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quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

NO SÃO JOÃO DO BARRO VERMELHO

Por Anildomá Willians de Souza

Florentino e Amélia saíram de São Sarafim e vieram morar em São João do Barro Vermelho, pertencente à Vila Bela, atual Serra Talhada. Em lá chegando entraram no ramo comercial adquirindo um estabelecimento de esquina já todo montado, com várias prateleiras, um balcão imenso que tomava conta da metade do salão, ficando a outra parte para os frequeses serem despachados. Como a povoação prosperava cuidou de adquirir outros produtos necessários para a população, como tecidos em várias opções em cores e águas de cheiro, gêneros alimentícios e medicamentos, enfim, como diz na região, um armazém sortido de tudo.


Certo dia Lampião estava na fazenda Ponta da Serra quando soube da chegada desse novo morador e do sucesso que estava fazendo com seu comércio repleto de novidades e bugigangas da moda. Mas soube também de coisas que não deveria saber, que a esposa do proprietário, dona Amélia, dizia vez em quando a uns e a outros “que os cangaceiros eram vagabundos, deveriam trabalhar ao invés de pedir o que é alheio”. 

Deixa que Lampião queria pra mandar buscar ao casal um conto de réis e duas caixas de bala de rífle. O marido até que não era de muita conversa, mas a mulher mandou a resposta sem muita diferença dos comentários que já fazia.

Passaram-se algumas semanas. Até que numa tarde risca no largo na única rua do povoado uns vinte cavaleiros em possantes cavalos. Uns amarram os animais no tronco de uma árvore frondosa, outros levam pra o oitão da igreja, onde não falta a meninada que se prontifica logo em dar água e comida às montarias. De dentro das casas e bodegas começam a sair as pessoas se dirigindo para os recém chegados abraçando e dando boas vindas aos cangaceiros e em especial a Lampião.

Todos foram arriando os chapéus e folgando as cartucheiras caminhando para o estabelecimento de secos e molhados de Seu Umbelino saborear suas bebidas mais chegadas, ao mesmo tempo a molecada corria acompanhando os cabras para receberem doces, bolacha, moedas e escutar histórias. Lampião juntamente com Antonio Rosa e Meia Noite foram direto ao comércio do Florentino. Cumprimentaram-se sem rodeios e com a educação natural dos sertanejos. Ao mesmo tempo Lampião corria a vista pelas prateleiras a modo de verificar o estoque e que produtos dispunha na loja que pudesse lhe interessar.

Os dois cangaceiros que acompanhavam o chefe começaram a pedir algumas mercadorias, e o dono ia colocando em cima do grande balcão: u
ma peça completa de tecido cáqui, mais uma peça azul mescla, uma caixa de linha e assim ia avolumando a compra, quando a mulher do dono aparece avexada entrando no comércio vindo de uma casa vizinha. Vendo o marido já embrulhando aquela quantidade de produtos, pergunta em tom desafiador:

- Quem vai pagar?

Lampião responde:

- Estava aguardando a senhora chegar pra dizer que quem vai pagar tudo isso vai ser a sua língua mal criada!

O casal empalideceu, engoliram saliva, arreganharam os olhos ao verem Lampião lentamente puxando um facão da cintura.

Seu Umbelino vinha entrando nesse exato momento e interviu, pedindo que Lampião não fizesse nada com Amélia, que era uma pessoa boa e que não conhecia todo mundo no São João, mas ajudava no zelo da igreja e da escolinha. 

Lampião ponderou, devolveu o enorme facão afiado de morte a bainha, entendeu resmungando qualquer coisa, mas disse que as conversas desaforadas daquela senhora iam custar alguma coisa. 

Os cangaceiros chamaram então as pessoas mais humildes que estavam por ali, mandou formar uma fila e destribuiram boa parte da mercadoria estocada. Por fim, quando não havia mais a quem entregar produtos, atearam fogo nuns rolos de tecidos que estavam na parte mais alta das prateleiras. 

Quando as labaredas começaram a se alastrar pra casa vizinha, os próprios cangaceiros cuidaram de apagar as chamas pra não gerar prejuízos aos que nada tinham haver com a história.

No meio da rua, os cangaceiros com garrafas na mão, rodeados de meninos, dançavam xaxado, cantando:

Livino é prata fina
Lampião cordão de ouro
Amélia é mala velha
Florentino surrão de couro
Olê Mulher Rendeira
Olé mulher rendá...

Essa história é escutada por qualquer pessoa que chega no São João do Barro Vermelho. Foi Ritinha Gomes, neta de dona Especiosa Gomes da Luz, comadre e costureira de Lampião, quem me narrou conforme está aqui.

Extraido do livro LAMPIÃO E O SERTÃO DO PAJEÚ, de Anildomá Willans de Souza.


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