Por Clauder
Arcanjo
— Clauder
Arcanjo, seu João teve um AVC. Ligue-me com urgência.
Era manhã do dia 4 de janeiro de 2017. Eu havia desembarcado no aeroporto de Fortaleza, pela madrugada, retornando de mais um quinzena de trabalho em alto-mar, e deixara o telefone desligado. Quando acordei e liguei-o, a terrível mensagem do amigo Raimundo Antonio de Souza Lopes.
Ao contactar com os amigos comuns, Ângela Rodrigues Gurgel e Raimundo Antonio, colhi detalhes da péssima notícia. João Sabino convalescia de um acidente vascular cerebral, os movimentos do lado esquerdo do corpo foram atingidos e ele estava na UTI do hospital sob cuidados médicos.
A minha cabeça parou, a mente circunvaga sem rumo e sem prumo. Um pouco tonto, confesso, com a “porrada” que eu recebera. Cuidei de me sentar na poltrona da sala do apartamento em Fortaleza. Não imaginava aquele valente sertanejo alquebrado e em cima de um leito. Como levo sempre um terço no bolso da calça, retirei-o e fiz uma oração pela rápida recuperação do meu amigo. Sua máxima, forte nos meus ouvidos: “Se o Sol nascer na frente, então é dia de trabalho!”.
João Sabino de Moura: um homem de sonhos, esperança e realizações. Este é o título de uma das biografias mais interessantes que li nos últimos anos.
Num país infestado de relatos de tipos mais próximos à categoria de santos do pau oco, de homens com vitórias chinfrins, ou de historietas de timoneiros (ou de descendentes) de clãs tradicionais, é sempre gratificante ler, e vibrar, com o relato de um cidadão que veio do povo. De um filho das quebradas do sertão potiguar, de um menino que sentiu na própria pele (e no estômago vazio) o caroço duro da fome, de um garoto que palmilhou as veredas espinhentas de nossos tabuleiros áridos, de um rapaz que teve que engolir o pão que o diabo amassou na cidade para sentir o prazer de uma boia um pouco mais farta.
Acompanhei, como editor-executivo da Sarau das Letras, cada capítulo dessa magnífica obra. O autor e o biografado tornaram-se confidentes e amigos íntimos. Toda vida que eu entrava no escritório do Seu João Sabino para um encontro com eles, flagrava-os em gaitadas estupefacientes.
— Seu João, conte aquela para o Clauder Arcanjo. Sim, aquela da sua afilhadinha! Sim, da bichinha que sempre precisava de um novo remédio... — Raimundo, a rir, espetava o biografado.
— Desse jeito, Raimundo, ele vai saber de tudo; e nem vai querer mais comprar a nossa obra depois de publicada! — devolvia Seu João, enquanto eu, editor curioso, sorvia o meu cafezinho e esperava mais uma travessura daquele menino-homem.
Ficávamos horas a revisitar os fatos, os casos e os causos desse empresário que, a tudo nos relatar, ria das próprias desventuras que superara, ao tempo em que emanava um brilho de decência e de crença no valor do trabalho para construir um futuro de esperança e fé.
Numa de nossas últimas reuniões para fechamento da obra, a convocação:
— Cuide de escrever um texto seu para “compadre” Raimundo colocar na capa de trás da biografia. Você já está sabendo muita coisa sobre mim, sabia?
— Mas, Seu João...
Ele me interrompeu, atalhando-me logo:
— Veja tudo com o Raimundo. Prazo e tudo mais — e pediu outra rodada de café, já nos avisando que havia nos escondido algumas coisas da sua vida — Ninguém pode dizer tudo de uma vez, não! Quem sabe não teremos uma segunda edição. Sou ainda muito novo, gente! — e, rindo, nos entregávamos à zombaria, tradicional algazarra de nossos encontros de fim de tarde.
Voltei para casa, e frente ao computador, deixei que o coração ditasse a minha prosa acerca do homem João Sabino de Moura:
COMBATE CONTRA
O TEMPO
Numa releitura
de Conta corrente, diário do escritor português Vergílio Ferreira, deparo-me
com a máxima: “... toda a obra de arte é um combate contra o tempo, contra a
morte, a decadência de nós, a estupidez e opacidade do mundo. Assim o parar é
dar razão ao que nos nega, é sermos o que não somos...”.
Raimundo Antonio de Souza Lopes, com mais esta biografia, desta feita acompanhando e desvendando a saga do empreendedor potiguar João Sabino de Moura, evita que caiamos no rio turvo do esquecimento, deixando fenecer a rica memória de nossa gente, ainda tão carente de relatos acerca da história de homens e mulheres valorosos. Aqui João Sabino confessa-se, entrega-se e revela-se de todo — algumas páginas trágicas, outras líricas e telúricas, sem falar nas eivadas de comicidade. Enfim, uma biografia assentada e focada no humano, obra de um escritor competente, audaz, inquieto e profícuo na arte de combater a decadência, a estupidez e a opacidade do mundo.
Clauder
Arcanjo
Escritor e editor
Escritor e editor
A biografia
foi publicada, e os leitores brindados com páginas antológicas.
Retornamos a
Mossoró e Luzia e eu fomos visitar Seu João Sabino. Já deixara o hospital, e se
encontrava num dos apartamentos do seu hotel.
À entrada, ao ver meu amigo numa cadeira de rodas e com o olhar baixo, uma lágrima traiçoeira assoma à minha face. Abraçamo-nos e... choramos juntos.
À entrada, ao ver meu amigo numa cadeira de rodas e com o olhar baixo, uma lágrima traiçoeira assoma à minha face. Abraçamo-nos e... choramos juntos.
Somente hoje, caro leitor, já findo fevereiro, reuni coragem para escrever sobre o novo combate de João Sabino. A sua recuperação está sendo com muita luta e sofrimento; ao tratamento fisioterápico ele se entrega como um Aquiles nos campos de Tróia. Contudo, que ninguém duvide, ele vai vencer. João Sabino é, antes de tudo, um forte.
Por fim, uma curiosidade: Seu João Sabino já começou a escrever a continuação
de sua biografia. O Sol continua a nascer na frente para este grande Filho de
Deus.
Abro o Livro
dos Livros, e, lá, reencontro-me com a palavra do Evangelhista João:
No princípio
era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus.
Clauder
Arcanjo
clauderarcanjo@gmail.com
clauderarcanjo@gmail.com
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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