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quarta-feira, 19 de outubro de 2016

TEXTO DO JORNALISTA ZÓZIMO LIMA

Material do acervo do pesquisador Antônio Corrêa Sobrinho

Trago aos amigos, para conhecimento e deleite, o texto a seguir, lavra do escritor e jornalista Zózimo Lima, publicado na Revista da Academia Sergipana de Letras, em 1956, homenagem a um dos mais influentes e conhecidos políticos sergipanos de todos os tempos, JOÃO GOMES DE MELO, o Barão de Maruim.

O BARÃO DE MARUIM

Imagem do Barão de Maruim

Pequeno na extensão territorial, Sergipe, todavia, foi sempre grande pelo labor dos que nele nasceram, viveram e morreram, quer no incremento da riqueza agrícola, como nas atividades da indústria, embora ainda primitiva, quer no campo da ação propriamente intelectual.

Terra “mater da espiritualidade” ou “cárcere dos gênios", como a qualificaram homens de superior inteligência cujos nomes não me acodem à memória, Sergipe vem, desde os seus primórdios, o amanhecer da sua vida política e social, após saído do seu primitivismo, que direi colonial, se impondo à consideração de historiadores e sociólogos do passado e do presente, colocando-se no quadro amplo dos territórios que se prepararam, à força da inteligência e do trabalho incessante dos seus povoadores, para receber o influxo progressivo da civilização.

As lutas que se travaram aqui, desde o rio Real às margens do mediterrâneo São Francisco, entre o bugre indômito e os invasores ávidos de riquezas inexploradas, marcam o início da sua existência política, centro de atividade agrária, a partir das entradas que provinham das terras de Garcia D’Ávila, estabelecendo currais de gado, até os assaltos das aguerridas hordas holandesas que espalhavam o terror e deixavam, ao mesmo tempo, em conúbios irregulares, não sancionados pelas exigências dos cânones eclesiásticos, produtos humanos de miscigenação que dariam, no futuro, o tipo singular que ainda hoje se constata nos aglomerados sertanejos e na orla franciscana.

A diluição do sangue batavo na trama arterial do nativo permitiu, pelo milagre do caldeamento, a formação e fixação do exemplar humano com as conhecidas características em que predominam a incansável atividade, a destreza intelectual e a sagacidade incomparável.

O aventureirismo sergipano, na acepção de atividade e luta, não é mais do que a decorrência do amálgama racial, no qual se faz sentir, com pronunciamento estarrecedor para indivíduos de outros quadrantes, a seiva biotipológica autóctone com a do europeu, que produziu, de início, o curiboca, que se foi aperfeiçoando, refinando na clarificadora do comércio sexual.

O sergipano sempre se destacou, desde a sua constituição política e social, quando ainda súdito dos reinóis que circunscreviam a sua vivência em sesmarias, pela capacidade de trabalho e agilidade de inteligência. — Mas com os rudimentos da instrução haurida nas cartilhas, sem aprendizagem nos institutos técnicos, surpreenderam os sergipanos os centros em que se agitam os portadores de superior cultura literária, pela vivacidade do espírito, desenvoltura do intelecto, que apenas se exercitou na escola do autodidatismo.

Era nesse clima de cultura incipiente, de obscurantismo, que os homens de Sergipe, atirando-se à luta pela vida, conquistando, ainda assim, independência econômica e financeira, que, ajustada à rigidez do caráter que recebia a influência transmitida pelos ensinamentos do clero regular que se não ocupava apenas da catequese do aborígine, vinham ocupar posições políticas que lhes eram, após apurada seleção pelos delegados da Corte e da Bahia, entregues como início de carreira para obtenção ulterior de títulos honoríficos distribuídos pela munificência imperial.

Em Sergipe já se formara uma consciência equilibrada a par de anseios libertários em meio às lutas que tinham por escopo a independência nacional. A nossa população ainda escravizada à prepotência da Bahia vivia dias de grande agitação diante dos acontecimentos cujos ecos aqui chegavam trazidos pelos ventos revolucionários de Pernambuco, através das Alagoas. Não há tranquilidade, mas o trabalho nas terras da capitania de Coutinho é intenso e produtivo. Enchem-se os campos de manadas de bovinos, e nos vales do Vaza-Barris e da fértil Cotinguiba não param as atividades nos engenhos de açúcar, com o auxílio poderoso e exclusivo do escravo que nos chega, por compra, das terras africanas de Banguela e Moçambique.

