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sábado, 10 de junho de 2017

VENCEDOR DO PRÊMIO JOSÉ ALVES FELIPE


Trabalho vencedor do Prêmio José Lacerda Alves Felipe, versão 2017, concedido pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, no ensejo do XXIII Encontro Estadual de Geografia do Rio Grande do Norte – EGEORN. - ENTRE VERSOS E RIMAS, A GEOGRAFIA NA OBRA DE ANTÔNIO FRANCISCO - Pedro Henrique Rocha Martins.

ENTRE VERSOS E RIMAS, A GEOGRAFIA NA OBRA DE ANTÔNIO FRANCISCO (1)

Pedro Henrique Rocha Martins
Aluno do 8º período do Curso de Geografia da FAFIC/UERN

Jamilson Azevedo Soares
Professor do Curso de Geografia da FAFIC/UERN
jazevedosoares@hotmail.com
GT 08: ESPAÇO E CULTURA

RESUMO

O presente estudo pretende promover uma discussão sobre a relação entre geografia e literatura, através da obra do poeta popular mossoroense Antônio Francisco, objetivando identificar temas que podem se configurar como fonte de análise de questões que são estudadas pela geografia. O procedimento metodológico adotado constou de revisão da obra do poeta Antônio Francisco, intuindo nela identificar os elementos geográficos relevantes que servem de objetos para reflexão e análise, além de consultas a outras fontes bibliográficas relacionadas à temática em foco. Infere-se que o objeto de estudo apresenta um conjunto de temas tais como, as transformações das paisagens pela ação da modernização espacial, as mudanças no meio urbano e, principalmente, as questões sociais e ambientais, as quais expressam a riqueza da cultura popular pela forma como são abordados, devendo tais conteúdos ser explorados no contexto da ciência geográfica com vistas à valorização e reconhecimento do significado e importância que essa literatura pode representar para a compreensão do papel da geografia no processo de transformação social.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura de cordel. Cultura popular. Geografia cultural.

INTRODUÇÃO

A literatura configura-se como uma das mais antigas formas de ensino, mesmo que as práticas literárias não se dessem exatamente de forma pedagógica. Os gregos antigos e os romanos liam em praças públicas textos e poemas que eram ouvidos com deleite pelo público presente, instigando-os a refletirem sobre os conteúdos e para que também soubessem das belezas do mundo (ALMEIDA, 2014).
Ao longo do tempo, conforme Almeida (2014), a literatura manteve-se como uma prática que evidenciava a divisão no contexto social pela forma como passou a ser colocada - distante do público nas escolas -, configurando-se, assim, como um instrumento reservado às elites e como marca da separação entre as classes.
Atualmente, a educação teve seu acesso universalizado na maioria dos países. Tal fato possibilitou que a literatura fosse posta como um instrumento efetivo de aprendizagem nas escolas, inclusive dialogando com outras ciências, como é o caso da geografia.
Na geografia, a relação com a literatura começou a partir da sua corrente humanista, em especial em sua abordagem cultural, ao qual se dá como uma nova perspectiva de leitura do meio socioespacial, propondo, através do diálogo com outros objetos culturais (sendo um desses a literatura), a compreensão e a interpretação da relação do homem no espaço por ele produzido e vivenciado (OLANDA; ALMEIDA, 2008).
Na abordagem empreendida nesse estudo, utilizamos um dos gêneros literários, a poesia, no caso, o cordel. A literatura de cordel aborda em boa parte de seus versos assuntos relacionados ao dia a dia de seus autores, ou seja, descrevem em forma de poesia uma leitura do mundo vivenciado por eles, como aspectos regionais, culturais, sociais, ambientais, entre outros. Propomos então que, ao estimular a leitura, não estaríamos apenas contribuindo para com a geografia em si, mas, também para o fomento à literatura e à difusão desse gênero literário, na perspectiva de valorizar e contribuir para com a cultural local e regional.
O nosso objeto de estudo versa sobre a literatura do poeta popular mossoroense Antônio Francisco, em cuja obra podemos identificar uma leitura crítica e sucinta dos aspectos e espaços vivenciados por ele e que podem ser utilizados como instrumento didático no ambiente escolar, estimulando o leitor-aluno a correlacioná-los de forma crítica com os assuntos evidenciados no livro didático e com o seu dia a dia, saindo assim do tradicionalismo ainda praticado hoje em sala de aula.
No trabalho empreendido foi levantado o seguinte questionamento: Na literatura de cordel do poeta popular mossoroense Antônio Francisco, percebe-se a presença de conteúdos geográficos significativos que podem ser utilizados como instrumento de aprendizagem no ensino da geografia escolar? Em que aspectos tais conteúdos podem ser relacionados à geografia?
Em busca de respostas às questões de pesquisas formuladas, o trabalho tem como objetivo geral analisar, através obra literária de cordel do poeta Antônio Francisco, conteúdos que possam ser utilizados como metodologia para o ensino da geografia ao correlacionar os conteúdos da geografia escolar com a poesia evidenciada nos cordéis, na pretensão de contribuir para a promoção da aprendizagem no ensino mais eficiente da geografia escolar. Como objetivos específicos, ressaltamos os seguintes: Identificar conteúdos na obra de Antônio Francisco que abordem assuntos relacionados à geografia; discutir a relação da literatura de cordel com o ensino da geografia; contribuir para que o cordel venha a ser pensado e utilizado como uma ferramenta de real significado para o ensino mais eficaz da geografia.
Para a avaliação da problemática aqui indagada, foram utilizados, como procedimentos metodológicos, o levantamento bibliográfico da obra do poeta Antônio Francisco para nela identificar os elementos geográficos que seriam objetos para reflexão e análise. Ainda para embasamento teórico-metodológico foram consultadas fontes bibliográficas tais como, livros, artigos, monografia, teses, revistas e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os quais abordam a questão cultural e a literatura de forma mais específica como instrumento didático no ensino escolar.

