdes, os capins, os sapos, os besouros, os beijas flores e os sanhaçús resolveram encher as capoeiras antes habitadas pelos calangos e pelas cascavéis.

Não se sabe de onde veio tanta força e tanta vida, mas em menos de trinta dias estava lá o coronel Tibúrcio, alegre, radiante, inebriante e altivo   no alpendre do velho casarão a comandar os seus colaboradores, a velha serra sorria diante de tanta beleza.

- Casca de Bala, ajunta os homens, os meninos e as mulheres e vamos plantar, quero todo mundo cantando e de bucho cheio, veja como é rica e sábia a natureza, os barreiros cheios, a terra moiada, os matos verdes e crescendo, os animá afoito e correndo, chei de vida e todos os filhos de Deus alegre, vamos Casca de Bala, vamos agradecer ao Criador.

- É Coroné Tibúrcio, pelo jeito e pela contidade de casamento qui tô veno, neste pé de serra este ano vai nascer é  munto barrigudim, incrusive tá cum cara,  qui vai nascê inté um coronezim, um Tiburcim.

- Casca de Bala  dexa de liutria cabra, Sinhá Zizinha anda sirrindo demais estes dias e dixe que num vai dexá pur menos, já me dixe que quer é gemes, quer logo é dois.

Foi assim o final de uma das maiores secas da minha querida, sofrida, rica e aconchegante Serra do Araripe, no Estado de Pernambuco divisa com o meu Ceará, hoje, um dos maiores celeiros fóssil da humanidade .

Quando chove tudo dá.

Em 1924 aconteceu o maior contraste, a maior cheia de todos os tempos, levando o baiano Gordurinha a compor a obra prima _SÚPLICA CEARENSE, eternizada na voz do Rei do Baião, LUIZ LUA GONZAGA  o Pernambucano do Século. 

Salvador, 23 de Março de 1989

Iderval Reginaldo Tenório.
http://iderval.blogspot.com.br/2016/04/coronel-tiburcio-tributino-cavalcanti.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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