Corria o ano de 1809 e nele, em setembro, 18, no antigo engenho Santa Bárbara de Cima, freguesia de São Gonçalo do Pé do Banco, vem ao mundo João Gomes de Melo, filho do casal Teotônio Correia Dantas e Clara Angélica de Menezes, membros destacados da fidalguia rural, cuja zona canavieira, de sua propriedade, abrange parte do Rosário do Catete, Pé do Banco, Japaratuba e Santo Amaro das Brotas.

A meninice não lhe foi despreocupada, porque, desde cedo, por imposição paterna, e do padre-mestre, na fábrica de açúcar, começa a receber os rudimentos do latim, matéria primordial, no ensino primário, então na época exigida.

Embora jovial nas conversações com os da sua casta, atento às necessidades dos pobres que o procuravam, João Gomes era já um rapazito que demonstrava, por atos e ações, o homem austero e polido de amanhã.

Não trazia a carga do orgulho antipático da maioria dos da sua estirpe, mimados e opulentos, tanto assim que, mais das vezes, nas folgas escolares, aos domingos, de preferência, com a licença permitida pelos progenitores atentos e cuidadosos, percorria, em visitas de cordialidade, os senhores dos engenhos Jacuruna, Lagoa Grande, Bolandeira, Periperi, Campo Redondo, Paty, Serra Negra, Oitocentas e Unha do Gato, onde tinha parentes próximos ou distantes.

Menino, mas com a curiosidade que lhe era aguçada e penetrante, interessado nos entreveros da política, não lhe escapavam detalhes dos episódios que se repetiam nos campos do incendiado Pernambuco. João Gomes de Melo tinha 12 anos quando Sergipe foi elevado à categoria de capitania independente da Bahia, com liberdade, de agora por diante, poder Sergipe dirigir-se diretamente às secretarias lá da Corte.

Não lhe é indiferente, apesar da pouca idade, o que se passa nos setores do governo, tomado de curiosidade pelas inovações que na província são introduzidas por Carlos César Burlamarque, agora sem os extravagantes aparatos de certos capitães-mores e outras autoridades que davam aos governos anteriores aspecto ridículo. João Gomes assistia às lutas entre Burlamarque e o governo autoritário da Bahia, que não se conformava com perder a pupila sergipana e, para satisfação dos seus desejos, entende-se com alguns desnaturados filhos desta terra cheia de anseios libertários, dentre os quais o coronel José Guilherme Nabuco, capitão-mor de Estância, o brigadeiro Pedro Vieira e o ouvidor José Ribeiro Navarro. Esses não desejavam a emancipação de Sergipe, preferiam-no anexado à Bahia, levados por interesse pessoal, de não perderem as posições que ocupavam. E tais foram as intrigas, a campanha contra os patriotas sergipanos, que conseguiram, afinal, a reconquista da anexação de Sergipe, sendo Burlamaque apeado do governo e substituído pelo brigadeiro Pedro Vieira, exemplo lamentável de traição.

João Gomes, com a curiosidade própria dos meninos inteligentes do interior, a quem não escapam, pela acuidade, as sutilezas dos argumentos formulados pelos fidalgos que lhe frequentavam o lar, quando, reunidos, se entregavam a comentários referentes às noticias que vinham de São Cristóvão, teatro de acirradas lutas políticas, há de, por certo, ir se impressionando com as tristes ocorrências e se apaixonando, consequentemente, pelo destino da terra escravizada pela prepotência do vizinho ambicioso que lhe ia aos poucos reduzindo o território e estorvando a ação meramente administrativa.

Vai-se lhe, aos poucos, com o perpassar dos anos, diante dos atos de arbítrio dos adventícios que aqui aportam com o olho nos cargos públicos que lhes são dados pelos lusitanos que dispõem do poder absoluto, refinando o sentimento de sergipanidade. Trata-se, em 1831, com a deliberação do Conselho Geral da Província, reunido a 30 de abril, no palácio do governo, de impor a demissão dos cargos públicos de todos os portugueses ou brasileiros nascidos em Portugal, que se tenham tornado sujeitos ao regime e à administração local, sendo, logo, apontados como tais, o secretário da presidência José Pedro de Faria, o administrador do Correio, Manoel dos Santos Silva, o tesoureiro da fazenda, Francisco Soares de Melo, o patrão mor da barra de Cotinguiba, Inácio José de Freitas, o fiscal João Coelho São Paio e o professor de primeiras letras da capital, Antônio José Peixoto Valadares.

