Por José Romero Araújo Cardoso(*)
Nascido no ano de 1872, pouco depois da
promulgação da Lei do Ventre Livre, Filemon Estevão de Sousa descendia de
antigos troncos negros trazidos para Pombal, escravizados nos algodoais que
proliferaram na região, principalmente quando da impossibilidade do sul do
atual território norte-americano fornecer matéria-prima indispensável às
fábricas têxteis inglesas.
A avó
materna, cujo nome as reminiscências familiares perderam, era sofrida escrava
que serviu à desumana plantation sertaneja. Não se sabe a descendência direta,
se Malê, Banto, Iorubá ou outra etnia africana.
Filho de
Izabel Estevão e José Sátyro de Sousa, Filemon foi
criado pelo Tenente Álvaro Queiroga. Sacristão do Monsenhor Valeriano Pereira,
Filemon possuía pendores políticos, tendo assumido cargos de destaque neste
setor. Filho do mesmo, de nome José Benigno de Sousa, conhecido na intimidade
por Lelé, seguiu os passos do genitor, destacando-se de forma expressiva na
política pombalense.
Filemon
casou-se no final do século XIX com Ana Benigno, filha do ourives Benigno
Ignácio Cardoso D´Arão. O casal teve treze filhos, destacando-se entre estes:
Benigna Lourdes, Acrísio, Álvaro, José Benigno, Júlio, Cândido, Maria das
Dores, Francisco, entre outros falecidos ainda em tenra idade.
Filemon se
destacou como importante baluarte em Pombal no ensejo da campanha épica na
disputa pela vaga de senador, capitaneada por Epitácio Pessoa em 1915, quando o
político paraibano nascido em Umbuzeiro derrotou Monsenhor Walfredo Leal.
Homem
culto, bastante preparado e dotado de inteligência ímpar, Filemon Estevão de
Sousa fora cotado para assumir importante cargo na
política pombalense. O ódio começou a ser destilado quando os adversários
derrotados se lembraram da cor de sua pele, do cabelo que ostentava, dos traços
negroides, infringindo lhe violenta campanha de difamação, a qual,
inevitavelmente, atingia-lhe de forma inexorável. Benigna Lourdes, quando de
infindáveis conversas, relatava com suspiros e piedade como o pai era recebido
em Pombal quando retornava de viagens a negócio, principalmente a Mossoró,
tangendo tropas de burros carregadas com algodão, peles, couros e oiticica.
Tratamento desumano, motivado por inveja, era lhe destinado por parte dos
adversários.
Racismo inaudito começou a ser
perpetrado, visando minar as forças do valente descendente de escravos que
conseguiu atingir degraus impressionantes, para a época, na inflexível
hierarquia da sociedade sertaneja agropastoril.
Calmo e
sereno, Filemon aguentou provações inenarráveis, mas como não era de ferro
sucumbiu perante avassaladora doença que o levou ao óbito, o qual, conforme sua
filha mais velha de nome Benigna Lourdes de Sousa, ocorreu por volta de outubro
de 1918, tendo em vista que minha saudosa avó me relatava que o cortejo fúnebre
de Filemon Estevão de Sousa coincidiu com as comemorações do povo de Pombal com
o término da primeira guerra mundial.
Acredito e
defendo que muita coisa mudou, mas o racismo e a intolerância ainda são marcas
indeléveis de um povo miscigenado que ainda não encontrou a essência que permeia
o intenso caldeamento racial que assinala a formação étnica na hinterlândia.
Impossível
esquecer que há noventa anos um mulato que está em minhas raízes genéticas
finalizava verdadeira epopeia na qual mensagem de dignidade e honradez estava
presente em ações e gestos de louvável ser humano que precisa ser lembrado como
sinônimo de justiça e harmonia entre os homens.
Escrito em 27/09/2008, via Jerdivan Nóbrega de Araújo.
Felemon
Estevão de Sousa
Ana Benigno de Sousa
Benigna Lourdes de Sousa, primeira filha do casal Ana
Benigno de Sousa - Felemon Estevão de Sousa
Benigna Lourdes de Sousa e o neto Allon Tavares de Araújo
Onofre Benigno Cardoso, irmão de Ana Benigno de Sousa,
cunhado de Felemon Estevão de Sousa
José Benigno de Sousa, filho do casal Ana Benigno de Sousa -
Felemon Estevão de Sousa
Candida Alencar Correia, filha de Filadelphia Alencar,
casada com Sebastião Correia. Candinha Correia era bisneta de João Ignacio.
Como a família não queria o casamento de Ana Benigno de Sousa com Felemon
Estevão Estevão de Sousa, por ele ser negro, quem convenceu-a do contrário foi
Candida Alencar Correia.
Júlio de Ana (filho do casal Ana Benigno de Sousa - Felemon
Estevão de Sousa) - Cantor seresteiro amante da noite. Déca contava uma
história que ocorreu num dia de são joão. Quatro rapazes resolveram brincar o
são João num sitio próximo a cidade. Eram Júlio, Déca, Otacilio Formiga e Nô
Formiga, Pegaram um caminhão que ia pras bandas de Catolé do Rocha, pois o
sitio ficava um pouco mais adiante. No mesmo caminhão ia um sujeito que só
falava em valentia. Contava nos dedos das suas mãos as pisas que já tinha
dado em cabras safados. Quando chegou no triangulo Julio bateu no ombro dele e
falou: você vai descer aqui, viu? O caba atônito falou: que foi que disse que
eu ia descer aqui? Julio disse: eu. Pegou o cara pelo colarinho da camisa e
jogou lá em baixo com uma recomendação: olhe aqui meu amigo neste caminhão só
tem gente mole, portanto ninguém aceita um valentão como você aqui no nosso
meio, viu? O caminhão continuou a viagem em paz.
(*) José Romero Araújo Cardoso. Bisneto de Filemon Estevão
de Sousa e Ana Benigno de Sousa.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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