Por Honório de Medeiros
Concluída a
leitura de “Padre Cícero”, do escritor cearense Lira Neto, cujo subtítulo é
“Poder, Fé e Guerra no Sertão”, Companhia das Letras - “um tijolo” - como diz
Aluísio Lacerda, passo a recomendá-lo vivamente aos amigos leitores do blog.
Lira Neto foi,
para mim, uma grande e agradável surpresa. Nascido em Fortaleza, Ceará, 1963,
já abocanhou o Jabuti em 2007, na categoria “melhor biografia” por “O Inimigo
do Rei: Uma Biografia de José de Alencar”. Também escreveu “Maysa: Só Numa
Multidão de Amores”, e “Castello: A Marcha para a Ditadura”. Não os li, mas que
prometem, prometem. E, claro, escreveu a excepcional biografia de Getúlio
Vargas, mas essa é outra história. Duvido que os outros sejam tão bons
quanto “Padre Cícero”. Tão bons quanto, assinalo.
Primeiro por
que é muito bem escrito: a leitura é muito agradável, flui fácil, o texto é
envolvente; segundo por que a reconstituição histórica, inclusive em termos
fotográficos, é primorosa; e terceiro, mas, não, por fim, é impressionante a
dimensão do personagem principal e daqueles “secundários”, como é o caso do Dr.
Floro Bartolomeu, baiano, médico, garimpeiro, político, ferrabrás, a “alma
negra” do Padre Cícero, ou mesmo da Beata Maria de Araújo, negra, analfabeta,
protagonista do “milagre do Juazeiro”, que consistiu em cuspir hóstias
transformadas em sangue, quando da Comunhão.
A Beata, que
até palmatoradas tomou do Vigário do Crato, e foi exilada durante anos de sua
Juazeiro natal por ordem da Igreja, também entrava em êxtase e apresentava os
estigmas de Cristo, ao mesmo tempo em que se banhava de sangue para logo depois
“acordar” limpa e sem qualquer marca no corpo – fenômenos constatados por
padres e médicos.
Mas há outros
personagens menores sumamente interessantes: o que dizer do Conde Adolphe
Achille van den Brule, ex-camareiro do Papa Leão XIII, companheiro e sócio de
Floro Bartolomeu, que se apaixonou por uma Juazeirense e, mesmo sendo casado na
Europa e lá tendo deixado dois filhos, casou-se novamente no Cariri, nele
fincou raízes e nunca mais voltou?
Além dos
personagens, alguns fatos históricos relatados na obra chamam a atenção, como a
tomada do poder central, em Fortaleza, pelos coronéis do Cariri tendo, à
frente, Floro Bartolomeu e um exército de cangaceiros, jagunços, romeiros e
devotos de Padre Cícero, todos pelo “padim” abençoados? Revolta que derrubou,
na ponta do fuzil, o Governador Franco Rabelo, amado pelos fortalezenses, e, de
permeio, matou o nosso Capitão José da Penha, que com ele se solidarizara?
O livro deixa
algumas interrogações no ar: qual o passado de Floro Bartolomeu e o fim do
Conde van den Brule? Por outro lado demonstra, à exaustão, como a incompetência
da Igreja Oficial, externada, principalmente, dentre outros, por intermédio do
Segundo Bispo do Ceará Dom Joaquim José Vieira. Preconceito, racismo,
intransigência, autoritarismo, alheamento, burrice, tudo isso serviu como
combustível de primeira grandeza para alimentar o incêndio fanático no qual se
transformou Padre Cícero.
E o que dizer
de Padre Cícero? Nada. É preciso ler o livro. Entretanto é possível ter uma
noção de sua sabedoria tomando conhecimento de seu catecismo ecológico, vazado
lá pelos idos da virada do século XIX para o XX, e distribuído com os
agricultores:
“Não toquem
fogo no roçado nem na caatinga; não cacem mais e deixem os bichos viverem; não
criem o boi nem o bode soltos; façam cercados e deixem o pasto descansar para
se refazer; não plantem em serra acima, nem façam roçado em ladeira muito em
pé: deixem o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se
perca a sua riqueza; façam uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água
da chuva; represem os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra
solta; plantem cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou
outra árvore qualquer, até que o Sertão todo seja uma mata só; aprendam a tirar
proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas
podem ajudar vocês a conviverem com a seca. Se o sertanejo obedecer a estes
preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá
sempre o que comer; mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o Sertão vai
virar um deserto só.” Enfim, uma grande obra. Para ser lida ou para ser
estudada. Ou ambas, nada impede.
Honorio de
Medeiros
Mestre em
Direito; Professor de Filosofia do Direito da Universidade Potiguar (Unp);
Assessor Jurídico do Estado do Rio Grande do Norte; Advogado (Direito
Público); Ensaísta. Pesquisador e Escritor; Conselheiro Cariri Cangaço Fonte:http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/
http://cariricangaco.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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