Continuam, entretanto, as rivalidades, frutos da ambição, dentro do próprio Conselho, que, muitas vezes, não tinha número legal para as suas deliberações, as quais iriam ao encontro das necessidades da administração. Estando, na época a que nos referimos, na presidência do Conselho o capitão-mor João de Deus Machado, queria o comendador Sebastião Gaspar de Almeida Boto, o “Napoleão do Poxim”, como depois o apelidariam, que o conselheiro José Pinto de Carvalho, seu cunhado, assumisse a administração geral, por ser o mais votado no Conselho, João de Deus resolve, ao contrário, entregá-la ao padre José Francisco de Menezes Sobral. Almeida Boto, indignado, convoca reuniões em Maruim e Rosário do Catete para reivindicar pretendidos direitos em favor de seu cunhado bem querido. Boto protesta com energia. O padre, porém, mais esperto, para não beijar o pó da derrota à vista, se alia ao comandante das armas, interino, brigadeiro José Antônio Neves Horta, senhor do engenho Junco, em Laranjeiras. Dirigem-se os litigantes, prejudicados, ao governo imperial, o qual resolve, por fim, a pendência, nomeando o Dr. Joaquim Marcelino de Brito, Presidente da Província, e ao tenente-coronel do Estado Maior, José Joaquim Machado de Oliveira, comandante das Armas.

João Gomes de Melo é, agora, um rapaz garboso, discreto, perspicaz e trabalhador. É senhor de bela fortuna, pois que, ao falecer os seus progenitores, senhores de três engenhos, lhe deixaram, em dinheiro de contado, cerca de quarenta contos, afora imóveis e semoventes. Casa-se, então, João Melo, com cerca de 22 ou 24 anos, não lhe tenho certa a idade, com a Srª. Maria de Faro Rolemberg, viúva, mãe do Barão de Japaratuba, de D. Ana Rolemberg de Madureira, esposa de Luiz Barbosa Madureira, e da menor, de quatro anos, Maria de Faro Rolemberg, todos agora enteados de João Gomes de Melo.

Agora, casado, com as responsabilidades de família, entrega-se João Gomes à vida campesina, ao labor agrícola, preso à terra, onde, no dizer de Anatole France, “há formas magníficas e nobres pensamentos”. É um belo tipo de homem, másculo na expressão da fortaleza física, fronte alta, soberba, dominadora, saudável de ideias, rico de energia, volitivo estênico, segundo a classificação de Pende.

É observador percuciente dos fatos políticos e sociais, emitindo, quase sempre, com religiosa discrição, entre os mais íntimos, juízos claros, depois de análise demorada.

Spranger não vacilaria em situá-lo na sua estrutura política e social.

A política vem ao seu encontro, com atrações de mulher bonita e alucinante, em 1845. E de corpo e alma nela envolve-se, contribuindo, com o seu prestígio entre o povo que o admira, para eleger deputado federal o Presidente da Província, Zacarias de Góis e Vasconcelos, que seria, mais tarde, uma das maiores figuras do cenário político nacional. Os seus adversários acusam-no de ter abandonado o seu partido — o “camundongo” — para apoiar os “rapinas”, concorrendo, deste modo, para o aniquilamento daquele, do qual fora o seu autor.

Em 1848 está na Assembleia Provincial, ao lado de vultos destacados pela inteligência, como Martinho de Freitas Garcez, padre Barroso, padre Pitangueira, padre Félix Barreto de Vasconcelos, cônego Antônio Luiz Azevedo, Guilherme Pereira Rabelo, vultos de projeção que se estende até a Corte. Em 11 de outubro desse mesmo ano é João Gomes agraciado com o título honorífico de Barão com grandeza, além de superior comandante da Guarda Nacional. Em 1853 está o Barão de Maruim na Câmara Geral, onde se encontra, pela primeira vez, fazendo íntimas relações, com o Dr. Joaquim Inácio Barbosa, que ali tinha assento, como suplente, substituindo o magistrado André Bastos de Oliveira, deputado pelo Ceará.