A LITERATURA SOB O OLHAR DA GOEGRAFIA: Uma abordagem cultural

Segundo BROSSEAU (2007, p.17) “O interesse dos geógrafos pela literatura não é novo”; no entanto, até a década de 1970, estudos geográficos nessa área eram escassos. Em nosso objeto de estudo, a literatura, com ênfase para o cordel, será considerada segundo a abordagem cultural da geografia, em que a cultura é assim percebida:
(...) vista como um reflexo, uma mediação e uma condição social (...). Considerada como sendo o conjunto de saberes, técnicas, crenças e valores, este conjunto, no entanto, é entendido como sendo parte do cotidiano e cunhado no seio das relações sociais de uma sociedade de classes (CORRÊA; ROSENDAHL, 2003, p.13).
A geografia cultural permite ao geógrafo trilhar por diversos caminhos, visando a contribuição e a difusão dos saberes intelectuais sobre a superfície terrestre. Caminhos, estes, em que podem ser considerados,
(...) tanto a dimensão material da cultura como a sua dimensão não-material, tanto o presente como o passado, tanto objetos e ações em escala global como regional e local, tanto os aspectos concebidos como os vivenciados, tanto espontâneos como planejados, tanto aspectos objetivos como intersubjetivos. O que os une em torno da geografia cultural é que esses aspectos são vistos em termos de significados e como parte integrante da espacialidade humana (CORRÊA; ROSENDAHL, 2003, p.13-14).
É sobre esses caminhos que iremos trilhar ao longo das nossas discussões, ao analisarmos as obras poéticas cordelísticas do poeta mossoroense Antônio Francisco, através das quais tentaremos compreender as suas reflexões sobre o local, os aspectos do cotidiano e da cultura popular, procurando contextualizar com os saberes também vivenciados no ambiente escolar, através dos conteúdos didáticos contidos no programa da disciplina.
A geografia cultural ganhou força na década de 1970. Surgia uma geografia humanista, paralelamente a uma corrente crítica, de cunho marxista, a qual constitui em crítica à dominante corrente quantitativa da geografia da época, bem como à tradicional. Buscava-se colocar o sujeito novamente no centro de seus trabalhos e reflexões. Paralelamente, geógrafos calcados em fundamentos da fenomenologia, buscam uma renovação e novos sentidos para os lugares, como assim expressa Claval:
Foi através do interesse renovado pelo sentido dos lugares, que as pesquisas sobre representações passaram a integrar novas preocupações: representações tem uma carga emotiva que as pesquisas começaram a levar em conta (2008, p.17).
Ainda no pensamento de Claval, essa abordagem cultural tem como característica a atenção dada ao indivíduo, suas experiências e a maneira como cada um percebe o meio no qual convive: “a geografia descobre o sentido dos testemunhos literários ou picturais” (CLAVAL, 2008, p.20). Nessa perspectiva, “a literatura expressa a condição humana e sua existência” (MARANDOLA JR; GRATÃO, 2010, p.10).
Foi a partir do rompimento dos paradigmas da geografia quantitativa (calcadas em dados estatísticos) e da inserção do sujeito novamente no centro dos estudos (geografia humanista), que diversos geógrafos buscaram uma nova forma de compreensão do espaço, surgindo então a ideia de espaço vivido, como expresso na obra de BROSSEAU (2007), ao realizar um panorama dos estudos geográficos franceses.
Nesse sentido, a literatura passou a ser vista pelos geógrafos como uma real fonte de conhecimento, uma vez que nela encontram-se relatos das ações humanas, como é o caso da literatura de cordel, cuja essência, em sua maior parte, é composta por relatos da vivencia daqueles que as produziram.
