Delmiro
Gouveia, se vivo, hoje estaria com 162, parabéns ao grande empreendedor
nordestino, e que sua figura continue admirada e cultuada, e que seja espelho
de um Brasil melhor e progressista.
Delmiro
Augusto da Cruz Gouveia nasceu em 1863, fruto de um relacionamento arrebatador
entre Delmiro Porfírio de Farias, mais conhecido como Belo, de 34 anos,
tropeiro e uma adolescente chamada Leonila Flora da Cruz Gouveia, que mal havia
completado os 14 anos. A paixão levou Belo a raptar Leonila. Foram meses em
fuga pelo sertão, pois a polícia e os jagunços enviados pelo pai da moça
estavam no encalço dos dois amantes. Em meio a essa fuga nasceram Maria Augusta
e o futuro coronel Delmiro. Logo depois, Belo foi convocado para a Guerra do
Paraguai e não retornou mais. A viúva Leonila decidiu morar em Recife e ficou
em dificuldades para criar os filhos, pois a sua antiga família a renegara
depois da união com Belo. Contudo, pouco tempo depois, Leonila casou-se com o
advogado Meira Vasconcelos, para quem trabalhava como governanta.
Quando Delmiro
Gouveia completou 15 anos, sua mãe faleceu decorrente de problemas no coração.
A partir daí, o jovem Delmiro resolveu ganhar a vida e começou a trabalhar.
Tinha recebido as primeiras instruções em casa com a própria mãe e o padrasto.
Exerceu os mais variados tipos de serviço, como bilheteiro em uma empresa de
transporte urbano, condutor e depois, em 1881, tornou-se caixeiro no comércio
de Recife. Fez amizade com o comerciante de algodão Francisco Xavier dos
Santos, que o apresentou a um amigo, o tabelião Antonio Severiano de Melo
Falcão. Este último tinha uma filha de apenas 13 anos, Anunciada Cândida ou
Iaiá, por quem Delmiro se apaixonou. O casamento ocorreu em 1883.
A situação do
Nordeste nessa época não era das melhores e conseguir sobreviver não era fácil
para aqueles menos privilegiados. As secas começavam a dispersar uma parte da
população do sertão em direção à Amazônia, onde começava o ciclo da borracha. A
riqueza da economia açucareira era uma lembrança do passado e as atenções do
país estavam voltadas para o café, produzido no Sul. Contudo, a região
apresentava a possibilidade da produção e comercialização do couro obtido do
boi, cavalo, bode, carneiro, burro e até do jegue. A atividade atraia
estrangeiros, entre eles o sueco Hermann Lundgren, cuja família fundaria o
império das Casas Pernambucanas. Foi nessa atividade que Delmiro Gouveia
começou a prosperar e como representante da casa norte-americana Keen Sutterly
& Co. Ltd. . Logo depois de uma viagem aos Estados Unidos, Delmiro
tornou-se o gerente de todos os negócios da firma em Pernambuco.
Em 1894 voltou
aos Estados Unidos (na foto acima, Delmiro Gouvea diante das cataratas de
Niagara) para comprar as instalações da firma norte-americana que havia
encerrado as suas operações no Brasil. Delmiro também realizara outros negócios
paralelos no ramo dos couros, que incluíam a poderosa empresa de peles
norte-americana J. H. Rossbach Brothers.
Em 1897, era
um comerciante próspero e construiu uma bela casa em Apipucos, nas proximidades
de Recife. Delmiro tornava-se uma figura atraente na sociedade local e
envolvia-se frequentemente com outras mulheres. Embora na sociedade patriarcal
da época isso fosse algo comum, no caso de Delmiro ganhava muita notoriedade,
principalmente o seu gosto por cantoras de ópera, as quais homenageava com
presentes caros em sua própria casa. Sem condições emocionais de suportar esses
escândalos, dona Iaiá resolveu deixá-lo em definitivo.
Delmiro
Gouveia, ao contrário dos outros membros da elite dos coronéis, pensava em
diversificar os seus negócios e em 1898 firmou um contrato com a prefeitura de
Recife para instalar um Mercado Modelo, no antigo Derby Club da cidade. No ano
seguinte, o mesmo já estava sendo inaugurado. A novidade para a população
recifense: os preços inferiores aos dos outros lugares da cidade. O Mercado
funcionava durante a noite com luz elétrica e tendo atrativos como carrosséis,
teatro, hotel de luxo, velódromo e um sistema de transporte de bondes puxados a
burro para levar o público ao mesmo. Era quase uma antevisão do moderno
"shopping". Delmiro resolveu construir um palacete para residir
próximo ao seu empreendimento.
