Por Sálvio Siqueira
Na saga
cangaceira, referindo com exclusividade à época da lampiônica, já lá pelos anos
de 1929, o “Rei do Cangaço”, Virgolino Ferreira, o cangaceiro Lampião,
enamora-se da cabocla da Malhada da Caiçara, município, hoje de Paulo Afonso,
BA, Maria Gomes de Oliveira, que, mais tarde, a imprensa carioca a chama de
‘Maria Bonita’, alcunha pela qual torna-se conhecida, mundialmente, até os dias
atuais.
Nos primeiros
anos da vida como chefe cangaceiro, o bando do ‘Rei Vesgo’ pratica inúmeros
estupros e suas ações são com um toque a mais de maldades em suas vítimas.
Porém, é fato de que, talvez pela maneira que eram tratadas em suas casas,
pelos seus familiares, as moças tinham sonhos de estarem com seus corpos
envolvidos pelos braços dos bandoleiros. As notícias, divulgadas pelo meio de
comunicação da época, jornal escrito, e mesmo a propalada oralmente de boca em
boca, de pessoa a pessoa, não as faziam temer estarem com eles. Claro que não
podemos generalizar, dizer que eram todas, talvez as que assim sonhavam, pensava,
fossem a exceção. Sendo uma ilusão de ‘libertarem-se’ da maneira, modo, como
eram ‘tratadas’ no seio familiar.
A história, descrita por vários autores, nos traz Maria de Déa como sendo a pioneira em adentrar, fazer parte, de um bando de cangaceiros nos sertões nordestino. Outros ainda nos trazem a história de uma outra baiana, Anésia Cauaçú, Anésia Adelaide Cauaçu, que fora uma cangaceira que viveu na região de Jequié, interior da Bahia, no início do séc. XX. Só que essa era a líder dos bandoleiros, e não uma simples companheira como foram ‘Maria Bonita’, ’Dadá’, ‘Sila’, ‘Adília’, ‘Quitéria’, ‘Cristina’, ‘Lídia’, ‘Durvinha’... e tantas e tantas outras sertanejas.
Pois bem,
voltando no tempo, muito antes dos anos em que se deu o encontro de Lampião com
Maria Bonita em território baiano, deu-se um caso amoroso entre ‘ele’ e uma
jovem cabocla alagoana no Vale do Pajeú das Flores. Admira-me que, embora
vários autores saibam, porém, não citam uma linha se quer sobre o caso em suas
obras. Já outros, nem de longe imaginam tal fato, aí é impossível dizerem algo.
No entanto, esse episódio, o caso, é fruto de narração oral colhida pela
pesquisa de campo de um pesquisador sério da cidade de Calumbí, PE, onde nos
relata claramente, minuciosamente, no livro “A Maior Batalha de Lampião”,
Lourinaldo Teles Pereira Lima, 1ª Edição, 2017, nosso amigo Louro Teles, o qual, também,
estranha a falta de insistência, ou assistência ao caso, de outros
pesquisadores do tema sobre tal citação.
Nas andanças
constantes dos cangaceiros, eram nômades, eles raramente comiam bem, mas,
sempre que possível, faziam uma refeição decente. Esse alimento não era, na
maioria das vezes, preparado por eles. Sempre eram feitos por algum coiteiro e
levado para onde o bando estava acampado. Outras vezes, os próprios cangaceiros
chegavam às moradias dos sertanejos e pediam para que fosse feito comida.
Lampião sempre pagava, e bem, por esses serviços prestados. Não que ele fosse
bonzinho, mas, por que pagando, tinha um aliado a seu serviço, sempre, e fora
mais uma tática usada por Virgolino que deu bons resultados.
Em 1925/26 a
caterva do ‘cego’, chega a uma simples moradia situada na zona rural de Mata
Grande, AL. Lampião se apresenta e pede para o dono da casa preparar comida
para a cabroeira. Enquanto esperam aprontarem a refeição, os ‘cabras’ começam a
prosearem entre si. Alguns começam a jogarem cartas embaixo de alguma árvore
que tinha no aceiro do terreiro. Outros apenas proseiam, contando suas aventuras
para os amigos e, outros ainda, apenas descansam. O chefe proseia com o
Patriarca da família. Escondida em algum lugar, escolhido por ela, estava a
jovem Maria Ana da Conceição que não perdia um movimento se quer de Lampião. O
pernambucano percebe o insistente olhar daquela jovem sobre ele. Chegando a
jovem, aproveita oportunidade, para prosear com ela. Ela, naturalmente está com
o seu jovem corpo todo a tremer, não com medo, mas por está loucamente
apaixonada por o fora-da-Lei, e o mesmo estar ali, diante dela.
