Na vida,
da janela e da porta adiante, nos afazeres do dia a dia, no quintal da memória
e no silêncio dos desejos escondidos, tudo está cheio de pés de laranja lima
imponentes perante o olhar, mas também já em escombros pela dizimação dos
sonhos. E bem ao modo daquele pé de laranja lima tão amado pelo menino Zezé no
romance primoroso de José Mauro de Vasconcelos, exatamente O Meu Pé de Laranja
Lima.
Tão
grandiosa e simbólica é a história do menino Zezé e seu pé de laranja lima,
servindo como verdadeira metáfora ao amor e à perda, à esperança e à desilusão,
ao apego e ao distanciamento, que muitos avistam na obra nada mais que a
síntese da vida humana e seus sentimentos aflitivos. Com efeito, o menino Zezé
simboliza toda a esperança da vida enquanto sua amiga árvore representa o
pêndulo entre a conquista e a perda. Gosto tanto dessa história contada pelo
autor que muito já escrevi sobre ela. Num texto, assim relatei:
“Quem já
leu “O Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro Vasconcelos, certamente jamais se
esquecerá da seguinte passagem, já no finalzinho do livro, quando o pai do
menino tenta esconder a verdade sobre o que foi feito com sua árvore: - Depois
tem mais. Tão cedo não vão cortar o seu pé de Laranja Lima. Quando o cortarem
você estará longe e nem sentirá. Agarrei-me soluçando aos seus joelhos. - Não
adianta, Papai. Não adianta... E olhando o seu rosto que também se encontrava
cheio de lágrimas murmurei como um morto: - Já cortaram, Papai, faz mais de uma
semana que cortaram o meu pé de Laranja Lima”.
É o
instante em que o menino Zezé relata sua tristeza com o que fizeram com o amigo
de toda vida, que outro não é senão o seu pé de laranja lima. Tinha aquela
árvore como fiel companheira, verdadeira amiga e confidente nas horas alegres e
tristes, um tronco com folhas e frutos alimentando suas esperanças
adolescentes. Não encontrava refúgio melhor que no quintal de sua casa e ao
lado daquele sombreado bom, conversando, segredando seus mistérios juvenis. E o
pé de laranja lima com ele dialogava como somente os grandes amigos conseguem”.
Tal pé de
laranja lima representa, assim, o apego, o afeto, a afeição, ao que cultivamos
dentro de nós com amor e carinho. É como se houvesse necessidade de aquela
árvore frondosa estivesse sempre cultivada, presente em nossas vidas.
Verdadeiros laranjais que guardamos nas memórias e nas relembranças. Frutos que
nos afagam como se ainda estivéssemos diante de pessoas que tanto amamos e já
partiram. Doces pomares familiares, quintais que avolumam as saudades que
sempre queremos ter. Um alimento que nos permite estar sempre diante do que foi
cultivado em vida.
Mas outros
pés de laranjas lima também por todo lugar e cada pedaço de nós. Preservamos,
intimamente, muitos e imensos laranjais. Pequenas coisas que mesmo irrelevantes
para outros, tornam-se da própria essência existencial. Eis que ninguém vive
sem ter desejos, sem sonhar, sem ter esperanças. São como frutos que
acostumamos na expectativa de um dia saborear. E chega a doer somente em pensar
que nada daquilo colheremos ou mesmo que nossa colheita seja infrutífera demais
para qualquer prazer, para qualquer realização.
Nos
casebres rústicos, empobrecidos, quase caindo, estão imponentes laranjais.
Nenhum pai de família deseja perder aquelas paredes de barro que dão guarida
aos seus. Uma coisa tão ínfima perante aquele da mansão dou do castelo, mas a
própria vida perante aquele que só tem o chão entre o cipó e o barro para
sobreviver. Igualmente ocorre com a vaquinha magra e ossuda do sertanejo em
época de seca grande. Há pé de laranja lima igual ao bem que se tem? O apego é
tamanho ao único animal que talvez possua que passa a sofrer a mesma dor do
bicho sedento e faminto. Gasta o que não tem, esforça-se como um titã, mas jamais
quer que seu bicho de cria arrie para não mais levantar.
Muitos
meninos não aceitam de jeito que seus pais se desfaçam de suas bolas furadas,
de seus carrinhos de madeira, de seus bois de barro. Muitas meninas não trocam
sua boneca de pano antiga por nenhuma Barbie ou Susie. Menino há que prefere o
seu magricela cavalo de pau a qualquer bicicleta. Certa feita um menino
sertanejo se negou a ir morar na cidade por que não queria perder a lua de toda
noite. Por que assim acontece? Todas as respostas estão no coração daqueles
cujo apego é sempre bem mais valioso do que qualquer outra coisa que surja.
Muitos são
os nossos pés de laranja lima e todos a nos acompanhar desde a infância. As
calças encurtam, rasgam, desbotam, mas só nos sentimos bem vestidos nelas.
Travesseiros e cobertas são como braços a nos esperar ao afetuoso abraço. Por
isso não nos sentimos bem dormindo em outra cama. Velhos e distantes amigos nos
atiçam na saudade. Tudo o que temos ao redor não nos conforta, não nos compraz
igual ao que está preservado no coração. São estes pés de laranja lima que
verdadeiramente nos faz sorrir e cantar, chorar e sofrer.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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