Por
Flávia Duarte publicado em 2005
Aos 18 anos de
idade ele ingressou na Polícia Militar de Alagoas como soldado temporário para
combater os cangaceiros que agitavam no sertão do Estado; aos 85 anos, depois do
célebre tiroteio que deu cabo a Virgolino Ferreira – o Lampião – ele é o pacato
cidadão que serve de peça-chave do Museu do Cangaço, em Piranhas, a 278
quilômetros de Maceió. O ex-soldado Josias Valão dos Santos é uma das últimas
testemunhas vivas de uma época de subversão no sertão nordestino, com a atuação
de bandos de cangaceiros e salteadores.
Funcionário da
Prefeitura da Piranhas, ele está sempre à disposição do visitante e do
pesquisador para contar sobre os três anos – ele ingressou na volante do
sargento Aniceto quando tinha 15 anos de idade – mas, cuidadoso, fala só do que
viu e ouviu; não fala sobre o cerco a Angico, ocorrido em 28 de julho de 1937,
quando a polícia alagoana acabou com Lampião e seu bando.
“Nesse dia eu
não fui; o sargento Aniceto me deixou em Piranhas porque no dia anterior eu
tinha machucado o pé e não podia fazer a marcha forçada na caatinga. Fique aqui
de sobreaviso”, relembra.
O INGRESSO
E como ficou
em Piranhas, de sobreaviso, coube-lhe a missão que ele ainda hoje, 67 anos
depois, recorda com náuseas – foi ele quem juntou as 11 cabeças dos cangaceiros
mortos, entre eles Lampião, Maria Bonita e Luiz Pedro, para a fotografia. Mas,
quando lhe perguntam se identificou entre os cangaceiros mortos o líder famoso
e a sua mulher, Josias é cauteloso: “Eu nunca vi Lampião nem Maria Bonita, mas
quem os conheciam garante que eram eles mesmo. E eu tenho de acreditar”,
sustenta.
Natural de
Piranhas e sendo o município a base da volante do tenente João Bezerra – o
oficial era casado com uma nativa – não foi difícil para Josias ingressar na
volante; ele recorda que levou muita carreira dos policiais, quando era garoto.
“Até os 12 anos de idade eu não podia ver a volante chegar em Piranhas que ia
me juntar aos soldados; fazia mandados deles e até acompanhava a volante.
Muitas vezes os soldados me colocavam para correr”, lembra.
A disposição
daquele menino chamou a atenção do sargento Aniceto; quando Josias completou 15
anos o sargento perguntou se desejava acompanhar a volante – sua missão seria
ajudar a distribuir a munição com os combatentes; no início ele não iria
participar dos combates. Josias aceitou; além da vocação, tinha a necessidade.
Com o soldo ele ajudava a família e ainda juntou alguns trocados.
OS SEGREDOS
Josias é
modesto; diz que tem pouco segredo e justifica pelo tempo – apenas três anos –
na volante, mas o que testemunhou daria para reverter parte da história do
cangaço. Josias conta, por exemplo, que Lampião estava tuberculoso – doença
natural na época; e que levava à morte; em 1938 o maior famoso chefe de
cangaceiro evitava os combates, como aconteceu na Fazenda Patos, no povoado
Caboclo, no atual município de São José da Tapera. “Uma manhã Lampião topou com
o sargento Aniceto e, para surpresa da gente, não quis brigar.
O sargento
dizia que o Luiz Pedro pedia para ele brigar, gritava desesperado. A gente
estava com pouca munição e esperava que ele tivesse a iniciativa, mas Lampião
foi embora”, conta.
O ex-soldado
justifica assim o fato de Lampião não ter adotado as providências recomendáveis
para quem deseja acampar. “Das duas uma: ou ele (Lampião) confiava demais no
coito (esconderijo) ou não estava ligando mais para nada; queria se entregar,
como se comentava no sertão naquela época. Mesmo que ele quisesse se entregar,
teria de ter tomado alguns cuidados.
Por exemplo:
Lampião sempre andava com cachorros de caça, mas, naquela madrugada, o cachorro
tinha acompanhado o cangaceiro que foi buscar o leite e isto não dá para
entender porque não ficou ninguém guarnecendo os postos das sentinelas”, disse.
Outro episódio
que chamou a atenção de Josias foi a rebeldia do cangaceiro apelidado de
“Diferente”, que era viciado em baralho e, quando estava perdendo, falava
palavrões. Numa partida em que se encontravam Lampião, Luiz Pedro, Maria Bonita
e Sabonete, o cangaceiro soltou palavrões e foi recriminado por Luiz Pedro, que
o chamou a atenção para a presença de Maria Bonita na mesa.
E o cangaceiro
desbocado reagiu, dizendo que Maria Bonita não era nenhuma santa. “Você (Luiz
Pedro) come ela (Maria Bonita)”, relatou Josias, dizendo que essa passagem foi
contada ao sargento Aniceto por um coiteiro. “A surpresa é que Lampião fez que
não ouviu nada”, arrematou.
Quando Lampião
foi morto, na manhã do dia 28 de julho de 1938, Josias recorda que todos os
cuidados tinham sido adotados para surpreender o cangaceiro. Por exemplo: o
trem chegou à Estação de Piranhas sem apitar – foi a primeira vez que isso
aconteceu.
E o
telegrafista da Rede Ferroviária (Valdemar Damasceno, avô do desembargador
Washington Luis e dos prefeitos Inácio Loiola de Piranhas, e Xepa, de Olho
D´Agua do Casado), passou o seguinte telegrama cifrado:
“Tenente
Bezerra, tem boi no pasto”.
"Texto do
telegrama cifrado acima, enviado ao Tenente João Bezerra, que estava com sua
volante na Pedra de Delmiro, informando que Lampião e seu grupo estavam nas
proximidades da cidade de Piranhas, no Estado de Alagoas. Quem passou esse
telegrama a pedido de Dona Cyra Britto e do Sargento Aniceto, foi o Sr.
WALDEMAR DAMASCENO".
O ex-soldado
contou, também, que o fato de a volante vestir roupa igual à dos cangaceiros,
causou a morte do soldado Adrião – única baixa registrada na força policial; e
salvou a vida de muitos cangaceiros, que passavam entre a volante gritando que
eram companheiros. Na dúvida, ninguém atirava e só depois é que sabiam que se
tratava de cangaceiro".
http://cariricangaco.blogspot.com.br/2011/03/visao-de-josias-valao-por-roberto-vila.html
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