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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

“O GLOBO”- 19/11/1958 - PARTE XIII

Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho

COMO SE FORJA UM CANGACEIRO

O BAILE DE VASSOURA

Brigam os Irmãos – Cirilo Ficou Desconsolado Por Ter Matado Antônio – O Mais Perverso do Bando – A Aparência de Gato Enganava os Mais Entendidos.

OS DOIS primos de José Baiano, apesar de não serem santos, não eram cruéis assim. Eram irmãos e viviam sempre juntos, entendendo-se perfeitamente bem. Antônio e Cirilo eram mesmo unidos, e até em combate um estava sempre atento ao outro, pois parecia que não queriam de forma alguma separar-se. Apesar disso, uma desgraça procurada por eles mesmos pôs fim àquela união. Vale a pena contar:

O bando encontrava-se na fazenda de Vassoura, no interior da Bahia, e, certa noite, os “cabras” resolveram organizar um baile. Havia fartura de tudo nesse baile: bebida, comida, música, cantadores, porém... poucas mulheres. Essas eram disputadíssimas pelos “cavalheiros” e, horas depois, com a cachaça subindo à cabeça de todos, começaram a surgir desentendimentos.

Cirilo, desde o começo, dançava com uma cabocla, e seu irmão, sem sorte, não conseguia par. Os que tinham dama zombavam dos outros, cujo consolo era beber, beber bastante, e engolir as zombarias.

Em dado momento, Antônio resolveu arranjar uma dama, e cismou que essa devia ser a que dançava com o mano. Cirilo não concordou com a ideia do irmão, que estava bastante bêbado, e protestou. De nada valeram os protestos, pois Antônio insistia em tomar-lhe o par, a tal ponto que quase deu em briga. Lampião não estava presente, senão a coisa não chegaria a tanto.

Os outros “cabras” interviram e Antônio acalmou-se, esperou a música e tirou a dama do irmão, que, sem saber o que fazer, calou. Todavia, enfurecido, resolveu embriagar-se também. Quando estava bêbado, tal e qual Antônio, resolveu retomar o seu par. Nova discussão, e Cirilo puxa do revólver e vara a cabeça de Antônio com uma bala, matando-o quase que instantaneamente.

DEPOIS DE ANTÔNIO, CIRILO

QUANDO Antônio tombou, Cirilo deixou a arma ao chão e, aturdido, saiu, cambaleante e aparvalhado. Sumiu-se naquela noite e só voltou no dia seguinte, na hora do enterro. Estava alquebrado e chorava muito. Parecia uma mulher, tal o desespero de que estava possuído.

Lampião soube de tudo naquela noite mesmo e depois do enterro de Antônio, chamou Cirilo e disse-lhe:

“Você bebe para isso... tirar a vida de seu irmão...”

Mas como Cirilo não parasse de soluçar, com as mãos cobrindo o rosto, arrematou com um tapinha nas costas, ao mesmo tempo em que se afastava:

“Mas que se há de fazer?”

Cirilo levou muito tempo acabrunhado, sem querer comer, chorando a todo instante. Não se cansava de dizer:

“Meu irmão... meu irmão foi sempre meu defensor, e eu o matei...”

Daí por diante, Cirilo virou um trapo e era um autômato de Lampião. Fazia o que lhe mandasse, sem discutir, nem comentar. Estava sempre triste, até que um dia a Volante teve um gesto inconscientemente caridoso, matando aquele infeliz fratricida que perambulava pelas caatingas com a alma em farrapos e a consciência corroída pelo remorso. Cirilo morreu uns seis meses depois de matar o irmão, num combate que travamos no interior de Sergipe.

“CABRA” RUIM

A FALTA de Cirilo não foi das que Lampião deixava passar sem punição, mas creio que foi o fato da bebedeira, bem como da grande amizade que unia os dois irmãos, que o fez não intervir no caso. Depois, Cirilo foi bem castigado pelo arrependimento. Mas o fato é que Lampião não aprovava muito a morte de parentes, estranhando sempre que houvesse gente com coragem para tanto... Sei disso porque se alguém lhe perguntasse qual o mais perverso “cabra” de seu bando, ele não lembraria de Corisco, de José Baiano ou outro realmente mau. Mencionaria um baiano forte, de boa estatura, caboclo, com cerca de 25 anos (quando ingressou no bando) e de que só se conhecia o sobrenome Santo e o apelido: Gato. Esse “cabra”, que não ficava muito atrás de um felino em agilidade, tinha Santo no nome e era um demônio. Valente e ruim como ele só, mas o que fez Lampião arregalar os olhos foi um caso que passo a narrar:

Gato era natural de Brejo do Burrico, interior da Bahia, e nunca se deu bem com a família. Sempre foi um “incompreendido” em casa e, como perdera os pais cedo, foi criado pela avó e duas tias. Tinha, porém, vários irmãos de ambos os sexos, e sua família morava toda no arraial. Um dia deixou a casa e passou a viver criminosamente, acabando por ingressar no bando de Lampião. Levou um ano nessa vida, e de quando em vez se ausentava, sendo que numa delas foi ver a família. Esta, ao vê-lo, denunciou-o à Volante, que por um triz não o pegou. Ele deixou o tempo correr e, um belo dia, quando o bando se encontrava na fazenda do Juá, pediu licença para ver a família novamente, dizendo: 

“Eles estão me devendo...”

Foi e voltou sem nada contar, e ninguém nada lhe perguntou. Gato, daquela feita, fora a Brejo do Burrico, e dizimara toda a família. Interrogando-o, ele respondeu:

“É seu Capitão, eu liquidei todos os que encontrei. Só não morreu quem não estava lá. Só não matei meu pai e minha mãe, porque eles já são mortos, mas, em compensação, acabei com minha avó, duas tias, quatro irmãos e dois primos sem-vergonha que nunca foram comigo!”

Lampião, admirado, indagou:

“Mas... você matou seus irmãos? Por que não deu uma surra?”

E gato calmamente explicou:

“Eu batia neles, eles fugiam para o mato, contavam aos ‘macacos’, e eles vinham me matar... Não, o melhor era mesmo dar cabo logo”.

Lampião afastou-se, intrigado, e de vez em quando comentava o caso. A mim me parecia que não simpatizava muito com Gato, mas o suportou por muito tempo, pois ele só morreu anos depois de eu já estar preso. Foi morto pelas balas da volante nas margens do São Francisco.

Não convém encerrar, porém, sem acrescentar que Gato não aparentava ser o que era, pois sempre foi brincalhão e dava-se bem com todos. Era mesmo o mais alegre do bando, o que fortalece o ditado:

“Quem vê cara não vê coração”. Aquele coração ninguém viu jamais...

Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho

Informação do http://blogdomendesemendes.blogspot.com

O cangaceiro Volta Seca afirma que o facínora Zé Baiano era primo dos cangaceiros Antonio de Ingrácias e Cirilo de Ingrácias, mas não era. Zé Baiano era sobrinho destes cangaceiros, segundo informações de vários pesquisadores do cangaço.

O cangaceiro Volta Seca não teve tempo suficiente para saber tudo sobre o cangaço, pois ainda adolescente, foi preso e condenado a passar mais de 20 anos na cadeia. Durante este período ele fugiu da cadeira algumas vezes, mas sempre era capturado pela polícia, fazendo com que continuasse por trás das grades. 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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