Em realidade, toda ação humana, alterando a natureza produzia cultura. O gênero de vida, o resultado das complexas relações envolvendo um dado grupo social e a natureza, concebidos como expressão e condição social, constitui-se em outro foco central do interesse de geógrafos interessados em compreender a diversidade espacial (CLAVAL apud CORRÊA; ROSENDAHL, 2013, p.10).
Essas relações configuram-se como parte essencial das obras cordelísticas dos consagrados poetas regionais, essências essas que derivam do fato de que o cordel configura-se como uma literatura popular e tipicamente brasileira, carregada, portanto, de uma rica bagagem de relatos e testemunhos dessas relações e ações humanas.
Não só as relações e ações humanas se configuram como fator cultural, pois, o próprio homem é produto e produtor da cultura, uma vez que, conforme SANTOS (1987, p. 7), “cultura diz respeito à humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos”. Para este autor, entender as relações humanas e seus conflitos no discurso da história da humanidade é fundamental para que compreendamos os fatores culturais contemporâneos.
Essas relações também são amplamente debatidas entre os geógrafos humanistas e são fundamentais para a compreensão das dinâmicas espaciais, sobretudo nos estudos populacionais, urbanos, políticos, econômicos e regionais, como é o caso da nossa proposta de estudo, na qual o cordel é visto como fonte de compreensão e expressão cultural, configurando-se como uma construção poética tipicamente regional, o qual carrega expressões culturais como o dialeto, o sotaque, os costumes regionais, as paisagens e lugares regionais, entre outros; revelando, portanto, a essência cultural de uma dada região. Em nosso caso, daremos ênfase ao Nordeste brasileiro, ao qual tem o cordel como um símbolo de expressão cultural, com destaque à escrita e à oralidade, sendo que essa última aparece como uma marca nas literaturas populares, como destaca AZEVEDO (2008, p. 7):
Creio que a literatura popular, e também a literatura para crianças e jovens, tendem a adotar o modelo marcado pela oralidade, ou seja, o escritor escreve quase como se estivesse falando de viva voz a outra pessoa num contato face-a-face (...)
Tal característica literária remete-nos à ideia de espaço vivido, tendo grandes semelhanças com a literatura romanesca, que pode nos revelar “um retrato vivo da unidade do lugar e do povo” (GILBERT apud BROSSEAU, 2007, p. 23). De igual modo, podemos assimilar a poética cordelística, já que a mesma possui traços romanescos. Dessa forma seria então a literatura fonte testemunhal, um “porta-voz das populações” (BROSSEAU, 2007, p.25).
Portanto, é possível o diálogo geográfico com o literário conforme exposto, havendo então, um processo interdisciplinar entre as áreas do conhecimento.
A INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE O ENSINO DA GEOGRAFIA E O DA LITERATURA
Não é de agora que se pensa na interdisciplinaridade da geografia com outras áreas do conhecimento, tendo em vista que isso ocorre desde o surgimento do pensamento geográfico, uma vez que, este, ao longo do tempo, sempre teve aproximação com outras ciências até mesmo quando se discutia sua identidade, objeto, métodos, conteúdos e seu campo de atuação.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do ensino fundamental, já fazem menção à busca dessa interdisciplinaridade pela geografia através dos estudos das paisagens, territórios, lugares e regiões, procurando, portanto, fontes diversificadas, como por exemplo a literatura:
Mesmo na escola, a relação da Geografia com a Literatura, por exemplo, tem sido redescoberta, proporcionando um trabalho que provoca interesse e curiosidade sobre a leitura desse espaço. É possível aprender Geografia desde os primeiros ciclos do ensino fundamental, mediante a leitura de autores brasileiros consagrados (Jorge Amado, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, entre outros), cujas obras retratam diferentes paisagens do Brasil, em seus aspectos sociais, culturais e naturais. Também as produções musicais, a fotografia e até mesmo o cinema são fontes que podem ser utilizadas por professores e alunos para obter informações, comparar, perguntar e inspirar-se para interpretar as paisagens e construir conhecimentos sobre o espaço geográfico. (BRASIL, 1998, p.33)
