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sábado, 2 de setembro de 2017

A CONSTRUÇÃO DE MITOS

*Rangel Alves da Costa

O mundo está cheio de pessoas forjadamente transformadas em mitos. Surgido propositalmente na própria pessoa ou através de outros que vão espalhando mentiras, a verdade é que a mitificação se alastrou de tal modo que de repente qualquer distante desconhecido passe a ser propagado com endeusamento. O conceito de mitificação, como conferir demasiadas qualidades a alguém, porém de modo a ocultar a verdade, corresponde bem às divinizações que se alastram.
São as conveniências que vão mitificando pessoas que, muitas vezes, não mereceriam sequer reconhecimento. E uma vez tornadas em mitos é como se suas caracterizações pessoais tivessem validade somente dali em diante. Setores da imprensa, o mundo televisivo, a bajulação política, o puxa-saquismo governamental, a desavergonhada idolatria, os partidarismos exacerbados, o desconhecimento da realidade e o temor religioso, são alguns dos principais construtores do mito moderno, principalmente o social.
Diz-se do mito social por que há uma construção de imagens colocando pessoas em verdadeiros altares. Estratagemas são utilizados para transformação de caráteres, de feitos, de comportamentos, de atitudes e fazeres. Como diante de um barro bruto, lamacento, simplesmente fazem a moldagem e tentam repassá-la como porcelana de antiga dinastia. Um vaso chinês num pote imprestável. Ao converter pessoas comuns, e até insignificantes, em mitos, logo se estará criando situações irreais e mentirosas. Mas assim ocorre em todos os setores da vida.
O mito social é muito mais por conveniência do que por valorização. E neste aspecto diferente do mito histórico. Este, que se deseje ou não, surge da comprovação de fatos, do percurso histórico de pessoas cujas ações persistiram na memória como o próprio nome. Seja na ação reconhecida como boa ou ruim, no heroísmo ou na incompreensão, a verdade é que a mitificação vai surgindo como forjada na pedra. Em tal contexto, mito é Padre Cícero, é Antônio Conselheiro, é Lampião, é o Beato Pedro Batista. Por que mito? Procure compreendê-los e continuará com mais perguntas que respostas. Assim o mito histórico.
Na contramão da história, ou de qualquer fazer de relevo, se assenta o mito social. E o mitificado, ao menos para alguns objetivos ou porque necessita ter seu nome na mídia, pode ser qualquer um. Mas nem todo mundo pode se tornar mito. Não se não tiver poder para sustentar sua imagem, não se não tiver dinheiro para comprar uma imagem, e não se não tiver uma sociedade que o reconheça pela imagem forjada e não pelo que verdadeiramente é. Quer dizer, o mito social se lastreia num forjamento, numa mentira nascida para ir se tornando verdade.
Fruto de espertezas, conveniências, desconhecimento da realidade ou até inocência, o mito forjado na mentira, quando não desmascarado a tempo, tem o poder de transformar-se em verdade como a mentira repetida e acreditada acaba se tornando incontestável. Mas então, haveria de se indagar, quais as motivações para que uma pessoa procure falsamente se mitificar e também o que leva outras pessoas a forjar fatos, acontecimentos e realidades.
Antes de qualquer resposta, urge acentuar que o conceito de mito, no contexto aqui proposto, surgiu na história como forma de dignificar pessoas e acontecimentos, cujas ações estão envoltas em sobrenaturalidade, heroísmo, em feitos maravilhosos, na diferenciação da ação comum dos homens. É neste sentido que se mitifica personagens históricos e torna em verdadeiras lendas determinadas ações humanas.
No contexto geral, o mito remete a feitos extraordinários, a divindades e seres fantásticos. A mitologia insere-se neste contexto por tratar de seres sobrenaturais, cercados de simbologias e venerados na forma de deuses, semideuses e heróis, responsáveis pelos elementos que regem o universo. Quando se fala em Zeus, em Hércules, em Atena, está-se falando em verdadeiro mito. E também a narrativa acerca dos grandes feitos dos deuses, bem como a explicação do surgimento das coisas através das forças da natureza.
Por outro lado, costumou-se desnortear de tal modo o conceito de mito que atualmente ele é utilizado para denotar mentiras, inverdades, criações absurdas, construções de imagens e propagação de valores inexistentes. Daí afirmar-se que a sociedade relegou a historicidade filosófica do mito para abraçar o ideário da mitificação de qualquer coisa e qualquer um. Surgem assim as mitificações de artistas, cantores, políticos e até de criminosos.
E é fácil reconhecer o mito urdido, nascida da maquinação. Uma pessoa, por exemplo, que nunca escreveu um livro, um poema ou um discurso, e de repente é elevado ao panteão da imortalidade acadêmica, logicamente que foi mitificado pelo poder, e não pelo valor cultural ou intelectual. Uma pessoa em cuja região não fez mais que mil partos, e aos poucos vai sendo cantada e decantada como possuidora de mãos de mais de cinco mil nascimentos, certamente que estará havendo um exagero premeditado. E surgido tanto da pessoa mitificada quanto daqueles que espalham inverdades.
Mas é bom crer nos mitos, eis que eles existem. E tanto existem que ainda nos perguntamos como Ulisses venceu tantos desafios e sua Penélope virtuosa não cedeu às tentações. E também por que Deus não é mito. É somente a verdade.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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