Em 1855 o seu ex-colega padre Barroso tem sério aborrecimento com o Barão. Este se encontra no governo da Província, com sede na nova capital, e o padre Barroso, que é professor de filosofia, no ensino secundário, quer permanecer em São Cristóvão. O Barão determina a sua permanência na capital. O Barão compele-o então a requerer aposentadoria, no que é aquiescido, ficando o padre Barroso na inatividade, com os vencimentos de 473$010 anuais.

Brigam os políticos de Sergipe, notadamente Boto, Travassos, Fernandes Junior, Leandro Maciel, “luzias” e “saquaremas”. João Gomes, da Corte, dirige agora a política da província, sendo, por sua habilidade, combatido com veemência por Travassos, seu antigo aliado, pelas colunas da Voz da Razão, depois transformado em Conciliador, editado em Santo Amaro das Brotas.

Não satisfeito com os golpes que lhe são vibrados por aquele órgão de imprensa, o Barão manda, do Rio, por procuração, reivindicar a propriedade da tipografia em que é impressa a gazeta oposicionista, em poder do seu ex-companheiro de lides, comendador Travassos.

A sua máxima preocupação, agora, sonho acalentado de há muitos anos, é mudar a capital de São Cristóvão para Aracaju. Esse plano ele o delineara desde quando figurava na Assembleia Provincial. Era, porém, mister homem de pulso para auxiliá-lo na sua realização. Aproximara-se, atraído por simpatia mútua, do seu colega Inácio Barbosa, em quem descobrira capacidade para levar avante tal empresa, arcar com as responsabilidades, com ele dividida, da mudança em perspectiva. Já na 3ª sessão preparatória de 16 de abril de 1853, sob a presidência de Pereira da Silva, são conjuntamente indicados, o Barão e Inácio, para darem parecer a respeito das eleições do Rio Grande do Sul, que diplomaram o candidato Luiz Alves Leite Pereira Belo. Juntos, sempre, como se vê, o Barão de Maruim e Inácio Barbosa. É de crer-se que havia catequese da parte do titular maruinense com o objetivo de conseguir do deputado cearense aquiescência para empreitada de tão grande monta, com possível resistência do colega.

O Barão já era, a esse tempo, casado em segundas núpcias com D. Valentina Soares de Souza, irmã do diplomata, jurisconsulto, estadista Paulino José Soares de Souza, Visconde do Uruguai. Por intermédio do Visconde, seu cunhado, e do Imperador, de quem o Barão era valido, consegue este trazer a Sergipe, como presidente, o ex-suplente de deputado pelo Ceará e agora com função na Fazenda Pública, Inácio Barbosa. Os planos da mudança, traçados de há muito, seriam agora postos em prática, tão logo chegasse a Sergipe o Barão, para ultimá-los, o que, enfim, se realizou a 17 de março de 1855, no seu engenho Unha de Gato, para onde, anteriormente, extraordinariamente, convocara, para tal fim, os representantes do povo na Assembleia Provincial.

Vitória exclusiva do Barão de Maruim, a transferência da capital, o qual teve como instrumento e colaborador o presidente Inácio Barbosa. O que não conseguira, em 1832, o comendador Sebastião Gaspar de Almeida Boto, propondo ao Conselho Geral, alcançara-o o Barão de Maruim. Almeida Boto pleiteara, naquele ano, a mudança, para Laranjeiras, da capital; o Barão, porém, mudara-lhe os planos, conseguindo-a depois, para as praias mefíticas de Aracaju. Tão responsável fora o Barão pela transferência combatida pelos patriotas cristovenses, que os doestos, as chufas ridicularizadoras se voltavam para o Barão, como se verifica da brejeira e desconjuntada quadra declamada por todos os cantos da velha capital: O BARÃO TÁ NO INFERNO/ BATISTA NA PROFUNDA/ O CATINGA VAI ATRÁS COM COFRE NA CACUNDA”.

Deputado e presidente da Província, comandante da Guarda Nacional, deputado geral, Barão com grandeza, João Gomes Vieira de Melo é, depois, por Carta Imperial de 2 de maio de 1861, nomeado senador, sendo empossado a 1° de junho do referido ano. Pelo Visconde de Abaeté, presidente do Senado, foram designados, para recebê-lo, por sorteio, os Srs. Pimenta Bueno, Antônio José Machado e o Visconde de Jequitinhonha. Maruim, satisfeito, emocionado, toma assento no plenário. É, aquele, um dos maiores dias da sua trabalhosa vida. Para sua vaga, na Câmara, é eleito o então ministro da Fazenda, conselheiro José Maria da Silva Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco. Pai do futuro Barão do Rio Branco, incomparável diplomata que consolidou nossas fronteiras e integrou o Acre ao território da pátria brasileira.

A trajetória do Barão de Maruim no Senado é longa, tempestuosa e acidentada, a despeito do seu temperamento aparentemente calmo e do bem-estar que lhe proporcionava a grande fortuna acumulada. Vem ele, várias vezes, a Sergipe, acalmar ânimos exaltados de muitos dos seus amigos, parentes e correligionários. Cinde-se o partido Conservador sob a sua chefia. Na Câmara Geral atracam-no Barros Pimentel, Martinho de Freitas e Leandro Bezerra, que o acusam de ter, no Senado, dito que a província de Sergipe “estava entregue a ladrões e a tratantes”, como o de ter procurado inutilizar as candidaturas de Leandro Maciel e Coelho e Campos. Revida o deputado Menezes Prado, seu parente, exaltando a figura do Barão, com provas inequívocas de lealdade e benemerências.

O Barão, a despeito de econômico, não é egoísta nem dissipador. É fecundo no terreno da assistência social. Viaja à Europa, por três vezes, onde recebe o polimento da civilização e se aprofunda, apesar de autodidata, no estudo dos economistas mais em voga. A língua francesa se lhe torna fácil, dúctil e a sua biblioteca se enriquece de autores clássicos e modernos. Foge-lhe, pela morte, a segunda esposa, e ele se torna ensimesmado, quase místico, constituindo as suas distrações, agora, as sessões cacetes do Senado e as visitas cordiais ao Paço, onde o Imperador o recebe com absoluta distinção.

Em 1861 ocorre em Sergipe o fato que abalou profundamente a sociedade, aparecendo o seu nome na mais torpe exploração. Sua enteada, Maria de Faro Rolemberg, proprietária do engenho São Joaquim, maior, solteira, falece de maneira estranha na residência do seu cunhado, Luiz Barbosa Madureira, esposo de sua irmã Ana Acioli Madureira. O Barão, no Rio, dias antes, recebera notícias de que sua enteada estava enferma e, padrasto carinhoso, vem a Sergipe visitá-la. Ao saltar em Aracaju, sabe que sua dileta enteada, que por ele fora criada desde os quatro anos de idade, havia falecido envenenada. A história é longa e escabrosa. Há dissídio na família. O dinheiro de Maria de Faro Rolemberg é o pivô do acontecimento trágico. Nela figura o Barão de Japaratuba, Ana Acioli, Luiz Madureira e até certo médico de nome Joaquim Pinto Sobral, acusado de ter envenenado, em Capela, anos antes, o negociante capitão Manoel Geraldo do Nascimento e o Sr. José Lopes Valença, senhor do engenho Horta, para ficar em mancebia com as esposas das suas vítimas. O Barão providencia a exumação da vítima, a extração das vísceras e as remetera à Faculdade de Medicina da Bahia, para o indispensável exame toxicológico. Este, conforme se esperava, deu como resultado: envenenamento por arsenicais.

Acirram-se os ódios contra o Barão, tendo este, depois de cumprida a sua missão paternal, pois considerava Ana Rolemberg sua filha, regressa à Corte, agora definitivamente, depois de liquidados os seus negócios em Sergipe, voltando-se para os seus amados livros, às suas amizades, às suas recordações da mocidade passada em Rosário, Maruim, às suas saudades dos banhos no Siriri e no Japaratuba, e os passeios a pé e a cavalo, pela floresta verde dos canaviais.

