*Rangel Alves
da Costa
Nada contra o
perfume do presente ou o aroma dos modismos e outras aceitações atuais, mas
nada comparável ao cheiro bom do passado. Nas coisas antigas uma fragrância
boa, um bálsamo que fortalece a alma e torna cheirando a flor do campo toda a
vida.
Cheiro de
mastruço do velho quintal. As mãos calejadas maceravam as folhas, esmagavam as
raízes e faziam subir pelo ar um perfume de mistério antigo, de receitas tão
envelhecidas como as próprias enfermidades em busca de cura.
Cheiro bom de
hortelã pisada, de folhas soltas despejadas na água fervente. Os olhos turvos
conhecendo o tempo de fervura, nem mais nem menos que era para não retirar do
chá o segredo da terapia medicinal. E assim os ares antigos sendo purificados
pelos olores vindos dos quintais, das plantas medicinais que quase não existem
mais.
Cheiro bom de
amanhecer, pois perfumado a cuscuz ralado e preparado no fogão de lenha, cujo
cuscuzeiro grande era sempre coberto com pano limpo esbranquiçado. Não demorava
muito, assim que o pano começava a suor, e pelo ar ia subindo a névoa cheirando
a milho verdoso, de sumo apetitoso e grão recheado de vida.
Cheiro bom de
tripa de porco estendida na grelha por cima das brasas. Tripa já tomada de sol,
já defumada pelo tempo e vento, mas despejando gordura assim que o fogo lhe
comece a tostar. E depois, assim que ficava no ponto de assada, bastava jogar
por cima da farinha seca despejada no prato de estanho. Não havia coisa melhor
quando a boca da noite chegava e a fome apertava.
Um cheiro bom
de café torrado, pisado em pilão e feito em chaleira antiga e na boca abrasada
do fogão de lenha. Não havia perfume mais apetitoso, saboroso e chamativo do
que do café antigo. O pilão batia, a mão despejava na peneira, o pó se
espalhava na gamela, para em seguida ser derramado já na água fervente. Num
segundo e o aroma do café tomava conta de tudo, desde o quintal à sala da
frente, desde a vizinhança ao mundo ao redor. E depois o bule ia derramando na
xícara a porção negra e olorosa daquela mais pura delícia.
Um cheiro bom
de preá assado na brasa, de toucinho de porco, de carne do sol, de qualquer
coisa que saísse dos varais e fosse servir de alimento no amanhecer ou
anoitecer. Quando a fumaça abrandava e as brasas chegavam a crepitar de tanto
queimor, então os nacos de carnes sertanejas eram colocados para tornar o
cheiro da lenha em perfume tão conhecido. Quem passasse na estrada adiante e
sentia o aroma, logo sabia que a mistura da farinha ou do cuscuz já estava em
ponto de ser servida.
Um cheiro bom
de quintal. Sim, porque os quintais antigos possuíam múltiplos aromas, variados
perfumes, indefinidas fragrâncias. Quintais cheios de plantas, de árvores
frutíferas, de fogão de lenha crepitando, de pilão sendo batido, de comida
fervendo em panela de barro, de roupa limpa no varal, de moça bonita indo contar
estrelas, de cachimbo aceso pela velha senhora, de rapé bem preparado pelo dono
da casa, de cachaça com casca de pau ali sendo sorvida embaixo da lua grande.
Um cheiro de
goiaba madura, de mamão pinicado pelo beco do passarinho, de pinha gorda já querendo
desabar do pé, de umbu caído pelo chão no meio da noite, de jabuticaba e seu
aroma doce e apetitoso. Aquele cheiro de verde tomando conta da mataria um
pouco além do cercado, ou o aroma entristecido das folhas secas e galhagens
tortas em épocas de estiagens. Mas mesmo assim o cheiro novo e gostoso do
amanhecer e seus cantos passarinheiros e o perfume respingado de memórias e
saudades quando chegava o anoitecer.
Um cheiro bom
de chuva caindo sobre a terra e levantando no ar aquele aroma inconfundível: cheiro
de barro molhado que é cheiro de esperança, de vida, de renascimento. E depois
o cheiro de chuva, o cheiro de lama, o cheiro de correnteza e enxurrada, como
num frasco de perfume que se quebra e vai espalhando fragrância boa por todo
lugar. E ante a chuvarada, o homem da terra logo sentindo o cheiro do milho
verde, da abóbora, da melancia, do melão coalhada, do feijão, do algodão em
flor. E como se sentia bem sentindo tanto perfume, pois a vida sempre
dependente do aroma brotando do chão.
Um cheiro de
coisas velhas, de coisas antigas, de antiguidades do coração. Coisas que
passaram ou não existem mais, mas que continuam com persistente fragrância.
Cheiro de querosene no velho candeeiro, de pavio sendo queimado depois do
anoitecer. Cheiro de vela queimando ao redor do oratório e seu céu e santos, no
cantinho escurecido do quarto. Cheiro de barro de parede, de ripa e cipó, de
palha seca tomando o lugar do telhado. Cheiro de chá e de bolo de milho, de
fogueira acesa na malhada e espiga de milho por riba. E lá em cima a lua
derramando seu perfume estrelado sobre vidas tão singelas.
Assim o cheiro
bom do passado. Um frasco que foi secando, mas cuja essência, que é raiz e
história, permanece na memória de todo aquele que não se esquece de suas
flores.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário