Por Geraldo Maia do Nascimento
Poeta Antonio Francisco atrás, Geraldo Maia e Dr. Vingt-un Rosado à direita
Antes da
chegada do colonizador as terras já eram ocupadas pelas tribos indígenas
Janduís e Paiacus. Mas na passagem devastadora dos povoadores dos Sertões, os
primitivos habitantes foram sendo escravizados, massacrados e expulsos de suas
terras e nessas, os povoadores fincaram os mourões das porteiras dos currais de
gado. Já não havia mais lugar para os nativos. Assim começou o desbravamento do
Sertão potiguar.
Sertão,
velho Sertão nordestino. Sertão de lutas, de agruras, Sertão sofredor. Se o ano
for de seca, a sede, a fome e a desgraça amedrontam o sertanejo; se for ano de
chuva, a fartura, a beleza do campo e o cantar da passarada alegram aquele
torrão. Terras que no dizer de Euclides da Cunha são “barbaramente estéreis,
maravilhosamente exuberantes”.
O
vocábulo sertão, nos primórdios do povoamento brasileiro, designava todas
aquelas regiões ainda não povoadas ou ainda mal ocupadas do país. Como a
natureza hostil do interior do Nordeste dificultou a fixação humana da região,
gerando uma ocupação rarefeita de lento e penoso adensamento, moldando o
isolamento das comunidades, foi consagrado o nome sertão para todo aquele
imenso território coberto pelas caatingas.
Podemos
dizer que foi o gado o desbravador do Sertão. Os imensos canaviais da costa das
capitanias do Nordeste eram as bases de uma economia mercantilista que fez com
que o litoral bastasse aos portugueses. Toda a terra fértil, próxima ao
litoral, estava destinada, por determinação da Coroa, ao cultivo exclusivo da
cana-de-açúcar. Não sobrava, dessa forma, espaço para o desenvolvimento de
atividades acessórias como a pecuária, que fornecia carne e força motriz aos
engenhos. Daí surgiu, no litoral, a necessidade de separação entre a
monocultura da cana e a pecuária. Uma Carta-Régia de 1701 determinava que as
dez primeiras léguas, a partir da batida do mar (aproximadamente 60 Km), eram
destinadas à cana-de-açúcar. Para o gado, sobrava o Sertão. Foi no interior das
capitanias, como a do Rio Grande do Norte, que o criatório mais se desenvolveu,
mesmo com a resistência indígena contra os primeiros assentamentos de fazendas.
Oswaldo
Lamartine dizia que “a semente do gado trazida do reino para cá foi
inicialmente para suprir a necessidade de força do cangote do boi no giro tardo
das almanjarras dos engenhos, ou no gemer lamuriento das cantadeiras dos carros
de boi, carregando cana e lenha, de vez que os trapiches requeriam sessenta
bois, dos quais moíam de doze em doze horas revezados. Depois, à medida que
crescia a parição foi, então, havendo maior aproveitamento do leite, das carnes
e dos couros”.
E
foi assim que os caçadores se internaram no Sertão, rompendo pelos caminhos das
águas, ou da areia, já que na estiagem os rios secavam. A marcha era lenta e
penosa, castigada pelo sol abrasador, pela sede, rasgando as carnes nos
espinhos da sarjadeira, da jurema, do sabiá, da macambira, da quixabeira, do
juazeiro, do cardeiro ou do xique-xique, muitos perdendo a vida pelas flechas
do caboclo brabo ou pela picada venenosa da jararaca ou cascavel.
Quando
encontravam terras propícias, principalmente próximas a algum rio, eram fincados
os currais. As cabanas eram construídas de madeira e palha, tendo o couro como
elemento fundamental. Era a época do couro, como nos ensinou Capistrano de
Abreu, pois as portas das cabanas eram de couro, o rude leito aplicado ao chão
duro, e, mais tarde a cama, eram de couro, todas as cordas, a borracha para
carregar água, o mocó ou alforje para levar a comida, como também a mala em que
se guardavam as roupas, a mochila para milhar o cavalo, a peia para prendê-lo
em viagem, as bainhas das facas, as bruacas, os surrões, a roupa de entrar no
mato, os banguês para costumes ou para apurar sal.
Com
a implantação dos currais, consolidavam-se os aglomerados. Como religiosos
fervorosos que eram, logo construíam uma capela e ao seu redor surgiam as casas,
sendo a do fazendeiro a mais vistosa. Nessa, instalavam-se e moravam alguns
dependentes da família: os filhos, os parentes e os aderentes. O fazendeiro era
uma espécie de figura de patriarca, senhor absoluto de sua vontade e, por isso,
respeitado por todos, no meio daqueles sertões obscuros, por vezes violentos.