Distribui, então, à larga, venerável com o título de Barão e com as condecorações da Ordem do Cruzeiro e de São Gregório Magno, graças e mercês à pobreza e as instituições de caridade. Gasta do seu bolso cerca de duzentos contos na construção da Matriz de Maruim; doa terrenos ao Hospital de Caridade, como concorre para a edificação da Matriz da capital; socorre variolosos e retirantes tangidos pelas secas nos sertões do Norte e do Nordeste; subvenciona instituições de letras, órgãos da imprensa e escolas públicas. Funda, com o virtuoso padre João Francisco Pereira Andrade, a Escola Doméstica N. Srª. do Amparo, em Petrópolis, onde tem instalada residência de verão, bem próxima do Palácio Imperial. Vai ao encontro dos parentes pobres, socorrendo-os nas necessidades. Certa feita, numa das suas viagens e permanência em Paris, salvou um pobre mas honesto negociante brasileiro, às portas da falência, sem o conhecer, simplesmente levado pelo espírito de altruísmo, solidariedade humana e sentimento patriótico. Isto porque, pensava ele, o Barão de Maruim, como Spinoza, que “o homem só pode ajudar a sim mesmo, ajudando aos outros”. Um autêntico e discreto filantropo.

Além da França visitou a Bélgica, a Itália, tendo em Roma, com credenciais do Ministério dos Estrangeiros, chegado à presença de Sua Santidade o Papa Pio IX, de quem recebera a benção apostólica, o que muito o envaideceu por ser católico praticante.

Quando mais se intensifica no país a campanha abolicionista, ele aos poucos vinha alforriando os seus escravos. Reina no ambiente político brasileiro, como complemento da batalha a favor do elemento servil, já vitoriosa, a intensa propaganda republicana. As instituições imperiais estão ameaçadas. O trono começa a estremecer em suas bases, agora nada sólidas, à força da demolidora picareta política manejada por Benjamim Constant e Quintino Bocaiúva, representantes do Exército e da Imprensa.

O Barão de Maruim, com aquela faculdade de previsão que lhe era inata, compreende, antevê a hora do perigo, o fim da Monarquia. Seu testamento, redigido três meses antes, contempla instituições de caridade, religiosas, parentes, afilhados e ex-escravos.

No último capítulo daquele documento o Barão pede não se realizem os seus funerais com aparato e pompa. Não se façam convites pela imprensa para a condução do seu corpo ao Campo Santo, nem para a missa de sétimo dia. Chegou o momento das renúncias e das contrições. A sua alma se banha na luz sagrada que vem dos ensinamentos do Evangelho. No oratório da família, relíquia dos seus antepassados, trazido do engenho onde nasceu, ele passa horas de contemplativo, como São Francisco e Huysmanns.

Às tardes, ouvindo o rumor da Guanabara que não lhe fica longe, ele passa na velha cadeira de balanço, na chácara da Rua Santo Amaro, no convívio amorável dos seus pássaros, dos seus livros, das riquíssimas baixelas e dos raros amigos que vão diminuindo à proporção que a idade avança. Conversa, quase sempre, nas visitas espaçadas, com o visconde de Sinimbu, o Barão de Loreto, o Marquês de Muritiba, o Visconde de Taunay, seus amigos, colegas, muitos dos quais companheiros de comissões parlamentares, que envelhecem, tranquilamente, como ele, fieis sempre ao amado Imperador. Perdoa, recordando, ao Barão de São Francisco, seu amigo, há anos falecido, que, certa feita, como ele se desaviera, com azedume, acerca de pleiteada escala de navegação ao porto de Aracaju.

Quando, certa manhã, chegou ao seu retiro bucólico a notícia de que tinha proclamada a República, o velho Maruim apertou o coração e deu curso irreprimível às lágrimas que lhe corriam pelo peito que tantas vezes apertara contra o do seu querido Imperador.

Velho, alquebrado, agora sem títulos nem brasões, os quais foram anulados pelo regime ora nascente, era-lhe amargo, doloroso, tornar, depois de tantos anos de ausência, à terra do seu berço onde vivera, amara e sofrera moralmente.

Cinco meses depois de desabado o Trono, a 23 de abril de 1890, João Gomes de Melo, que foi puro como aqueles que passaram pela vida praticando o bem, que pensava como Emerson de que “a única maneira de ter amigo é ser amigo”, docemente, calmamente, deixava o invólucro material, aqui na terra, voando para a Eternidade.


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