Essa redescoberta da relação da geografia com a literatura tem levado os geógrafos a buscarem na literatura aspectos que possam auxiliar na compreensão do espaço geográfico como, por exemplo, MARANDOLA JR. e GRATÃO (2010), organizadores do livro intitulado “Geografia e Literatura”, os quais buscam através das obras literárias aspectos para a compreensão dos lugares, das paisagens, das regiões e das dinâmicas espaciais.
O CORDEL COMO GÊNERO LITERÁRIO
A literatura de fato é produto cultural, como já enfatizado anteriormente, a qual caracteriza-se como um meio de produção social, cujo elemento básico que a constitui é uma língua natural, como demonstra JOBIM e SOUZA (1987), podendo ser dividida em gêneros literários e também por estilos de épocas, nesse caso, destacaremos apenas um dos gêneros[1], no caso, a poesia[2].
O cordel é uma construção poética, cujo nome deriva da forma como as obras produzidas eram comercializadas. Essas construções poéticas eram conhecidas também por livretos ou folhetos, os quais eram expostos à venda em cordas, daí a nomenclatura cordel. Tais construções poéticas também traziam consigo a oralidade, em que os versos construídos eram declamados nas feiras livres. Estima-se que essa prática no Brasil se deu com a sua colonização, sendo difundido, posteriormente, pelo território nacional, principalmente na região nordeste do País, como assim descrito:
Penso que o hábito de decorar histórias, dos cantos de trabalho, as cantigas de embalar e toda sorte de narrativas orais trazidas pelos colonizadores vão sedimentando, na cultura brasileira, o costume de cantar e contar histórias, de guardar na memória os acontecimentos da vida cotidiana. Assim, pouco a pouco, foi se desenvolvendo junto ao homem brasileiro, mais especificamente na região Nordeste, onde se deu o início da colonização, uma poesia oral com características muito peculiares (BARROSO, 2006, p. 22).
As primeiras práticas cordelísticas no nordeste brasileiro datam do final do século XVIII, enquanto as cantorias de violas do grupo de poetas da Serra do Teixeira, localizada no sertão do Estado da Paraíba, tinham como principal protagonista o poeta Agostinho Nunes da Costa (1797-1858). Essas cantorias de violas eram construídas em sextilhas, e eram declamadas em praças e feiras públicas. Nessa época, não se tem registros de poemas impressos em folhetos. Segundo SILVA (2007, p. 12), o cordel é fruto dessa oralidade:
E o cordel é, antes de tudo, fruto dessa oralidade, pois foi através das narrativas orais, contos e cantorias que surgiram nossos primeiros folhetos, tendo a métrica, o ritmo e a rima como seus elementos formais essencialmente marcantes nessa literatura.
Os primeiros registros de folhetos impressos datam do final do século XIX através das obras do poeta Leandro Gomes de Barros (1868-1919), cujo primeiro folheto impresso é de sua autoria (TEIXEIRA, 2008).
Essa construção poética se destaca pelo fator cultural (destacando principalmente a cultura do povo nordestino), pela sua oralidade (capacidade de ser declamada pela leitura ou de forma cantada) e pela sua identidade (tipicamente nordestina). Alguns estudiosos afirmam que o cordel é uma construção “puramente brasileira” (BARROSO, 2006, p. 30). Analisaremos agora a obra cordelística do poeta Antônio Francisco em busca de elementos geográficos que possam ser utilizados no processo ensino-aprendizagem.