Também eram padrinhos de toda meninada.
Desse
modo, a fazenda era um centro de aglutinação de pessoas que se juntavam aos que
viviam no mesmo regime de família, constituída de filhos e parentes, agregados,
vaqueiros, homens de confiança para qualquer serviço. O apego ao clã constituía
uma espécie de credo de união do grupo tão diverso. “Tocou em um, tocou em
todos”, era essa a lei do Sertão.
No
caso do Sertão potiguar, algumas fazendas transformaram-se em povoados, em
vilas, e deram origem, dentre outras, às cidades de Açu, Apodi, Caicó,
Portalegre, Pau dos Ferros, Currais Novos, Mossoró e Acari.
Mas
os primitivos donos das terras não aceitaram facilmente a presença do
colonizador. Estes agiam sempre com violência sobre a população indígena. Os
índios não aceitavam entregar suas terras e também não aceitavam ser
escravizados. Quando os portugueses não conseguiam aprisioná-los, matavam-nos.
Revoltados, e já quase extintos, os índios da Capitania do Rio Grande do Norte
uniram-se aos das Capitanias do Ceará, de Pernambuco e da Paraíba e decidiram
atacar as fazendas e os povoados do interior, incendiando casas e plantações,
matando o gado, os colonos e os vaqueiros. Essa revolta foi chamada de “Guerra
dos Bárbaros” ou “Confederação dos Cariris”. Foram 13 anos de luta,
estendendo-se de 1687 até 1700.
Com
a apaziguamento do indígena, esse tornou-se o melhor auxiliar dos fazendeiros.
No Sertão, predomina o mameluco ou caboclo, mestiço de branco e índio. É o
nosso vaqueiro. Vaqueiro das caatingas áridas, das criações sem cercas,
separadas por ribeiros.
No
século XVIII, a economia baseava-se, essencialmente, em duas fontes: na agricultura
e na indústria pastoril. Mas, havia sempre o fantasma da seca que tudo
extinguia, obrigando os sertanejos a abandonarem os seus “torrões”. Essas
secas, ao contrário do que se possa imaginar, “vêm de datas antiguíssimas na
nossa cronologia histórica”. A primeira que se tem notícia data de 1600, em
pleno século XVII. A seca atinge, e muito, a pecuária, desorganizando a criação
de gado. No século XVII, foram registradas cerca de quatro secas (1600, 1614,
1691 e 1692) e, no período seguinte, o fenômeno repetiu-se em número bem maior,
num total de vinte e uma (1710, 1711, 1723, 1724, 1726, 1727), dentre outras.
Diante
da miséria, os sertanejos humildes valiam-se da sua fé e logo surgiam os
beatos, apresentando-se enviados de Deus para redimir os pecados daquela gente
sofrida. Prometiam, através da oração e do sacrifício, atingir a felicidade
eterna. Alguns desses beatos conseguiam formar comunidades como foi o caso de
Antônio Conselheiro que criou a comunidade de Canudos, no sertão da Bahia, e do
beato José Lourenço que criou a comunidade do Caldeirão, no e cearense.
Em
todos os casos, essas comunidades foram perseguidas e destruídas de maneira
cruel pelos coronéis e pelos poderosos da região. O sertão do Rio Grande do Norte
também abrigou a uma dessas comunidades, cujos habitantes eram conhecidos como
os “Fanáticos da Serra de João do Vale”. Esse movimento teve início com o beato
Joaquim Ramalho que, segundo Câmara Cascudo, era gordo, lento, apático, sujeito
às cismas, meditações longas, o olhar parado, acompanhando um pensamento
misterioso.
A
tendência mística, afirma-se, com poucos anos, nas orações sem fim, nos passos
ritmados, braços para o firmamento, rezando missas, impondo penitências. O
beato Joaquim Ramalho cresceu e, adulto, casou-se, passando a morar na vila do
Triunfo. Continuou, entretanto, com o mesmo comportamento estranho, rezando
sempre.
No
final de 1894, morreu o vigário de Triunfo, padre Manuel Bezerra Cavalcante,
com oitenta anos, sendo chorado por toda a comunidade. No ano de 1898, Joaquim
Ramalho teve um ataque, assim descrito por Câmara Cascudo: “bruscamente parou,
nauseante, gorgolhando vômitos e caiu de bruços, pesadamente”. Durante a crise
começou a cantar. Quando recobrou os sentidos, não se lembrava de nada. O
fenômeno repetiu-se nas tardes seguintes. A notícia se espalhou rapidamente,
crescendo o número de curiosos, todos querendo assistir a cena. Estava nascendo
mais um líder místico no sertão nordestino.
Continua
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Autor:
Jornalista
Geraldo Maia do Nascimento
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