Virgolino
gosta da moça e depois de uma longa prosa com ela, pergunta se ela que ir junto
com ele, fugir de casa, ir embora. De supetão a moça concorda. Parecia estar
esperando aquela ‘cantada’.
Lembremos aqui
que os cangaceiros tinham suas companheiras, suas namoradas e até mesmo suas
esposas, não compondo os bandos, como ocorreu a partir de 1929, onde elas
passam a fazerem parte dos próprios, mas, em algum local escolhido e mantido,
financeiramente, por eles. Citaremos, como exemplo, o caso do cangaceiro
alagoano da região, segundo Érico de Almeida em sua obra “Lampeão-Sua História”
(págs. 63 a 68), de 1926, próxima a Olho D’água do Casado, AL, município que
faz limites ao Sul com o de Piranhas, AL, e ao Norte com o, hoje, de Delmiro
Gouveia, AL, que nascera por volta de 1902, Antonio Augusto Feitosa, de alcunha
Meia Noite. Meia Noite ao topar de frente Lampião e seus dois irmãos, os
cangaceiros ‘Esperança’ e ‘Vassoura’, respectivamente Antônio e Livino
Ferreira, onde diz que o segundo tinha lhe roubado nove contos de réis, logo
após o ataque a cidade paraibana de Sousa, em 27 de julho de 1924, recebe do
próprio Lampião quantia equivalente e é mandado embora do grupo. Por ter sido
um dos que mais fizerem arruaças em Sousa, PB, conta-se que andou montado de
esporas no juiz daquela comarca, Meia Noite passa a ser muito perseguido pela
Força Pública da Paraíba, pelos homens, jagunços, do coronel José Pereira, de
Princesa Isabel, PB e pelos próprios cangaceiros de Lampião. Virando um
cangaceiro solitário, Meia Noite começa a ‘visitar’, sorrateiramente e a noite,
várias fazendas na região de Patos do Irerê, pedindo guarida. Logicamente,
pagando bem, por uma noitada num celeiro, engenho ou casa de farinha. O detalhe
é que ele levava a ‘tira-colo’ sua amante, namorada, companheira, chamada
Zulmira, que no fogo da fazenda Tataíra, passa a noite recarregando as armas,
enquanto seu companheiro enfrentava, sozinho, mais de oitenta homens. Em certo
momento, quase ao romper da aurora, o cangaceiro pede garantias de vida para
sua companheira Zulmira, pois achava que não escaparia daquela arapuca, no que
é atendido. Essa é presa e em pouco tempo solta. Desse cerco ele escapa, apesar
de ter sido ferido em uma das pernas e, ao pular uma cerca, ter quebrado um dos
braços, porém em pouco tempo é descoberto e assassinado por dois homens a mando
do coronel Zé Pereira. Contaremos essa passagem da história, da valentia do
negro Meia Noite, em outra oportunidade.
“(...) Depois
de conversarem um pouco, Lampião disse:
“- Tem coragem de ir embora comigo?”
Ela, imediatamente, respondeu:
“- Tenho”. (Ob. Ct.)
Fizeram os
preparativos. Sabia o pernambucano que teria que ter os cuidados redobrados com
a presença de uma mulher no bando. Partem pala madruga em direção ao Leão do
Norte, mais especificamente para um aglomerado de casas, hoje um povoado,
denominado Roças Velhas, próximo ao distrito de São Serafim, hoje, município de
Calumbi, PE.
“(...) Eles
partiram pela madrugada em direção ao estado de Pernambuco, caminharam alguns
dias e vieram sair em Roças Velhas, hoje um povoado pertencente ao município de
Calumbi, mas naqueles dias eram apenas algumas casas isoladas no centro da
caatinga, um dos redutos da família Teles. Roças Velhas foi fundada por Vitor
Teles(...).” (Ob. Ct.)