A GEOGRAFIA NA OBRA DE ANTÔNIO FRANCISCO
Em sua obra, o poeta Antônio Francisco Teixeira de Melo aborda de forma crítica assuntos que também são abordados pela geografia, tais como, as transformações das paisagens, as mudanças no meio urbano, as questões sociais e ambientais, entre outros. A seguir, faremos uma análise desses conteúdos para que possam ser explorados no ensino escolar através da geografia. Vejamos, pois alguns exemplos.
No cordel “Um urubu Quase Santo”, Antônio Francisco faz uma crítica contundente à desigualdade social, como podemos perceber no fragmento de texto abaixo:
Todo fim de ano eu passo / De frente à mesma favela, / Na esperança de ver / O natal brilhando nela, / Mas só vejo a mão do mundo / Batendo no povo dela.
Um povo que vive bem / Distante do cidadão, / Entre urubus e porcos / Numa terrível missão: / Tirar o pão que mastiga / Da gordura do lixão. (...) (2007, p.55)
Nesse trecho do poema “Um urubu quase santo”, Antônio Francisco aborda a questão social, evidenciada no nosso dia a dia, a indiferença social, a miséria vivida por parte da população, a qual vive à margem da cidadania e apartada do acesso ao consumo. Essa mesma temática é abordada em outro poema denominado “A casa que a fome mora”:
(...) Vi a cara da miséria / Zombando da Humanidade / Vi a mão da caridade / Num gesto de um mendigo / Que dividia o abrigo, / A cama e o travesseiro, / Como um velho companheiro, /Que estava desempregado, / Vi da fome o resultado, / Mas dela nem o roteiro. (...) (2005, p.35)
É proposta a abordagem dessas temáticas sociais no 4º ciclo do ensino fundamental, o qual corresponde ao currículo do 8º e 9º ano, onde a temática é debatida no contexto da globalização, que, juntamente com a crescente influência capitalista e desenvolvimento da técnica, ciência e informação, proporcionaria o desenvolvimento de uma globalização capitalista, gerando, portanto, crescimento econômico concomitante à formação de desigualdades socioespaciais, já que essa globalização não se dá de forma homogênea, sendo seletiva e excludente.  Segundo os PCNs para a geografia se faz necessário que:
Essa análise deve ser feita sempre considerando os impactos local, regional e global. A globalização da economia tem contribuído para o acirramento das desigualdades. De um lado tem permitido que vários países localizados em vários pontos do planeta tenham acesso às grandes conquistas das tecnologias. Mas de outro tem gerado um quadro de superexploração dos recursos da natureza, atingindo até mesmo recursos básicos como o ar e água. (BRASIL, 1998. p.144)
Já no poema “Um bairro chamado Lagoa do Mato”, Antônio Francisco destaca outra questão que também é objeto da geografia, referente ao estudo do urbano. Nele, o autor aborda as transformações do seu bairro de origem, em que a construção da narrativa empreendida que, vai de passagens da infância à vida adulta, registra as transformações desse espaço/tempo em questão, como percebemos texto abaixo:
Nasci numa casa de frente para linha, / Num bairro chamado Lagoa do Mato. / Cresci vendo a garça, a marreca e o pato, / Brincando por trás da nossa cozinha. / A tarde chamava o vento que vinha / Das bandas da praia para nos abanar. / Titia gritava: está pronto o jantar! / O Sol se deitava, a lua saia, / O trem apitava, a máquina gemia, / Soltando faísca de fogo no ar.
O galo cantava, peru respondia, / Carão dava um grito quebrando aruá, / A cobra piava caçando preá, / Cantava em dueto o sapo e a jia, / Aguapé se deitava e depois se abria, / Soltava seu cheiro nos braços do ar / O vento trazia pro nosso pomar, / Vovô se sentava no meio da gente / Contando história de cabra valente / Ouvindo lá fora o vento cantar.
A lua entrava na casa da gente,/ Batia com força nas quatro paredes. / Seus cacos caíam debaixo das redes / Pintando na sala um céu diferente. / E com ele Zequinha pra gente brincar, / Comer melancia, depois se banhar / Nas águas barrentas daquela lagoa. / A vida era simples, barata, tão boa, / Que a gente nem via passar.
 O peixe batia, a água espanava, / A gente pegava uma ponta da linha, / Amarrava um anzol numa vara que tinha / E ia pra onde o peixe pulava. / Num quarto de hora a gente voltava, / Já tinha a traíra pra gente almoçar, / Piaba, manteiga pra gente fritar, / Titia fritava e a gente comia. / Faltava dinheiro, sobrava alegria / Naquele pequeno pedaço de lar. (MELO, 2005, p.55-56)
Nesse primeiro momento do texto, Antônio Francisco demonstra, em forma de versos, como era o bairro Lagoa do Mato, situado na parte urbana da cidade de Mossoró-RN, nos seus tempos de infância, entre as décadas de 1950-1960, período este em que a configuração espacial e os elementos presente no bairro configuravam-se de maneira totalmente diferente da atual, como podemos perceber na segunda parte do cordel:
Mas hoje nosso bairro está diferente. / Calou-se o carão, que cantava na croa, / A boca do tempo comeu a lagoa / E com ela se foi o sossego da gente. / O vento que sopra agora é mais quente / E sem energia não sabe soprar. / A máquina do trem deixou de passar, / Ninguém olha mais pros raios da lua / Que vivem perdidos no meio da rua / Por trás dos néons sem poder brilhar. (...) (MELO, 2005, p.55-56)
Nesse mesmo poema, Antônio Francisco também aborda outra questão que tem forte inserção na Geografia: a relação entre a sociedade e a natureza, a qual resulta na degradação do meio natural, como percebemos no urbano contemporâneo.
Degradação essa que é fruto do processo caótico do modelo de urbanização preconizado e induzido pelas forças do modo de produção capitalista e das ações de agentes e empresas inseridos nessa realidade.
Perdeu-se a traíra debaixo do barro, / O sapo e a jia também foram embora. / Aguapé criou pé, deu no pé e agora? / Só as rosas de plástico tristonhas num jarro, / Fumaça de lixo, descarga de carro, / Suor de esgoto pra gente cheirar (...) (MELO, 2005, p. 56)
Assuntos relacionados à educação ambiental são inseridos no currículo da geografia e é proposto o estudo dessa temática segundo os PCNs da geografia escolar no eixo 3, que corresponde os estudos sobre, modernização, modo de vida e a problemática ambiental, estudados no 5º e 6ª ano do ensino fundamental, dessa forma,
Propõe-se um trabalho mais detalhado com a modernização, modos de vida e a problemática ambiental. Ao cuidar dos temas desse eixo, o professor poderá dar um tratamento mais aprofundado, abordando o campo da ecologia política, discutindo temas tais como as mudanças ambientais globais, a questão do desenvolvimento sustentável ou das formas de ocorrência e controle da poluição. A proposta de Geografia para estudo das questões ambientais favorece uma visão clara dos problemas de ordem local, regional e global, ajudando a sua compreensão e explicação, fornecendo elementos para a tomada de decisões e permitindo intervenções necessárias. (BRASIL, 1998. p. 46).