Apesar do
êxito popular de seu novo negócio, Delmiro Gouveia não estava sintonizado com a
elite política dominante em Pernambuco e que era liderada pelo então
vice-presidente da República, o Conselheiro Francisco de Assis Rosa e Silva. Um
de seus aliados era o novo prefeito de Recife, o qual colocou uma série enorme
de empecilhos ao funcionamento do Mercado-Modelo, como por exemplo, a proibição
para a venda de carne. A fim de resolver a desavença com o prefeito, Delmiro
viajou ao Rio de Janeiro para avistar-se pessoalmente com o vice-presidente
Rosa e Silva e recebeu deste a promessa de que a perseguição acabaria caso ele
e seus amigos apoiassem o governo de Pernambuco. Ao mesmo tempo, Delmiro tomava
conhecimento, ainda no Rio, de que um pistoleiro conhecido como João Sabe-Tudo
já se encontrava na capital para assassiná-lo. Logo depois, quando caminhava no
centro da capital, na Rua do Ouvidor, Delmiro encontrou o vice-presidente Rosa
e Silva na porta de uma loja e dirigindo-se ao mesmo, esbravejou contra a ameaça
de morte que estava sofrendo. Em seguida, em um ataque de fúria, Delmiro
agrediu o vice-presidente com a sua bengala, obrigando Rosa e Silva a se
esconder dentro da loja, diante de uma multidão que se aglomerava e
testemunhava o episódio.
A represália
veio logo depois, no dia 02.01.1900, quando o Mercado-Modelo do Derby amanheceu
em chamas. As autoridades locais acusaram o próprio Delmiro de ter mandado
atear fogo ao mercado para receber o dinheiro de um seguro e a polícia recebeu
ordens para prendê-lo. Delmiro teria dito depois que os policiais o insultaram
moralmente para justificar a sua reação e assassiná-lo. Contudo, diante da
pressão de seus amigos junto ao então governador, Segismundo Gonçalves, Delmiro
foi libertado, mas teve de abandonar a capital pernambucana. O coronel ainda
tocava os seus negócios, entre eles a venda de couros e uma usina de açúcar.
Delmiro
retornou dois anos depois a Pernambuco e conheceu uma moça de 16 anos chamada
Carmela Eulina do Amaral Gusmão (imagem acima), que muitos apontavam como filha
do governador em um caso extra-conjugal. Delmiro repetiu o ato do pai, raptou a
menor e levou-a para o interior de Alagoas, onde comprou uma fazenda e se
estabeleceu em um local chamado Pedra, às margens de uma estrada de ferro pouco
utilizada e distante 20 quilômetros da cachoeira de Paulo Afonso. Sim, ele foi processado por rapto e estava sendo procurado pela polícia. Posteriormente, o
processo foi anulado por interferência dos aliados de Delmiro Gouveia. Eulina
deu a Delmiro três filhos e permaneceu na fazenda, em Pedra, por cinco anos.
Foi nesse
lugar, aparentemente inóspito, que Delmiro realizou o seu grande
empreendimento, o de explorar os recursos hidrelétricos da cachoeira de Paulo
Afonso e estabelecer um centro industrial naquele local. A fazenda que adquiriu
prosperou com a introdução do gado zebu e das vacas holandesas, além de
cultivar uma planta cactácea que teria vindo do Texas, conhecida como palma. A
partir dessa fazenda, Delmiro continuava a exportar couro para os Estados
Unidos.
Sem acordo com
o governo local para a instalação da usina de eletricidade, Delmiro resolveu
explorar de forma particular a energia hidrelétrica no São Francisco. Trouxe
geradores até as margens do rio e os fez atravessar por meio de uma ponte improvisada.
Para colocar a primeira turbina, foi necessário descer a mesma de uma altura de
84 metros. Alguns autores afirmam que o próprio Delmiro orientou a descida
pendurado em uma corda. Em 1913, a usina foi inaugurada. Em seguida, veio a
fábrica (na foto acima, a entrada da Cia. Agro-Fabril Mercantil).