Chegando ao
novo ambiente, é providenciado uma choupana, palhoça, ou algo parecido, para
que o ‘casal’ se aconchegasse. Depois de vários dias, curtindo a vida, Lampião
recebe a informação de que as volantes estão rondando nas proximidades. Chega
para sua namorada e diz o que fará nos próximos dias, principalmente em relação
a segurança dela.
“(...) Lampião
percebendo o perigo falou para Maria:
- Olhe Maria,
vou ter que me afastar por um tempo, mas quando as coisas acalmar eu volto!
Respondeu Maria:
- Mas como é que eu vou ficar aqui? O dono da terra vai butá eu pra fora, e para onde eu vou?
Lampião colocou a mão no bornal, tirou dele um frasco redondo com tinta, uma pena e um papel e escreveu dizendo:
- Eu já medi um pedaço de terra, fiz o documento! Tome, guarde e pode dormir sossegada que daqui ninguém lhe tira! (...).” (Ob. Ct.)
O local
escolhido pelo “Rei do Cangaço” para sua namorada ficar, era estratégico. Em
sua volta ficavam vários esconderijos, em várias propriedades e fazendas, usadas
por ele, tais como: “A Serra Grande, a Pedra D’água nos Barreiros, a Fuxico, o
Saco dos Campos e As Pedreiras”. Mesmo que ele não pudesse ir ao casebre onde
ela estava, ele enviaria um recado por algum de seus ‘cabras’ ou coiteiro, e a
mesma iria até onde ele se encontrava.
Essas terras
em que fora alojada a moça que veio das Alagoas, nas Roças Velhas, ainda hoje
pertencem aos descendentes da família de Maria Ana da Conceição. Como em quase
todos existem alcunhas, aqui pelo sertão, Maria Ana ganha o apelido de ‘Tatu’,
e assim torna-se conhecida em toda região. O inevitável aconteceu, Maria Ana
engravidou e pariu um feto vivo do sexo masculino, o qual deu o nome de Elizeu.
Essa criança nasce em agosto de 1926, porém, Lampião, para despistar futuras
investigações, acresce a idade da mesma, ordenando que se coloque em seus
documentos uma data anterior ao seu início na saga. Assim é feito. A
documentação da criança é feita como se ela tivesse nascida em princípios de
1917.
“(...) antes
de ir embora preparou o documento de Elizeu como ele queria que ela fizesse e
mandou registrá-lo com o nome de Elizeu Florentino dos Santos, filho de
Laurentino de Campos e Maria Ana da Conceição nascido no dia 10 de janeiro de
1917. Fez assim para confundir a polícia. O menino nasceu em 1926. Tatu dizia
que no tiroteio da Serra Grande Elizeu tinha três meses de idade. Esta versão
foi contada a mim por Josefa Bernardo, esposa de José Florentino dos Santos,
neto de Tatu(...).” (Ob. Ct.)
‘Tatu’ tinha
uma amiga, Josefa Bernardo, a qual morou por muitos anos na mesma casa em que
morava a namorada de Lampião. Ela referia sempre os comentários da amiga quando
citava suas ‘aventuras’ com o “Rei dos Cangaceiros’, quando estavam no terreiro
da casa, em Roças Velhas.Outros moradores do povoado Roças Velhas, no município
de Calumbi, PE, como “dona Guilhermina Francisca da Conceição”, que tinha o
apelido de ‘Guiler’, e o senhor José Francelino de Souza, foram algumas, das
várias pessoas que relataram sobre esse namoro entre Lampião e a jovem alagoana
'Tatu, Maria Ana da Conceição.
Assim, levamos
ao conhecimento dos senhores (as), mais um caso envolto pelos mistérios da saga
do Fenômeno Social Cangaço. Na obra/fonte pesquisada, há referências de
testemunhas, as quais relataram ao pesquisador todas essas informações e outras
mais. Esse livro é de primordial importância ter-se em nosso acervo literário.
Fonte "A
Maior Batalha de Lampião" - LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 1ª Edição.
Paulo Afonso, BA, 2017.
Foto Ob. Ct.
tokdehistória.com
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