*Rangel Alves da Costa
Triste destino de uma nação que nasce usurpada na sua raiz. Desde os tempos coloniais, a partir do primeiro instante que o dito descobridor às suas margens aportou, que o Brasil vem sendo dizimado por exploradores, usurpadores, ladrões de todas as riquezas e esperanças.
A farsa da descoberta foi o álibi para o apossamento sem fim. Chegados em terra de ninguém, vez que o índio sempre considerado como um nada, então lançaram mão de tudo o que pudessem encontrar. Primeiro, a dignidade de um povo. Depois, a dignidade de uma população. E ainda depois, perante as riquezas ainda existentes, simplesmente às mãos dos corsários modernos.
Um triste percurso, o brasileiro. O governo colonial, sob o jugo e ordem do reinado lusitano, logo cuidou de se apoderar das terras, dividi-las entre os seus, distribuir deveres e obrigações, resguardando para si todos os proveitos. A terra nada, tudo ao donatário, ao governo colonial, ao império. Governado de cima para baixo, abaixo as opressões e os mandos e desmandos dos donos do poder.
Nada a terra senão o uso e o abuso. O nativo explorado, dizimado, logrado na sua identidade. O mero sobrevivente destes tristes trópicos, apenas o contínuo esforço para manter o esfomeado saco de tributações. Taxas, impostos, obrigações estapafúrdias, tudo objetivando lustrar de riqueza os brilhos da famigerada coroa. O poder destripando o indigente para se arvorar de ser senhorio.
E desde então o calvário de um povo em busca dos dias melhores que nunca chegam. E não chegam por que lutas, sacrifícios e sonhos usurpados pelo poder opressor. Aquele primeiro que oprimiu o índio continuou oprimindo a sociedade colonial e depois toda a população brasileira. Ora, o poder muda de mãos mas continua com a mesma feição. Vão-se os escudos e os brasões e continuam as siglas partidárias e as enlameadas bandeiras políticas.
Desde aqueles tempos primeiros que o coração do Brasil foi sendo continuamente dizimado pelo usurpador. Tomaram a terra do seu primeiro habitante e depois tomaram tudo dos demais habitantes. Ora, a partir de então, apenas o direito de nascer e de à míngua sobreviver, pois o restante tudo nas mãos dos exploradores, usurpadores, dos políticos e governantes. E jamais houve limites para os saqueadores da nação brasileira.
Como no livro de Dee Brown, talvez algum velho cacique tenha igualmente dito que enterrassem seu coração na curva do rio. Com efeito, o livro de Brown (Enterrem meu coração na curva do rio) conta a saga dos massacres contra tribos indígenas das nações Dakota, Ute, Sioux, Cheyenne e outras, pelos colonizadores do velho oeste norte-americano. No caso brasileiro, toda uma nação de coração enterrado na curva de qualquer rio.
O que resta, então, de uma pátria ser ter coração? E já não ter coração pelo fato de que os que os gananciosos simplesmente usurparam toda a sua seiva, todo seu pulsar de vida. E já não ter coração pulsando por que toda a alegria foi esbulhada, toda a esperança foi abarcada, todo o futuro foi espoliado e extorquido. Não tem mais coração a pulsar uma pátria transformada em jogo de interesses, em manipulações de poder, em meio de ilicitudes, em cofres esvaziados pelos poderosos da nação. Um festim de ladroeiras, de ladroices, de corrupções.
Uma nação subjugada, ajoelhada e aviltada, por todo aquele que se disse com poder sobre a terra, sobre o povo e suas riquezas. Quando mais se arvora do poder de governar mais faz o povo brasileiro padecer como se o seu destino fosse de desvalia e de sofrimento. Submeteu o índio, açoitou o escravo, em seguida colocou o povo em curral, sob rédeas, ordenando apenas que tirasse do corpo o suor de sangue para alimentar a vileza do poder. E nada modificou daí em diante.
O que faz o brasileiro atual senão viver submetido à escravidão? Não há o mesmo tronco, não há a mesma chibata, mas os grilhões continuam dilacerantes, os senhores-do-mato continuam fazendo vítimas. Será que não é escravo um povo que tem de pagar na pele e no estômago pelas mazelas dos outros, pelas roubalheiras desenfreadas e pelas corrupções desmedidas? É o mesmo algoz da nação o político, o poderoso ou o mandatário, que tira, através da ilicitude, a sua seiva de sobrevivência.
Quando o velho cacique ao longe avistou a frota chegando, então olhou aos céus para dizer seu adeus. E viu as águas apodrecidas, e viu as matas devastadas, e viu a terra carcomida pelo solado do explorador. Olhou para o pequeno piá desnudo e disse que não adiantava mais encobrir o corpo, pois dali em diante a nudez seria avistada até por cima dos panos. A nudez da pobreza, da fome, do sofrimento, da desolação e da desesperança. Então repetiu: enterrem meu coração na curva do rio.
E com o coração do velho cacique também toda uma nação. Não apenas a indígena, mas também essa de um povo que chora sua crescente pobreza.
Escritor
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