CONCLUSÃO

Como visto, é notória a presença de elementos e temas geográficos na obra de Antônio Francisco. Dessa forma, podemos concluir que, é sim possível, correlacionar a obra cordelística desse autor com a geografia, pois, como já destacado aqui, na literatura de cordel é possível encontrar elementos que são claramente objeto de estudo da geografia e que destacam temas que são abordados em sala de aula, como está proposto pelos PCNs, por exemplo.
O Cordel pode ser utilizado como uma ferramenta auxiliadora no ensino da geografia, proporcionado, assim, tanto ao professor como ao aluno, experiência diferenciada, que, por sua vez, quebraria com os monótonos e fastigiosos métodos utilizados ainda nos dias atuais.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria do Socorro Pereira de. Literatura e ensino: perspectivas metodológicas. Rios Eletrônica- Revista Científica da FASETE, ano 8 n. 8 dezembro de 2014. Disponível em: < http://www.fasete.edu.br/revistarios/media/revistas/2014/literatura_e_ensino_perspectivas_metodologicas.pdf>. Acesso em: 13/10/2016.
AZEVEDO, Ricardo. Cultura popular, Literatura e padrões culturais. 2008. Disponível em: < http://www.ricardoazevedo.com.br/wp/wp-content/uploads/Cultura-popular.pdf> Acesso em: 27/04/2017.
BARROSO, Maria Helenice. Os cordelistas no D.F.: dedilhando a viola, contando a história. Dissertação de Mestrado pela Universidade de Brasília – UnB, 2006.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : geografia / Secretaria de Educação Fundamental. . Brasília : MEC/SEF, 1998. 156 p.
BROSSEAU, Marc. Geografia e Literatura. IN: CORRÊA, Roberto lobato; ROSENDAHL, Zeny (org.). Literatura, Música e Espaço. Rio de Janeiro: UERJ, 2007.
______. O Romance: Outro sujeito para a geografia. In: CORRÊA, Roberto lobato; ROSENDAHL, Zeny (org.). Literatura, Música e Espaço. Rio de Janeiro: UERJ, 2007.
CLAVAL, Paul. Introdução. Uma, ou algumas, abordagem(ns) cultural(is) na geografia humana?. IN: SERPA, Angelo (org.). Espaços culturais. Vivências, imaginações e representações. Salvador: EDUFBA , 2008.
CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny. Introdução a geografia cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
JOBIM, José Luis; SOUZA, Roberto Acízelo de. Iniciação à literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1987.
MARANDOLA JR., Eduardo; GRATÃO, Lúcia Helena Batista. Geografia e Literatura: Ensaios sobre geograficidade, poética e imaginação. Londrina: EDUEL, 2010. 354p.
MELO, Antônio Francisco Teixeira. Veredas de Sombra. Mossoró: Queima-Bucha, 2 ed., 2007.
______. Por motivo de versos. Mossoró, Queima-Bucha, 4 ed., 2005.
SANTOS, José Luiz de. O que é cultura. - 6ª ed. Coleção primeiros passos - São Paulo, Editora Brasiliense, 1987. 
SILVA, Josivaldo Custódio da. Literatura de cordel:  Um fazer popular a caminho da sala de aula. 2007. 133f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. João Pessoa, 2007. Disponivel em: Acesso em: 04/02/2017.
TEIXEIRA, Larissa Amaral. Literatura de cordel no Brasil: Os folhetos e a função Circunstancial. [Trabalho de conclusão de curso]. Brasília: Centro Universitário de Brasília, Faculdade de tecnologia e ciências sociais aplicadas, curso de comunicação social, habilitação em jornalismo, 2008.
Trabalho vencedor do Prêmio José Lacerda Alves Felipe, versão 2017, concedido pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte no ensejo do XXIII Encontro Estadual de Geografia do Rio Grande do Norte – EGEORN.
[1] A classificação da literatura é feita a partir de determinados critérios ou pontos de referências. Atualmente são utilizadas duas classificações para os gêneros literários. Um critério baseado no fator rítmico, chamado prosa e poesia; outro baseado no fator histórico, podendo ser chamado de lírico, narrativo e dramático. (JOBIM; SOUZA. 1987).
[2] Gênero de literatura caracterizado pelo uso do verso, da linguagem metrificada, oposto ao gênero chamado prosa; 2. Literatura, englobando as manifestações tanto em linguagem metrificada quanto em não-metrificada, desde que em tais manifestações se reconheçam propriedades consideradas artísticas e/ou ficcionais, por oposição às demais obras escritas — científicas ou técnicas — destituídas de tais propriedades; 3. Circunstância, paisagem, manifestação artística, situação existencial, etc, dotados de aparência tida como bela ou comovente, capaz, portanto, de gerar especiais ressonâncias interiores no espectador (JOBIM; SOUZA. 2007,p. 43-44).

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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