A indústria
dedicou-se à produção de linhas de costura. Máquinas foram importadas da
Inglaterra, técnicos vieram da Europa, mil operários foram contratados, além
dos trabalhadores utilizados nos campos para a produção de algodão. Em meados
de 1914, a fábrica já estava produzindo fios, linhas para crochê, bordado e
ainda cordões brancos e coloridos (na imagem acima, os escritórios da empresa).
Os produtos tinham a marca "Estrela" e dois gigantes puxando um fio
como símbolo ou logotipo. Em pouco tempo, a produção aumentou e a fábrica
exportava para alguns países da América do Sul.
Os anos correspondentes à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foram favoráveis aos negócios fabris no Brasil, diante das dificuldades de importação decorrente da guerra travada na Europa e Delmiro Gouveia soube tirar proveito dessa situação.
Outro aspecto
a destacar desse novo empreendimento de Delmiro Gouveia foi a vila operária
para abrigar os trabalhadores. As condições de vida dentro da mesma estavam
acima das que eram encontradas na maior parte do sertão nordestino. Eram 250
casas com luz elétrica, água e um sistema de esgotos (na foto acima, a antiga
vila com as casas). Mas as normas para viver lá eram rigorosas. Não era admitida
a presença da Igreja Católica e nem as datas religiosas eram celebradas. Nem
mesmo o carnaval era comemorado. O controle sobre os trabalhadores era exercido
até dentro das próprias casas, onde os mesmos deviam seguir normas, como não
usar chapéus e nem andar sem camisa. O próprio Delmiro inspecionava as casas
que deviam ficar com as portas abertas. Aqueles que cometiam alguma falta grave
eram duramente castigados. O estilo autoritário de Delmiro feria muitos
costumes arraigados na vida dos trabalhadores, como a religiosidade. Por outro
lado, médicos e remédios eram disponibilizados e havia diversão, apesar do
controle com relação ao consumo de bebida alcoólica.
A alfabetização era obrigatória para as crianças e foram implantados cursos noturnos para os trabalhadores. O regime de trabalho era de oito horas diárias com descanso semanal aos domingos. Uma Caixa de Previdência foi implantada mediante uma contribuição semanal dos próprios trabalhadores.
Não se têm
notícia de morte violenta na fábrica localizada em Pedra, exceto uma, a do
próprio Coronel Delmiro. Em 10.10.1917, às 9 horas da noite, quando estava na
sua varanda lendo jornal, Delmiro foi alvejado com três tiros, um dos quais lhe
acertou o coração. Três pistoleiros foram detidos e, sob tortura, incriminaram
dois mandantes, que nunca foram presos, um dos quais por ter imunidade
parlamentar. Dois outros suspeitos de encomendar o crime incluíam o pai de uma
jovem que Delmiro seduzira e um amigo de Rosa e Silva, o vice-presidente que
foi agredido pelo coronel.
Contudo, ficou
sempre no ar uma suspeita, a de que Delmiro Gouveia tivesse sido assassinado a
mando de seus concorrentes ingleses, mais precisamente da multinacional têxtil Machine Cottons. Não havia dúvida de que o crescimento do negócio de Delmiro incomodava
esta empresa estrangeira. Os ingleses chegaram a boicotar os comerciantes que
comprassem as linhas Estrela. A Machine Cottons tinha feito várias propostas de
compra da fábrica de Pedra e sempre tendo resposta negativa da parte do Coronel
Delmiro. Contudo, nenhuma prova do envolvimento da multinacional foi encontrada
nos tiros que vitimaram o empresário. A fábrica continuou prosperando até 1924,
quando passou para os três filhos de Delmiro Gouveia.
No governo do
presidente Washington Luís, a política liberal então adotada reduziu a taxa de
importação sobre linhas de costura. Diante da nova situação, em 1927, a fábrica
foi vendida pelos herdeiros para a firma Menezes Irmãos & Cia., a qual, em
1929, a revendeu para a...Machine Cottons, que substituiu a marca Estrela pelas
linhas da marca Corrente. Em 1930, a fábrica de Pedra foi desmantelada e as
máquinas jogadas no fundo do rio São Francisco.
Para saber
mais:
Teixeira, Gilmar. Quem matou Delmiro Gouveia?: Bahia: Grafitech, 2011
Marcovitch, Jacques. Pioneiros & Empreendedores: A Saga do Desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Edusp e Editora Saraiva, 2007
http://histormundi.blogspot.com.br/2012/11/coronel-delmiro-gouveia.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário